50 anos de revolução em Cuba:
balanço e perspectivas”
Visão histórica da Revolução Cubana
(vista de Portugal e por um português que acabara de fazer 23 anos em 1 de Janeiro de 1959)Há 50 anos, de Cuba pouco sabiam os portugueses. E o pouco que sabiam não distinguia o País de tantos outros, e de Cuba apenas chegavam notícias escassas, esparsas… e censuradas.
Os mais informados lá saberiam que era uma ex-colónia espanhola, encontrada por Cristóvão Colombo, em 1492, antes de Pedro Álvares Cabral chegar ao Brasil, nas buscas dos caminhos marítimos para a colonização e no dealbar do que hoje se chama globalização mas que não mais é que a nova expressão do imperialismo, fase superior do capitalismo.
E saberiam, também, se já então houvesse acesso à internet que para tudo abre portas tantas vezes erradas …, que o domínio da Espanha sobre Cuba durou quatro séculos, que foi a colónia onde a escracvatura durou até mais tarde (1886) com um milhão de seres humanos trazidos de África, e que, no final de 1898, tendo sido a ilha invadida pelos Estados Unidos – coisa que começou a ser comum, pelo menos nas tentativas – e derrotados os colonizadores espanhóis, foi assinado um Tratado de Paris que pôs fim à dominação espanhola na ilha para começar uma outra, com governo militar, dos vizinhos do Norte.
E saberiam ainda, os jovens de há 50 anos, que, como em outras colónias, também em Cuba era de sempre a resistência à ocupação e colonização, e que teria havido um tal José Marti, e ainda que, a 20 de Maio de 1902, os cubanos tinham proclamado a sua República, embora o governo dos Estados Unidos tivesse conseguido impor, na Assembleia Constituinte, a
Emenda Platt, que lhes dava, aos Estados Unidos, o direito de intervirem nos assuntos internos da nova república, negando à ilha, bem como a
Porto Rico, a condição de nação soberana, o que condicionava fortemente, ainda há 50 anos, a sua
soberania e
independência.
E se em Marx e Engels se poderiam encontrar referências interessantes e pedagógicas sobre Cuba, também em filmes e na literatura romanesca, Cuba surgia como um lugar excelente para os exploradores das suas riquezas (antes de todas o homem e a mulher cubanos, e o açúcar, de que a ilha se tornara o primeiro produtor e exportador mundial desde o começo do século XIX), de empresas de capitais estrangeiros, multinacionais, sem nacionalidade, com sedes fora de Cuba, também para ricaços em reformas douradas ou férias, para escritores de nomeada, como Hemingway, para aventuras galantes mas não para os cubanos. E que haveria por lá um ditador, bem sul-americano ao serviço do norte… americano, entre os mais violentos e torcionários dos seus confrades, de nome Baptista.
Haveria jovens mais atentos, ou que as circunstâncias teriam despertado para as coisas da política que saberiam, vagamente, de um assalto a um Quartel Moncada, em Santiago de Cuba, uns anos antes (em 1953), e de uma luta armada a partir de Sierra Maestra, com jovens guerrilheiros que faziam, a esses jovens de há 50 anos, olhar para a geografia do próprio país, e sonhar com uma Serra da Estrela a transformar-se em Maestra. Mas pouco mais saberiam.
Até que, há 50 anos, nestes meses em que os anos acabam, começaram a chegar, por aquelas portas travessas que sempre iludem as repressões, que as coisas estavam a correr mal para o ditador Baptista e quem ele servia, que os heróis guerrilheiros de Sierra Maestra ganhavam posições, com apoio popular sobretudo campesino, e estavam a caminho de tomar cidades, primeiro Santiago e, por fim, Havana.
A passagem do ano de 1958 para 1959 foi… especial
Diz a tal internet que
“No dia 1° de Janeiro de
1959 o
Exército Rebelde dirigido pelo seu Comandante e chefe,
Fidel Castro, derrota o governo que governava o país. É a partir desse momento que Cuba obtêm sua total e definitiva independência em relação aos EUA.”
Assim, o dia 1º de Janeiro de 1959, está quase a fazer 50 anos completos e há que o assinalar condignamente – “à cubana” –, foi o primeiro dia do resto da vida de muita gente. Cubana e não só.
Por aqui, por Portugal, as notícias chegavam escassas e filtradas. Mas deu para ter acesso a um conjunto de reportagens de Jean Paul Sartre, que desceu ao Sul, e de filósofo e escritor e político se tornou jornalista e fez reportagem sobre a nova Cuba que nascia com o derrube de Baptista e a chegada dos “barbudos” ao poder na pequena ilha vizinha dos Estados Unidos.
Desde já se acrescente que acontecia isso em tempos de alguma perturbação na sequência do XXº Congresso do Partido da União Soviética, com a segunda morte de José Estaline e todas as aberturas, para não dizer vendavais.
Fidel, Che, Cienfuegos, e a sua juventude, e as suas barbas, e o modo como conseguido chegar ao poder derrubando uma ditadura tutelada pelos Estados Unidos, vinham mesmo em boa altura para quem andava – mesmo que o não soubesse – um pouco à deriva, já esgotada a euforia do final da guerra de 39-45, e a justa admiração pela vitória da União Soviética e do Pai dos Povos, e também ultrapassada a alegria pela China de Mao, depressa moderada por diferenças e diferendos.
Refiro as reportagens de Jean Paul Sartre… porque as li. Porque as li como a primeira informação a merecer credibilidade e não esqueço ter retido a preocupação do autor de, apesar da sua conhecidas reservas, dúvidas e fricções com o Partido Comunista Francês, salientar que os guerrilheiros eram como nós tanto desejávamos que fossem: heróicos, generosos, determinados, quase diria puros como os habanos… mas que, na sua vitória, também havia uma componente urbana, de resistência, longa, dura, clandestina, à maneira da que se fazia em Portugal, e que as coisas estavam a articular-se bem entre as duas componentes no processo revolucionário cubano.
Por esta abordagem, de recordações, me ficaria longo tempo. Vou evitá-lo… E vou evitá-lo procurando resumir dizendo, em síntese forçada – e que apenas faço entre camaradas, companheiros, amigos –, que apareceu o aproveitamento da não-ortodoxia que algumas expressões de Fidel e de Che juntaram às suas tão queridas e tão fortes imagens para se procurar preencher um certo vazio de ortodoxia e de aprofundamento ideológico do pensamento socialista, numa viragem de década em que, sabemo-lo hoje, os anos 60 foram de verdadeira ebulição. Que o diga quem o vivia em Portugal, com a guerra colonial iniciada em 1961, e a emigração verdadeiramente histórica, que o diga Maio de 1968 que de França até aqui desceu.
Mas a revolução cubana, o que se viveu em Cuba, e a partir de Cuba e de 1 de Janeiro de 1959, pode dizer-se que foi um centro das erupções, dos vulcões.
Primeiro porque, às aproximações insidiosas dos Estados Unidos, aos aliciamentos e cantos de sereia, a resposta de afirmação inequívoca de soberania e independência, com José Marti como imagem e sustentáculo e a reforma agrária como começo de tudo com a educação e mobilização do povo, mostrava claramente que, se não havia ortodoxia nas barbas nem em certas frases ou discursos, havia um fundo ideológico que se alimentava na prática social e política sem concessões ou transigências. (entre parênteses, lembro a discussão em que cheguei a participar sobre os estímulos materiais, na revista Seara Nova, a partir de posições tomadas em Cuba com a referida pureza dos “habanos” a ser confrontada com outras posições mais caldeadas pela evolução histórica e as suas contingência no curso da luta de classes).
Depois porque, quase empurrados para a indispensável apoio da União Soviética em alternativa à dependência económica e submissão política via monocultura do açúcar, a chamada “crise dos mísseis”, se protagonizada por Khruschev e por Kennedy, não teve protagonistas menores nos dirigentes da Cuba já afirmadamente socialista, porque só no socialismo via futuro soberano e independente.
Há que lembrar que essa “crise”, que fica na História como tendo posto o Mundo à beira de uma guerra nuclear aconteceu depois da vergonhosa (sob todos os aspectos) tentativa de invasão de Cuba pela Baía dos Porcos, de 17 de Abril de 1971, a que o povo cubano resistiu heroicamente e que derrotou, e que tal crise teria começado quando a União Soviética, em resposta à instalação de mísseis dos Estados Unidos na
Turquia em
1961, teria começado a instalar mísseis em Cuba, o que foi encarado pela administração
Kennedy como um acto de guerra contra os Estados Unidos, actos de guerra que, evidentemente, não o eram a invasão da Baía dos Porcos, e a instalação de mísseis na Turquia e voltados para a União Soviética.
E se, na ultrapassagem do conflito eminente, os mísseis da Turquia foram retirados, o bloqueio e as agressões a Cuba não terminaram. Bem pelo contrário, recrudesceram. E será oportuno lembrá-lo, hoje, em que tão boas memórias se querem ter do Presidente Kennedy e tantas ilusões se colocam no novo chefe da administração estado-unidense, esperando-se pelo teste do bloqueio a Cuba e Guantánamo….
Mas voltemos ao jovem português, ainda pouco mas já melhor informado sobre Cuba, entusiasmado com a sua revolução, participando em debates com a informação possível, leitor do Diálogo com os meninos “discurso pronunciado pelo Doutor Fidel Castro, ao fazer a entrega da antiga fortaleza militar de Colúmbia ao Ministério da Educação”, pelo Chefe das Forças Armadas, comandante Raul Castro, ao Ministro da Educação, jovem português que começava a ser frequentador da Embaixada de Cuba em Portugal, único território no espaço português sob dominação fascista em que havia socialismo e liberdade.
É verdade. Nesse andar da avenida António Augusto de Aguiar, em cujo prédio se sabia que as nossas entradas e saídas eram vigiadas e registadas pela Pide, chão livre em terra ocupada por fascistas, o embaixador de Cuba, o camarada-embaixador Blanco, médico, recebia amigos de Cuba, que com ele e sua companheira e outros cubanos que lá trabalhavam bebiam Cubas livres, conviviam, conversavam sobre a vida e o futuro.
Lembra, o jovem economista ligado a uma editora, que de lá trouxe esse Diálogo e uma edição comemorativa de 10 anos de Moncada, A história me absolverá, a defesa de Fidel no julgamento do assalto a Quartel Moncada, e também A presença africana na América Latina, de Luciano Castro, de que promoveu a edição na Prelo Editora. Que livros importantes!, cada um nos seus temas. E lembra também, o jovem economista-editor, então à volta dos 30 anos, a curiosidade de uma outra editora, em simultâneo com a Prelo Editora ter publicado A História me absolverá com só 7 dos 10 capítulos que tem esse testemunho verdadeiramente histórico…
Dando saltos, apenas ainda digo que, nesses convívios na Embaixada de Cuba, muito se viveu e muito nasceu, incluso no que se pode chamar “período chileno” em que a Embaixada de Cuba como que apadrinhou a congénere chilena, havendo, até Setembro de 1973, dois locais onde os resistentes em Portugal encontravam amizade e solidariedade, e solidários queriam ser com os processos desses países e povos.
Nunca se podem confundir as situações. A nossa luta era a mesma e era outra. A nossa era contra o fascismo e o colonialismo. Como se diz no Manifesto, a luta, pela sua forma que não pelo seu conteúdo, começa por ser nacional. E quando, em Portugal, a nossa luta fez o 25 de Abril e, mais importante, fez o 26 de Abril e o 1º de Maio e os dias seguintes, tivemos contra nós, contra o caminho do nosso povo para a sua verdadeira libertação, a luta internacionalista da classe que via fugir-lhe um espaço ao seu domínio, tivemos a CIA e Carlucci, ou a CIA por Carluci e seus amigos, tivemos a (mal) dita “Europa connosco”, mas tivemos, também, o apoio solidário dos povos já então livres da exploração do homem pelo homem. Tivemos apoio solidário de Cuba, como o veio a ter – e de que maneira! – Angola. Por isso, entre as vítimas do terrorismo contra-revolucionário, estão dois cubanos, barbaramente assassinados pela bomba nas instalações da Embaixada na avenida Fontes Pereira de Melo. Não os esquecemos!
Como não esquecemos, hoje, os “5 de Miami”, esse verdadeiro escândalo, esse atentado aos direitos humanos por quem enche a boca de direitos humanos e abunda em práticas desumanas contra os direitos dos homens e dos povos, de que o povo cubano tem sido uma das mais gritantes vítimas.
E quando se deram as derrotas do socialismo no Leste Europeu, também então o povo cubano sofreu com particular gravidade as consequências desse desastre no caminho da Humanidade, resultado da luta de classes, de fraquezas, de traições. Mas disso não vou, para além de assinalar a reacção corajosa, valente de Cuba, dos cubanos, a mais essa intempérie, não natural mas social. E para as intempéries, quer naturais que não faltam quer sociais que não se conseguiram evitar, nenhum povo, nenhuma nação merece mais a solidariedade, que o povo cubano e Cuba, pelas suas permanentes lições de solidariedade internacionalista.
Mas, ao fim de 50 anos, destes 50 anos, que País é Cuba? Com o vêem os portugueses, como vê este português que durante 50 anos acompanhou o seu percurso histórico? Que país é Cuba socialista?
Diria, para começar, que é o País que, hoje, em 2008 tem, na Assembleia Geral das Nações Unidas, 185 países (em 192) ao seu lado votando pela 17ª vez contra o bloqueio económico, financeiro e comercial dos Estados Unidos, instando a que lhe seja posto fim imediato, quando apenas 3 votaram contra a moção, 2 se abstiveram e 2 estiveram ausentes da votação. Número sempre crescente: foram mais 3 a votar por Cuba e contra o bloqueio e menos um a votar contra Cuba e pelo bloqueio que há dois anos! Será que na 18ª votação, no próximo ano, serão todos a votar contra o bloqueio excepto o próprio pais que, criminosamente, o perpetra e, talvez…, Israel?!
Mas…apesar do bloqueio, da violência contra si ao longo destes 50 anos, das catástrofes e traições, da exemplar solidariedade, sempre com tudo contra e sempre por todos, Cuba é ou não um País em que o povo vive melhor, melhor hoje que ontem, melhor ali que nos países perto ou longe, um País que tem futuro, que é O FUTURO?
Não respondo, que sou suspeito. Mas vou buscar a resposta a um indicador criado pelas Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que suspeito não é, ou bem pelo contrário como aquela história de não ser a favor nem contra antes pelo contrário, e também porque ficaria mal o economista que não trouxesse alguns números, não é verdade?
Pois esse indicador, o índice de desenvolvimento humano, coloca Cuba em 51º lugar, entre os países de desenvolvimento humano elevado (que são 70), o que é muito significativos pois, sendo um indicador que corrige o mero crescimento económico medido pelos PIBs (produtos internos brutos) com indicadores sociais, faz com que Cuba seja, de longe, o que dá o maior salto subindo 43 lugares, pois em indicador exclusivamente económico (ou economicista) estaria em 94º lugar entre os 177 listados, salto que tem como segundo País os “territórios ocupados da Palestina” que passa de 139 para 106, isto é, sobe 33 lugares. Em contrapartida, os Estados Unidos descem 10 lugares entre o seu lugar na ordenação dos PIBs e a do desenvolvimento humano.
Quem escolheu os indicadores para corrigir o estrito crescimento económico foram os técnicos do PNUD, quem fez os cálculos foram os técnicos do PNUD, mas a nós não nos pode surpreender que assim seja uma vez que os indicadores que vêm corrigir a ordenação por critérios estritamente económicos, são baseados em indicadores de saúde e de educação.
E todos sabemos que a educação foi, com a reforma agrária, o primeiro objectivo da revolução, e objectivo alcançado pelo primeiro país do mundo em que se erradicou o analfabetismo e os níveis de literacia e cultura estão entre os mais elevados de todos.
E todos sabemos que a saúde dos seres humanos tem sido tratada como um direito, e um direito de todos os povos e não só dos cubanos, como a solidariedade com os vizinhos e os longínquos o comprova de forma que não é possível escamotear. O que acontece como o programa milagro, o que se sabe estar a acontecer em várias autarquias portuguesas, sem se olhar (e o verbo olhar tem aqui todo o cabimento) a cores políticas, é verdadeiramente impressionante. Como já aconteceu e acontece com outras valências da medicina preventiva e curativa. Com tal força e expressão que cabe perguntar como é possível?
Antes de mais porque a educação e a saúde são direitos, como tantas Constituições e legislações consagram mas cujas práticas são as do negócio da doença e do negócio da formação orientada para o serviço dos detentores dos meios de produção.
Sei que tenho de terminar. Com alguma dificuldade o faço porque falar de Cuba é aprender em aulas práticas, é viver uma experiência empolgante, de cada um e da Humanidade. Uma experiência de aprendizagem e prática coerente do socialismo, passos no difícil caminho da afirmação da alternativa necessária e possível ao capitalismo, sempre em crise, com periódicas e sempre mais graves explosões de crise, sempre e mais graves situações sem saída que não sejam as de destruição do que a Humanidade vem construindo pelo esforço dos trabalho, a da destruição da própria Humanidade. Ou a do FUTURO, do socialismo.
Muito obrigado por me terem dado a honra de fazer esta tão grata tarefa.
Há 50 anos, de Cuba pouco sabiam os jovens portugueses. Hoje, 50 anos passados, de Cuba pouco sabem os portugueses. Porque lhes mentem, porque lhes escondem o exemplo, porque a luta é de classes e a comunicação uma arma nas mãos de quem mente, de quem esconde, de quem deturpa o que não serve os seus interesses.
Este português, que há 50 anos era um jovem, sente-se jovem pelo que sabe de Cuba, pelo que quer contar aos seus compatriotas sobre Cuba. Porque Cuba existe, independente e soberana, País do seu Povo, Pátria de nós todos.
Viva a revolução, viva Cuba!