Ora aqui está um "post" a que não resisto, neste dia em que estou pouco resistente (e ainda bem... por aquilo a que não estou a ser capaz de resistir). Assim, abuso da (e muito agradeço a) autorização de Fernando Campos e regalo-me ao divulgar este retrato (e a excelente prosa acompanhante - com que nem em tudo concordo, ou até discordo com a "autoridade" dos meus quase-80), retrato-não-para-rir de figurinha por que tenho particular "predilecção", talvez por ver o meu nome próprio em tão imprópria e "fascistóide" aplicação.
«quinta-feira, 27 de agosto de 2015
retrato da presunção, sem água benta
.
Joseph Conrad 
escreveu, não sei bem em que contexto, que a caricatura é “pôr o rosto de uma 
piada no corpo de uma verdade”. 
Como Conrad não foi 
propriamente um espírito conhecido pela nonchalance, deduzo que a sua 
referência tenha sido crítica. Na sua austera severidade (ele não usava de 
rodriguinhos nem paninhos quentes, escarafunchava a chaga 
sempre até à carne viva), a caricatura sugeria-lhe um expediente 
artificioso - uma espécie de máscara - com que se tentaria disfarçar a 
face sempre inquietante desse corpo hediondo que é a verdade; ou seja, um 
divertimento mundano, irresponsável e escapista, apenas destinado 
a amenizar a dura realidade dos factos da vida.
.
Penso que não é esse o 
caso das minhas caricaturas. Detesto o engraçadismo tanto como Conrad. O 
que busco nos meus desenhos (que não são “bonecos” apalhaçados pra fazer rir) 
não é a fácil adesão ou o entretenimento pelo riso alarve. O que neles é 
exagero ou parece deformação é apenas o que me parece conveniente realçar pelo 
desenho em vista de uma melhor apreensão da pura e dura realidade dos factos da 
vida. 
.
Ontém fiz 53 anos. 
Cinquenta e três. Já não tenho grande futuro. O país em que habito também não. 
Isto é um facto da vida. A dura realidade. A verdade. 
Tenho vindo a 
dedicar-me à árdua e bastante desconsiderada arte da caricatura, desenhando, 
entre outros, os rostos de uma classe dirigente que reduziu velhacamente a 
esperança de um povo imbecil a este grau zero e lhe transformou a vida nesta 
comédia negra triste e bufa pontuada alegremente - de Maio a Outubro em 
Fátima e de Agosto a Junho no canal Benfica – por estranhos fervores colectivos 
e álacres festividades populares.  E, entre a época dos fogos, a balnear 
e a da sardinha, por outras delirantes e pícaras bizarrias, como a caça aos 
indecisos, os inumeráveis e repetitivos festivais de música ao ar livre e as 
privatizações a mata-cavalos. 
.
O rosto que escolhi 
retratar e editar hoje aqui é o de Sérgio 
Monteiro, o secretário de estado das infraestruturas, transportes e 
comunicações. Na prática trata-se do comissário plenipotenciário dos 
donos-disto-tudo para as privatizações. O senhor suápe. É dele o 
rosto da privataria - essa curiosa transacção de bens públicos 
para bolsos privados a preços módicos convencionados pelo mediador em 
troca de equívocas percentagens ou futuras participações. 
.
Os traços, a pose e a 
retórica são as de quem encara essa sale besogne como uma missão. 
Algo realmente importante. Patriótico. O mediador acha-se um 
decisor.
É disso que trata o 
desenho. De presunção. O retrato - tanto quanto possível fiel, ainda que 
resumido ou sintético - de um alarve entupido de auto-convencimento. 
A caricatura, como a 
entendo, não ambiciona fazer rir. Embora, por vias travessas, talvez até 
o faça. 
A verdade é que, como 
Camilo a respeito do romance, também “estou mais que muito desconfiado de que 
não morigera nem desmoraliza”. 
Apenas procura, 
modestamente, aquela inquietação que só proporciona o verdadeiro 
entendimento dos factos da vida. 
.
.
 
 
  
  
Sem comentários:
Enviar um comentário