quinta-feira, dezembro 15, 2016

Uma crónica de TáVisto

O LEÃO E OS JUMENTOS

Morto Fidel Castro, dos quatro cantos do criptofascismo local ou multinacional surgiram textos e vozes que nos diversos meios de comunicação social, incluindo naturalmente os diversos canais que enformam a televisão portuguesa, se aplicaram a agredir a memória do líder da libertação de Cuba. Alguns deles, se não a sua maioria, são tão primários, tão singelamente utilizadores de velhos e toscos argumentos, que podem trazer à nossa memória a milenar fábula do leão agonizante, retomada pelo quase inesgotável La Fontaine. Como muito provavelmente nem todos a recordamos, lembremos que a fábula nos conta a situação de um leão que, velho e moribundo, se viu agredido por muitos outros animais que ao longo dos tempos nem sequer se atreviam a aproximar-se dele, e a todos esses cobardes o velho leão respondia com indiferença. Não, porém, quando viu aproximar-se um reles jumento com a intenção de participar na agressão colectiva: aí, o leão reagiu com indignação porque a conjunção da cobardia com a literal burrice lhe pareceu inaceitável mesmo naquele momento. Ora, no caso desta ofensiva póstuma contra Fidel, o que mais suscita indignação e porventura algum nojo é a evidência do velho ódio que aproveita agora o ensejo misturando a má-fé da omissão do essencial com o punhado de distorções que ao longo de décadas vieram sendo construídas. E por isso pode visitar-nos a memória a reacção do leão da velha fábula: é de mais!
O velho vício

Recordemos as duas mais repetidas acusações agora formuladas contra Fidel: a de ser um ditador e a de ter consentido a aplicação da pena de morte. Ambas são quase pueris e evidentemente infames. Quanto à primeira, é certo que Fidel Castro não foi eleito para a presidência de Cuba por um processo eleitoral “clássico”, digamos assim, mas lembremos que Hitler, sim, chegou ao poder por essa via tradicional e legítima: será que essa gente que agora abocanha a memória do libertador de Cuba prefere a “democraticidade” de Hitler, será que é por essa via que a condição de ditador se define? Para lá desse dado digamos que inicial, haverá alguma dúvida minimamente razoável acerca do apoio e mesmo da devoção que a larga maioria do povo cubano dedicava a Fidel, sem prejuízo de ilhéus de contestação interna aliás alimentada pelo exterior e por alguma ilusão acerca dos supostos paraísos capitalistas? É óbvio que não para qualquer observador honesto. Quanto a aplicação da pena de morte sobretudo aos apoiantes de Fulgêncio Batista, esse sim, ditador sem disfarce nem alibis, recorde-se que a repressão ordenada por essa criatura infame incluía a castração dos prisioneiros políticos antes da sua execução, o que obviamente explica o rigor da pena aplicada aos carrascos e seus cúmplices entre estes se incluindo os que se cumpliciaram tempos depois. Normalizada a vida cubana, a pena capital foi uma vez aplicada a um oficial superior do exército cubano, e esse facto surgiu como tão raro que suscitou a crítica de muitos apoiantes da Cuba socialista, mas recorde-se que a motivação do duro castigo não foi de ordem política: tratou-se de um general que cedera à tentação de traficar droga. Assim, perante os factos, a acusação de assassínios agora bolsada contra Fidel surge na sua inteira hediondez. Bem se sabe, é claro, que os Estados Unidos nunca deixaram de, ao longo de mais de meio-século, tentar injectar em Cuba o vírus da traição muitas vezes à débil sombra de pretextos e manejos em favor de uma suposta democraticidade. Mas a tentativa da Baía dos Porcos falhou e não foi a única, tendo sido a mais falada, sendo óbvio que foi caracterizadora de um clima de permanente agressão que não podia favorecer a supostamente desejada “democratização”. Também o isco do mítico consumo de bens à “maneira capitalista” foi usado para, em combinação com os efeitos do bloqueio que todo o mundo civilizado condenava, aliciar a população cubana. A resposta era dada pelo povo de Cuba, orgulhoso da sua revolução, nas praças da Cuba livre que Fidel para ele conquistara. Contra tudo isto e o muito mais que aqui não cabe pouco podem as calunias agora desferidas. Mas bem se sabe que para alguma direita a calúnia é um vício. Incurável e por vezes bem pago.

Correia da Fonseca
no avante!

1 comentário:

Olinda disse...

A grandeza de Fidel incomoda muita gente!Não há volta a dar,a máquina está montada para seguir com as usuais calúnias.Felizmente que há muita areia,para a deter .Bjo