Especial ZAP | O PCP, pai solteiro dos passes sociais,
quer um aumento audacioso do salário mínimo
Por
-
(fc) Tiago Petinga /
Lusa
mas
nem só de direitos dos trabalhadores se faz o programa da CDU.
Em entrevista ao ZAP, António Filipe, deputado
comunista há mais de metade da sua vida, afasta os Diabos do passado e afirma
que o PCP é pai solteiro dos passes sociais. A CDU não tem dúvidas de que o PS
quer uma maioria absoluta: a estratégia, conta o deputado, passa por um
discurso um pouco dissimulado, onde se finge que não se quer querendo.
Para a próxima legislatura, a CDU define como questão
fundamental o aumento “audacioso” do salário mínimo nacional (SMN)
para 850 euros,
apontado os baixos salários como um dos principais problemas da sociedade e da
Economia portuguesa.
“Portugal
é um país onde se trabalha e se empobrece”,
onde a “Economia não cresce precisamente
devido à pequenez do mercado interno e ao facto de a maioria dos portugueses
viver com rendimentos muitos baixos”, sustentou António Filipe, dando conta
que a CDU também se debate por um aumento geral dos salários, no público e no
privado.
No entender do deputado comunista, a alteração
proposta, que aumenta em 250 euros o valor do SMN, não trará efeitos adversos
para o patronato, afastando o cenário de despedimentos ou quebras na Economia
nacional.
“Esses
argumentos eram utilizados sempre que se falou em aumentar o salário mínimo
nesta legislatura. Diria que esse tipo de objeção é parecida com
aquela que [defendia] que se houvesse reposição de salários vinha aí o Diabo“, afirmou, referindo-se ao antigo primeiro ministro
Pedro Passos Coelho (PSD).
“Quando
foi para aumentar [o SMN] também se dizia isso, que as empresas iam à falência,
que iam criar menos postos de trabalho”,
continuou António Filipe, antes de explicar que aumentar o SMN terá efeitos
totalmente contrários.
“Se
as pessoas tiverem mais dinheiro, isso é bom para a Economia: as
empresas vendem mais, as empresas faturam mais, porque o mercado interno cresce
e, com isso, permite criar novos postos de trabalho”, defendeu.
Questionado sobre se a CDU prevê algum tipo de
contrapartidas para os empresários face ao aumento proposto, António Filipe diz
que não cabe ao Estado pagar os rendimentos dos trabalhadores privados e, por
isso, o patronato nada pode exigir.
“O
Estado tem é de pagar os salários dos trabalhadores do setor público. E o
patronato não pode exigir contrapartidas sempre que se trata de dignificar o fator trabalho e
os rendimentos dos trabalhadores. Somos um país onde os salários são uma
componente relativamente baixa relativamente à estrutura de custos das empresas
e somos um país em que com os baixos salários convivem com muito elevadas taxas
de lucros”.
Frisando que a balança que pesa os lucros das empresas
e os salários pagos é desigual, o comunista defende que se se reduzir, ainda
que pouco, as altas margens de lucro que existem em muitas empresas, é possível
compensar os salários.
Trata-se de “justiça social” e não de um elemento negativo para a Economia,
insistiu.
Investimento público e justiça fiscal
A par do aumento generalizado dos salários, a CDU
elenca ainda como maiores bandeiras eleitorais o investimento público e a
justiça fiscal.
No entender de António Filipe, e apesar das propostas
do PCP e de Os Verdes, o investimento público não foi suficiente na última
legislatura, havendo um défice que é necessário colmatar. Saúde, Educação e Infraestruturas, com especial enfoque na ferrovia, são setores onde
mais se precisa de investir.
A nível fiscal, e de acordo com o deputado comunista,
o problema não se coloca na carga fiscal, mas antes na forma como esta é
distribuída. A fórmula é simples: “Quem
tem mais devia pagar mais, quem tem menos devia pagar menos”.
“Há
países que têm uma carga fiscal elevada, mas isso significa que há um elevado
nível de satisfação social e que o Estado obtém receitas para cumprir as suas
funções sociais. E, portanto, o problema [em Portugal] não se coloca na carga
fiscal, mas sim na justiça fiscal. O que se passa em Portugal é que os
rendimentos sobre o trabalho são injustos na medida em que baixos rendimentos pagam impostos
elevados e, ao contrário, rendimentos resultantes de
lucro, da especulação, pagam muito pouco de impostos”.
“Quem
tem mais devia pagar mais, quem tem menos devia pagar menos – e não é isso que
acontece”, reiterou o deputado. Quanto aos
impostos indiretos, a CDU propõe também neste campo a redução da taxa máxima de
IVA de 23 para 21%.
PCP é pai solteiro dos passes sociais
A CDU tem como uma das suas medidas garantir creche
gratuita para todas as crianças que nasçam a partir de 2020. O PS inclui o
mesmo no programa que apresenta às legislativas, apesar de em 2016 ter sido o
único partido a votar contra uma proposta de resolução do PCP para a criação
dessa mesma “rede pública de creches”.
Questionado sobre se o PS estará a “reciclar” medidas
que no passado ajudou a chumbar, António Filipe foi claro: “Costuma-se dizer:
contra factos, não há argumentos”.
“A medida podia já estar numa
fase mais avançada e até a ser
posta em prática, infelizmente não foi essa a situação e por isso consta do
nosso programa para a próxima legislatura”, apontou o deputado, defendendo que
cabe ao Estado assumir a responsabilidade de criar uma rede de creches que
permita que os portugueses possam ir trabalhar e ter onde deixar os seus
filhos.
“O
Estado não deve deixar nas mãos do mercado a resposta a uma questão social que
para nós é fundamental, até para o tão desejado aumento da natalidade”.
Este “reciclar” de medidas não surpreende o PCP que,
tomando como exemplo os passes sociais, recorda que muitas das propostas
apresentadas num primeiro momento pelos comunistas são depois reaproveitadas
por outros partidos.
“Já
estamos habituados (…) O melhor exemplo [desta situação] é a redução dos custos
dos transportes em que o PCP praticamente há duas décadas se debateu por isso
e, durante algum tempo, fê-lo sozinho até que finalmente conseguiu-se nesta
legislatura uma redução muito significativa dos custos dos transportes”, confessou.
No entender de António Filipe, e apesar de todas as
manifestações de paternidade da esquerda, não há dúvidas que o PCP é o “pai” dos passes sociais.
“Não
há como consultar o site da Assembleia da República e ver quais são as
primeiras iniciativas tomadas sobre essa matéria ao nível do passe social
intermodal, que eu creio que é fácil de demonstrar que o PCP há muitos anos o
tem vindo a defender”.
“Por
nós, não
há dúvidas. E quem tiver dúvidas é uma questão de verificar isso
nos registos da Assembleia da República que são de acesso público”.
Dissimulação do PS pela maioria absoluta
Fazendo um balanço positivo da última legislativa e
recordando a reposição de feriados, o descongelamento de carreiras na
administração pública e os aumentos salariais como grandes conquistas, António
Filipe frisa que não se foi mais longe devido à “obsessão” socialista pelo défice zero e à “submissão aos critérios impostos pela União Europeia”.
Quanto à criação de uma nova geringonça ou outra
qualquer solução governativa, a CDU não fecha portas a
nada e recorda que está onde sempre
esteve.
“O
PCP e a CDU estão onde sempre estiveram. Ou seja, sempre houve uma
disponibilidade para não perder nenhuma oportunidade que se traduzisse no
melhoramento das condições de vida dos trabalhadores e do povo português”, disse o deputado, recordando que os partidos da
coligação “sempre estiveram recetivos para
convergências à esquerda”, sem a necessidade de se estabelecer um acordo
formal entre as partes.
Nas eleições de domingo, a CDU pretende reforçar os
seus partidos, aumentando o número de deputados, que lhes permita depois ter “condições para influenciar as medidas a
adotar” por um futuro Governo. “A CDU
luta por um bom resultado”, disse António Filipe.
Quanto à eventualidade de uma maioria absoluta, o
deputado comunista considera que seria “profundamente negativa“, sendo esta do PS ou de qualquer outra força
política. Os grandes perigos – e aqui o argumento do PCP repete-se – estariam
relacionados com um retrocesso no país.
“O perigo é andar para trás, que não se avance, como é
necessário. O perigo de retrocesso a pretexto de uma
qualquer crise, real ou imaginária,
é um perigo real (…) A maioria absoluta é negativa porque poderia permitir, sem
empecilhos, como disse um dia um deputado socialista, que houvesse retrocessos”,
sustentou.
A CDU não tem dúvidas que o PS quer a maioria
absoluta, considerando que os socialistas não a mencionam devido às más
experiências do passado. “É evidente que
o PS quer ter maioria absoluta. Agora sabendo da impopularidade das maiorias
absolutas pela experiência feita, evidentemente que há um discurso com alguma dissimulação (…)
a tática que o PS está a usar é lutar pela maioria dizendo que não a quer”.
Para o próximo domingo, e reconhecendo que abstenção
poderá ser um problema, António Filipe apela aos portugueses para que “não
se alheem” dos seus problemas e direitos. “O nosso apelo fundamental é
que participem, que exerçam o seu direito de voto, que foi um direito que
custou muito a conquistar ao povo português, e que votem na CDU”.
(Em 2015,
a CDU foi a quinta
força mais votada com 8,25% dos votos, que se
traduziram em 17 deputados na Assembleia da República. A coligação ficou a 1,94
pontos percentuais do Bloco do Esquerda, quarto partido mais votado. No
mesmo ano, a abstenção atingiu o nível mais alto de sempre em legislativas:
apenas 56,93% dos eleitores inscritos foram votar, registando-se uma abstenção
de 43,07%.)
1 comentário:
Boa entrevista de A.Filipe,outra coisa não seria de esperar.Grata por a partilhares.Bjo
Enviar um comentário