terça-feira, abril 26, 2022

Um momento (histórico, longo) de viragem-1


Por formação (ou deformação) académica/profissional, encontramos evidentes diferenças nas aproximações da actual (e gravíssima) crise que estamos a viver, diferenças que nos estão a concitar particular atenção.

Há, claramente, duas maneiras de encarar a situação no que respeita à economia política.

Por um lado – chame-se-lhe “ocidental”…–, parece que todos os comentaristas (ou comenta dores) que, querendo ou sendo convidados a tomar uma posição não-política (como se a houvesse), se assumem como “economistas (professores… e upa-upa), analisaram e analisam as medidas de sanções económicas decididas para penalizarem a iniciativa russa. A que eventualmente se referem de passagem, no tom consensual, claro e acusatório, de repúdio e de solidariedade para com o povo agredido, como se a operação militar da Rússia não tivesse tido antecedentes e escalada a provocá-la.

De qualquer modo, desde o começo, houve declarações, ou se vislumbraram prevenções quase assustadas, por parte dos “economistas” deste "lado", quanto aos efeitos e vítimas das sanções económicas. Sanções que, decerto, teriam sido decididas após consulta a abalizados “técnicos” da área da economia política.

Desde o início, se tornou claro, para os comenta-dores “economistas”, que essas sanções iriam repercutir-se seriamente nas economias europeias, ou na economia europeia (se acaso ela existisse como um todo, de uma formal União Europeia), que tinham criado dependências com o “outro lado”, com o alvo das sanções.

E houve quem até aventasse que as consequências negativas (de boomerang…) levariam a substituir essa dependência por uma outra, relativamente aos Estados Unidos, não menos assimétrica… mas entre parcelas da mesma soma, num acréscimo do indesejável (para quem?) unicentrismo. Não faltando uma ou outra voz – talvez por demasiado europeístas… – a insinuar que, para além da Rússia, as sanções tinham (também) como alvo a “Europa” e as suas veleidades independentistas ou de multi-lateralismo.

E as perspectivas não são nada favoráveis, com uma inflação a trope e a caminho do galope. Como seria de prever com as vítimas do costume, os cidadãos de rendimentos fixos ou nada elásticos – salários e pensões –  enquanto as minorias de rendimentos variáveis – particularmente, alguns lucros e especulações – encontrarão forma de engrossarem, se for caso disso devorando alguns menos precavidos.

Uma questão de classe.

Tudo com base numa configuração da actividade económica vinda do final da guerra de 1939-45, de acordos firmados em Bretton-Woods, com a criação de um FMI e um Banco Mundial, e toda a economia internacional a ser regulada por via de uma moeda então pletórica, expressão de uma economia nacional que (quase só) tirara vantagens do conflito, substituindo impérios por um pólo (a opor-se, com toda a força das armas e não só, ao “outro lado”, aos que mais tinham sofrido a guerra e a ela resistido).

As correlações de forças – nacionais e universal – determinavam a(s) ordem(ns) económica(s) internacional(is), que, com maior ou menor variação, se mantivera(m) mesmo para além da decisão verdadeiramente fulcral de transformar a moeda em que se sustentava o edifício bretton-woodiano, num papel verde, em que bem se advertia que era em deus que se devia confiar (e só nele), pois a base de 35US$=1 onça de ouro deixava de ser convertível, base… para o que quer que fosse, salvo para o poder(io) dos Estados Unidos.

Assim, a tudo resistiu Bretton-Woods, e até mesmo à outra super-potência, e sua ordem específica internacional, que não teve forma de escapar a esse ludíbrio de as relações económicas internacionais sempre mais estreitas terem por base uma moeda que se desmaterializava.

Encurtando razões (ou o que quer que seja), significativo é que em 1989, nas vésperas ou madrugada de grandes transformações na ordem económica internacional, assinava-se um Consenso de Washington, entre as instituições monetário-financeiras de Bretton-Woods, consenso assente nessa moeda que nem seria já bem uma moeda mas o tal papel verde in God we trust. Fidúcias...

Dominava o pensamento económico (e a acção económica) a síntese ou mescla monetarista, misturando neo-clássicos com escola de Chicago, estando como reserva da síntese (que apenas exclui… a crítica da economia política) o eventual recurso ao pensamento keyneseano para responder a mais complicadas correlações de forças sociais, nunca se pondo em causa a prevalência da economia (de mercado, evidentemente) sobre a política, sem sequer merecerem menção as vertentes social, cultural e ambiental.  

talvez continue...


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