sexta-feira, setembro 29, 2023

"Caiu-lhes a máscara"

 - Nº 2600 (2023/09/28)
Crónica Internacional

"Caiu-lhes a máscara


Opinião

Depois da fria recepção nos EUA, onde – ao contrário do que se verificou anteriormente – não foi facultada a possibilidade de se dirigir ao Congresso, eis que Zelensky intervém no parlamento canadiano, na presença de Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, tendo sido recebido com um autêntico delírio apoteótico.

A euforia foi tão grande que Zelensky, Trudeau e todo o parlamento acabaram a ovacionar colectiva e significativamente, de pé e por duas vezes, um ucraniano-canadiano membro da 14.ª Divisão das Waffen SS nazis, apresentado como um «herói».

Perante a ampla denúncia deste tão escandaloso quanto clarificador acto de glorificação de um colaboracionista nazi, seguiu-se um vergonhoso exercício de «passa culpas» e de tentativa de desresponsabilização por parte daqueles que nele tão entusiasticamente participaram.

O branqueamento do nazi-fascismo e dos que com este colaboraram não é novo no Canadá. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, o Canadá acolheu colaboracionistas do nazi-fascismo, incluindo ucranianos integrantes das Waffen SS, responsáveis por hediondos crimes. Aliás, os membros da 14.ª Divisão das Waffen SS, maioritariamente integrada por fascistas ucranianos, sob comando nazi, encontraram no Canadá um espaço para a sua articulação no pós-guerra. Recorde-se que, nos anos 80, as autoridades do Canadá procuraram branquear a 14.ª Divisão das Waffen SS, tentando ilibá-la dos crimes cometidos pelos nazis, nomeadamente na União Soviética e na Polónia.

Recorde-se ainda que o Canadá, assim como os EUA, o Reino Unido e, em geral, os países integrantes da NATO e da UE – incluindo Portugal – têm-se sistematicamente abstido ou votado contra a resolução aprovada anualmente pela Assembleia-Geral das Nações Unidas sobre o combate à glorificação do nazismo, do neonazismo e de outras práticas que contribuem para alimentar as formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância associada.

A cumplicidade das potências capitalistas com o fascismo verifica-se desde a origem deste, estando patente no período que levou à eclosão da Segunda Guerra Mundial e prosseguindo no pós-guerra. A participação da ditadura fascista portuguesa como membro fundador da NATO e o seu apoio à guerra contra os povos africanos imposta pelo regime colonial fascista português, é um entre tantos exemplos desta cumplicidade que teve expressão em praticamente todos os continentes. É dessa cumplicidade aberta ou encoberta do imperialismo com o fascismo que surgiram as forças que hoje, em diversos países do Leste da Europa – como na Ucrânia ou nos Estados bálticos – branqueiam o nazi-fascismo e os seus crimes e glorificam os que com ele colaboraram, ao mesmo tempo que destroem os monumentos e a memória dos soldados soviéticos e perseguem os comunistas e outros democratas.

Veja-se como o imperialismo não hesitou em recorrer a grupos fascistas e nazis para efectuar o golpe de Estado na Ucrânia em 2014 e impor um poder xenófobo e belicista que, não se importando de sacrificar o povo ucraniano, se assume como uma autêntica tropa de choque da estratégia de confrontação e guerra dos EUA.

Por muito que o procurem iludir, o vergonhoso episódio no parlamento canadiano não foi um acto isolado, um erro ou um acaso, mas a expressão de uma longa e inaceitável conivência política.

 

Pedro Guerreiro "



A ORDEM MUNDIAL

 - Nº 2600 (2023/09/28)


A ordem

Opinião

Já quase ninguém o nega: o mundo está a mudar e está a mudar depressa.

No discurso político e mediático dominante no chamado Ocidente alargado lamenta-se já o anunciado fim da ordem mundial surgida do pós-Guerra Fria (que alguém garantiu um dia ser o Fim da História) e prevê-se o advento de um mundo menos livre, democrático e pacíficoPorém, fora da bolha do pensamento único em que as grandes cadeias «informativas» nos pretendem confinar, a questão apresenta-se de modo bem menos simplista – e a abertura da 78.ª sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas revelou-o (isto, claro, se não nos limitarmos a ouvir os bidens, os zelenskys ou os borrels…).

Do Brasil veio a denúncia de um mundo tremendamente injusto: «Os 10 maiores bilionários possuem mais riqueza que os 40% mais pobres da humanidade.» Para Cuba, «ofende a condição humana que quase 800 milhões de pessoas passem fome num planeta que produz o suficiente para alimentar todos» e que na dita era do conhecimento mais de 760 milhões de seres humanos, dois terços dos quais mulheres, não saibam ler nem escrever. Moçambique relacionou insucesso no cumprimento dos objectivos de desenvolvimento com a «ausência de confiança e solidariedade entre quem tem muito e quem tem pouco ou quase nada».

As Honduras exigiram o fim da «prática de sanções, pirataria e confisco de bens de uma nação», como hoje sucede contra a Venezuela, para quem estas medidas coercivas ilegais constituem «um ataque deliberado contra o direito ao desenvolvimento». O Zimbabué, vítima destas medidas há já mais de duas décadas, relaciona-as com a tentativa de algumas potências de «subjugar a vontade soberana» dos povos.

A Namíbia insurgiu-se contra o «apartheid vacinal» e a Colômbia acusou os que «fazem negócio com os medicamentos e convertem as vacinas em mercadorias». Angola garantiu que por detrás de muitos dos conflitos armados que se travam em África há uma «mão invisível interessada em desestabilizar o continente», enquanto a África do Sul rejeita que sejam os povos africanos a suportar os custos do desenvolvimento das potências ocidentais: «este é um preço que os povos de África já não estão dispostos a pagar.»

«Porquê permanecer em silêncio acerca de todas as flagrantes violações do direito internacional cometidas por Israel», questionou a Palestina, enquanto a Bolívia propôs ousadia para «transformar os gastos da guerra e da morte em investimentos para a vida» Ruanda reclamou que seja dado «igual peso às necessidades e prioridades de todos».

São cada vez mais os que contestam os pilares em que assenta a ordem mundial imperialista: a injustiça, a dominação, a chantagem, a guerra. Algo de novo está a nascer. E essa é uma boa notícia.

 

Gustavo Carneiro