quarta-feira, julho 15, 2015

Com vossa licença

Sem falsas modéstias, antes com o orgulho (legítimo?) de ter sido ligado à "cartilha antieuro do PCP", antes de haver euro... em 1997 (!):


,,, e porque o "post" anterior lembrou Gil Vicente, aí está ele:
Todo o Mundo e Ninguém
Um rico mercador, chamado "Todo o Mundo" e um homem pobre cujo nome é "Ninguém", encontram-se e põem-se a conversar sobre o que desejam neste mundo. Em torno desta conversa, dois demônios (Belzebu e Dinato) tecem comentários espirituosos, fazem trocadilhos, procurando evidenciar temas ligados à verdade, à cobiça, à vaidade, à virtude e à honra dos homens.
Representada pela primeira vez em 1532, como parte de uma peça maior, chamada Auto da Lusitânia (no século XVI, chama-se auto ao drama ou comédia teatral), a obra é de autoria do criador do teatro português, Gil Vicente
Entra Todo o Mundo, rico mercador, e faz que anda buscando alguma cousa que perdeu; e logo após, um homem, vestido como pobre. Este se chama Ninguém e diz:



Ninguém:
Que andas tu aí buscando?
Todo o Mundo:
     Mil cousas ando a buscar:
delas não posso achar,
porém ando porfiando
por quão bom é porfiar. 
Ninguém:
Como hás nome, cavaleiro?
Todo o Mundo:
     Eu hei nome Todo o Mundo
e meu tempo todo inteiro
sempre é buscar dinheiro
sempre nisto me fundo.
Ninguém:
Eu hei nome Ninguém,
e busco a consciência.
Belzebu:
Esta é boa experiência:
Dinato, escreve isto bem. 
Dinato:
Que escreverei, companheiro?
Belzebu:
Que ninguém busca consciência.
e todo o mundo dinheiro. 
Ninguém:
E agora que buscas lá?
Todo o Mundo:
     Busco honra muito grande.
Ninguém:
E eu virtude, que Deus mande
que tope com ela já.
Belzebu:
Outra adição nos acude:
escreve logo aí, a fundo,
que busca honra todo o mundo
e ninguém busca virtude.

Ninguém:
Buscas outro mor bem qu'esse?
Todo o Mundo:
     Busco mais quem me louvasse
tudo quanto eu fizesse.
Ninguém:
E eu quem me repreendesse
em cada cousa que errasse. 
Belzebu:
Escreve mais.
Dinato:
Que tens sabido?
Belzebu:
Que quer em extremo grado
todo o mundo ser louvado,
e ninguém ser repreendido.
Ninguém:
Buscas mais, amigo meu?
Todo o Mundo:
     Busco a vida a quem ma dê.
Ninguém:
A vida não sei que é,
a morte conheço eu.
Belzebu:
Escreve lá outra sorte.
Dinato:
Que sorte?
Belzebu:
Muito garrida:
Todo o mundo busca a vida
e ninguém conhece a morte. 

Todo o Mundo:
     E mais queria o paraíso,
sem mo ninguém estorvar.
Ninguém:
E eu ponho-me a pagar
quanto devo para isso. 
Belzebu:
Escreve com muito aviso.
Dinato:
Que escreverei?
Belzebu:
Escreve
que todo o mundo quer paraíso
e ninguém paga o que deve. 

Todo o Mundo:
     Folgo muito d'enganar,
e mentir nasceu comigo.
Ninguém:
Eu sempre verdade digo
sem nunca me desviar.
Belzebu:
Ora escreve lá, compadre,
não sejas tu preguiçoso.
Dinato:
Quê?
Belzebu:
Que todo o mundo é mentiroso,
E ninguém diz a verdade.

Ninguém:
Que mais buscas?
Todo o Mundo:
     Lisonjear.
Ninguém:
Eu sou todo desengano.
Belzebu:
Escreve, ande lá, mano.
Dinato:
Que me mandas assentar?
Belzebu:
Põe aí mui declarado,
não te fique no tinteiro:
Todo o mundo é lisonjeiro,
e ninguém desenganado.

 Do  Portal  da Família.org


2 comentários:

cid simoes disse...

É nosso dever recordar e enaltecer a nossa capacidade de interpretar a sociedade. já havia lido mas vou guardar.

cid simoes disse...

É nosso dever recordar e enaltecer a capacidade de inyerpretar a sociedade. já havia lido mas vou guardar.