... sobre uma questão ideológica essencial que se quer transformar num factor de diversão na luta política essencial, numa armadilha politiqueira:
Posição Política
do PCP
sobre a
provocação da morte antecipada
24 Maio 2018
1. O debate sobre a introdução legal da
possibilidade da provocação da morte antecipada não corresponde à discussão
sobre hipotéticas opções ou considerações individuais de cada um perante as
circunstâncias da sua própria morte. É, sim, uma discussão de opções políticas
de reforçada complexidade e com profundas implicações sociais, comportamentais
e éticas.
A
legalização da eutanásia não pode ser apresentada como matéria de opção ou
reserva individual. Inscrever na Lei o direito a matar ou a matar-se não é um sinal
de progresso mas um passo no sentido do retrocesso civilizacional, com
profundas implicações sociais, comportamentais e éticas que questionam
elementos centrais de uma sociedade que se guie por valores humanistas e
solidários.
A
ideia de que a dignidade da vida se assegura com a consagração legal do direito
à morte antecipada, merece rejeição da parte do PCP.
A
oposição do PCP à eutanásia tem o seu alicerce na preservação da vida, na
convocação dos avanços técnicos e científicos (incluindo na medicina) para
assegurar o aumento da esperança de vida e não para a encurtar, na dignificação
da vida em vida. É esta consideração do valor intrínseco da vida que deve
prevalecer e não a da valoração da vida humana em função da sua utilidade, de
interesses económicos ou de discutíveis padrões de dignidade social.
2. A invocação de casos extremos, para justificar a
inscrição na Lei do direito à morte antecipada apresentando-o como um acto de
dignidade, não é forma adequada para a reflexão que se impõe. Pode expressar em
alguns casos juízos motivados por vivência própria, concepções individuais que
se devem respeitar mas é também, para uma parte dos seus promotores, uma
inscrição do tema em busca de protagonismos e de agendas políticas
promocionais.
A
ciência já hoje dispõe de recursos que, se utilizados e acessíveis, permitem
diminuir ou eliminar o sofrimento físico e psicológico. Em matérias que têm a
ver com o destino da sua vida, cada cidadão dispõe já hoje de instrumentos
jurídicos (de que o “testamento vital” é exemplo, sem prejuízo dos seus
limites) e de soberania na sua decisão individual quanto à abstinência médica
(ninguém pode ser forçado a submeter-se a determinados tratamentos contra a sua
vontade). A prática médica garante o não prolongamento artificial da vida,
respeitando a morte como processo natural recusando o seu protelamento através
da obstinação terapêutica. Há uma diferença substancial entre manter
artificialmente a vida ou antecipar deliberadamente a morte, entre diminuir ou
eliminar o sofrimento na doença ou precipitar o fim da vida.
3. Num quadro em que o valor da vida humana surge
relativizado com frequência em função de critérios de utilidade social, de
interesses económicos, de responsabilidades e encargos familiares ou de gastos
públicos, a legalização da provocação da morte antecipada acrescentaria uma
nova dimensão de problemas.
Desde
logo, contribuiria para a consolidação das opções políticas e sociais que
conduzem a essa desvalorização da vida humana e introduziria um relevante
problema social resultante da pressão do encaminhamento para a morte antecipada
de todos aqueles a quem a sociedade recusa a resposta e o apoio à sua situação
de especial fragilidade ou necessidade. Além disso a legalização dessa
possibilidade limitaria ainda mais as condições para o Estado promover, no
domínio da saúde mental, a luta contra o suicídio.
4. O princípio da igualdade implica que a todos
seja reconhecida a mesma dignidade social, não sendo legítima a interpretação
de que uma pessoa “com lesão definitiva ou doença incurável” ou “em sofrimento
extremo” seja afectada por tal circunstância na dignidade da sua vida. E ainda
mais que ela seja invocada para consagrar em Lei o direito à morte, executada
com base numa Lei da República.
A
vida não é digna apenas quando (e enquanto) pode ser vivida no uso pleno das
capacidades e faculdades físicas e mentais e a sociedade deve assegurar
condições para uma vida digna em todas as fases do percurso humano, desde as
menos autónomas (seja a infância ou a velhice) às de maior autonomia; na
presença de condições saudáveis ou de doença; no quadro da integridade plena de
faculdades físicas, motoras ou intelectuais ou da deficiência mais ou menos
profunda, congénita ou sobreveniente.
O
que se impõe é que o avanço e progresso civilizacionais e o aumento da
esperança de vida decorrente da evolução científica sejam convocados para
garantir uma vida com condições materiais dignas em todas as suas fases.
5. O PCP afirma a sua oposição a legislação que
institucionalize a provocação da morte antecipada seja qual a forma que assuma
– a pedido sob a forma de suicídio assistido ou de eutanásia –, bem como a
eventuais propostas de referendo sobre a matéria.
O
PCP continuará a lutar para a concretização, no plano político e legislativo,
de medidas que respondam às necessidades plenas dos utentes do Serviço Nacional
de Saúde, nomeadamente no reforço de investimento sério nos cuidados
paliativos, incluindo domiciliários; na garantia do direito de cada um à recusa
de submeter-se a determinados tratamentos; na garantia de a prática médica não
prolongar artificialmente a vida; no desenvolvimento, aperfeiçoamento e direito
de acesso de todos à utilização dos recursos que a ciência pode disponibilizar,
de forma a garantir a cada um, até ao limite da vida, a dignidade devida a cada
ser humano.
6. É esta a concepção de vida profundamente
humanista que o PCP defende e o seu projecto político de progresso social
corporiza. Uma concepção que não desiste da vida, que luta por condições de
vida dignas para todos e exige políticas que as assegurem desde logo pelas
condições materiais necessárias na vida, no trabalho e na sociedade.
Perante
os problemas do sofrimento humano, da doença, da deficiência ou da incapacidade,
a solução não é a de desresponsabilizar a sociedade promovendo a morte
antecipada das pessoas nessas circunstâncias, mas sim a do progresso social no
sentido de assegurar condições para uma vida digna, mobilizando todos os meios
e capacidades sociais, a ciência e a tecnologia para debelar o sofrimento e a
doença e assegurar a inclusão social e o apoio familiar.
A
preservação da vida humana, e não a desistência da vida é património que
integra o humanismo real – e não proclamatório – que o PCP assume nos princípios
e na luta.
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