domingo, junho 25, 2006

De Timor-Lorosae algo sei...

Quando fui parar a Bruxelas e Estrasburgo em tarefas no Parlamento Europeu, calhou-me, em substituição do Carlos Carvalhas, ser vice-presidente da delegação PE-Nações Unidas. E, nessa (duvidosa) qualidade, logo fui a Nova Iorque, onde tem sede a organização que das nações unidas se chama.
Passo, agora, sobre as peripécias peripatéticas para que um deputado eleito pelo povo português, proposto nas listas do PCP, tivesse o visto para os Estado Unidos, onde Nova Iorque fica e onde fica a sede da ONU, pois recusei-me a responder – num mesmo sim ou não! – se era comunista, terrorista, homossexual, portador de doenças transmissíveis, se fora condenado por crimes nazi-fascistas e mais coisas. O resultado é que, após murros na mesa e esperas de castigo, consegui o tal visto e lá fui, visto que obtive o visto. Com uma anotação alfabética que fez com que a minha entrada nos States fosse demorada e penosa. Adiante…

Em cada reunião em que participei, fui colocando questões sobre Timor Leste. Tantas pus que, às tantas, o senhor Perez de Cuellar, então secretário-geral das Nações Unidas, que até fazia gala em lembrar as suas familiares relações com Portugal, me proporcionou uma conversa a sós com o seu (se me lembro da função) secretário-adjunto encarregado de Timor.
A conversa foi elucidativa. Naquela horita fiquei a saber mais sobre a armadilha da simultaneidade de eleições em Timor, enquanto região da Indonésia, com um referendo sobre autonomia, e outras “habilidades”, que em dias de leitura e estudo embrulhados em documentos e relatórios.
Não que tivesse ficado satisfeito com o que soube. E menos o quis guardar para mim. No regresso a Bruxelas, dada a informação a quem considerava responsável pela minha tarefa, logo procurei divulgar o que seria de divulgar pela via da comunicação social. Falei para a Lusa e para outros órgãos de comunicação social.
Depois, em Lisboa, provoquei uma reunião na comissão da AR para Timor, na presidência de Eduardo Pereira, informei do que soubera, tive um debate frutuoso com intervenção relevante de Sousa Lara, fui ao CIDAC e outros, procurei que o que sabia ajudasse a melhorar a luta contra o que pretendia esmagar o povo de Timor-Leste. Desde 1975, desde que ele começara a ter condições, fora do quadro colonial, de se afirmar como povo que era. Que falava e rezava em português.
Após o massacre de Santa Cruz, em Bruxelas e Estrasburgo fui dos que contribuíram para que lá tivessem ido os jornalistas que tinham presenciado o massacre, no quadro das iniciativas do Intergrupo Timor-Leste, que animei quanto me foi possível, procurando que não estiolasse em guerrilhas de influência partidária e penachos de presidências, tendo para ela convidado Simone Veil, primeira mulher presidente do Parlamento Europeu (1979-82), com um leque de vice-presidentes um por partido português representado em Bruxelas-Estrasburgo.
Os episódios que me saltam à memória, e susceptíveis de terem interesse para além de recordações pessoais, são muitos. Para agora, retenho as visitas de Ramos Horta ao Parlamento, a disponibilidade que tinha no meu gabinete, autenticamente colocado às suas ordens, a decisão de pagar a um timorense como lobbyista a custear pelos deputados, as “animadas” sessões de algumas comissões em que tive papel activo, convidando gente para falar ou interpelando gentinha como o timorense (?!) Martins da Cruz, hoje embaixador da Indonésia em Portugal, convidado por grupo excursionista ao Oriente, chefiado por um enorme e reaccionaríssimo deputado holandês com quem me cheguei a “pegar”, também a outorga do Nobel da Paz ao Ramos Horta, a minha participação, enquanto “deputado europeu” nos “festejos” no PE, a proposta do nome de Xanana para rua em Ourém e a mudança, por proposta minha, para rua Povo de Timor.
E, entretanto, vou acrescentando coisas – tantas! – que me chocam, que me/nos agridem.
Como as que já coloquei neste blog.
Como as que leio nos sempre esclarecedores artigos do Pedro Namora.
Como não ver referido o que ouvi e me parece a mais ridícula das manobras neste atoleiro, que foi a do sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, o inefável Ramos Horta, na esteira do sr. Presidente da República, o não menos inefável Xanana Gusmão, vir anunciar ao corpo diplomático, e às instâncias com que está relacionado pelas funções ministeriais que tem e outras, que o sr. Primeiro Ministro, o alvo a abater Mari Alkatiri, se demitia e que ele próprio Ramos Horta iria voltar à Fretilin para não sei quê da moral e do crédito e do respeito por, e mais isto mais aquilo de que ele seria capaz de ser (e por ser) o agente.

Poucas vezes tenho sentido a ignomínia tão por perto. Pelo que vivi em tarefas parlamentares, talvez por ter tido Ramos Horta como inquilino no 3º andar da rua do Sol ao Rato, decerto porque o povo de Timor-Leste é dos mais massacrados da História. Na escala que é a sua, e na escala do petróleo que existe nas cercanias da terra que sua é e em que resiste heroicamente para que continue a ser. E resiste em português falando e indo à missa nas igrejas onde há traição enroupada de sotainas e sermões hipócritas.

De Timor Lorosae algo sei
Pelo Povo de Timor indigno-me
e sofro a impotência!

3 comentários:

betinha disse...

Não entendo muito bem o que se passou em Timor... lamento muito que não consigam viver em paz e lamento ainda mais que os interesses habituais massacrem um povo que nada tem.

Anónimo disse...

Os post do PN, são sempre uma mais valia.
Mas é também muito enriquecedor e um privilégio, este esclarecimento na primeira pessoa!

GR

Sérgio Ribeiro disse...

Conseguirá alguém viver em paz quando é "ajudado" com injecções periódicas da guerra, tem a vizinhança a instilar quotidianamente veneno e calúnia, quando os que, dentro de casa, se dizem arautos da concórdia e da misericórdia, não aceitam ver beliscado - ao de leve que seja - o seu estatuto de privilegiados exclusivos, únicos portadores da verdade única.
Para quê escolhas democráticas quando os eleitos não servem os interesses dos poderosos? As eleições apenas servem para homologar a presença nos orgãos de decisão de quem decide de acordo com os "donos do mundo"?
Muito mais que lamentável, que é!, tudo isto é um nojo, uma indignação, uma exigência de luta.