domingo, dezembro 26, 2010

Crónica domingueira – uma curiosidade

Passava por aquele recanto da casa, como o faço dezenas de vezes por dia (não estou a exagerar), e os meus olhos tropeçaram no que ali está na parede como se da parede, e da casa, já fizesse parte. Como se ali estivesse desde sempre, nesta casa em que o meu pai nasceu fará 113 anos a 21 de Janeiro.
Parei a ver as molduras em que coloquei as ilustrações do Luís Afonso para trabalhos publicados em o diário lá para os anos 80 há muito idos. Por acaso? Talvez… ou decerto que sim porque não sou de esoterismos.

O que aconteceu foi que fiquei ali, parado, a olhar os desenhos do Luís Afonso e a lembrar os textos (que nem sei onde reencontrar) que lhes tinham dado o mote. Eram duas séries, a que chamei à maneira de folhetim, em que tratei dois temas, o do desemprego (O mistério da D. População Activa) e o do CAME e da CEE (O romance das integrações).

Mas logo me apercebi que não fora por qualquer serôdio saudosismo que ali ficara preso às recordações (e às auto-críticas que delas decorrem).
Fora um desenho em particular que me atraíra e provocara a paragem e a viagem ao passado. Fora a lembrança de, no tratamento das integrações económicas, a então recente integração de Portugal (e da Espanha, e da Grécia um lustro antes) terem completado uma fase do percurso da integração capitalista europeia e terem motivado a criação de um símbolo para a CEE (Comunidade Económica Europeia) a transformar-se em CE (Comunidades Europeias) e a preparar o salto para UE (União Europeia), com passagem pela cidade holandesa de Maastrich: um logótipo de 12 estrelas, os 12 Estados-membros, formando um círculo fechado.
Ao contar essa história, conversara rapidamente como o Luís Afonso (que excelente colaboração!), trocáramos impressões e ele saiu-se com este desenho para uma constelação das 11 estrelas e um cavaco.
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Estava-se, então, nos primeiros anos do longo período de Cavaco Silva como primeiro-ministro num dueto com Cadilhe… porque há sempre um ministro das finanças e outros (alguns hoje a contas com a justiça) a ter por parceiros. Eram os anos em que a integração de Portugal nas CE se ia traduzindo no aproveitamento dos fundos comunitários para algumas obras de inegável importância no espaço português, em simultâneo com o desastroso menosprezo e abandono da economia produtiva, do mar, da terra, dos recursos adquiridos, e a entrega do País aos interesses financeiros transnacionais, à especulação bancária, à invasão das grandes superfícies sobre “terra queimada” das pequenas e médias empresas, do comércio e da distribuição tradicionais, no mais completo desprezo pela Constituição, num contínuo e continuado ataque às conquistas sociais, sempre contra os trabalhadores, as populações. Embora, por vezes, parecendo que alguma coisa estariam - os trabalhadores, as populações - a beneficiar com a política prosseguida, porque juros baixos, convenientes aos negócios bancários, apareciam, aliciantes, a compensar os ataques aos salários, e criavam, a par da ilusão, um muito concreto endividamento.
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Vou guardar, para uso actualizado, esta da constelação de onze estrelas e um cavaco, com mais de duas décadas de existência. Pois se eles continuam a querer escavacar tudo…

5 comentários:

samuel disse...

Cavaco que, entretanto e por falta de raiz... apodreceu.

Abraço.

Fernando Samuel disse...

E já não têm quase nada para escavacar...

Um abraço.

Graciete Rietsch disse...

Tudo ainda não escavacaram porque não conseguem escavacar a nossa capacidade de luta e resistência que os escavacará a todos.

Um beijo.

Sérgio Ribeiro disse...

samuel - Apodrecer, apodreceu... mas, pôdre, ainda mexe. Ou fazem-no mexer com aquele ar de manequim articulado.
Fernando Samuel - Uma coisa não escavacou ele: a nossa vontade de o escavacar. Politicamente, claro...
Graciete - É isso mesmo!

Abreijos

Maria disse...

Sacaste-me um sorriso.
E embora haja pouco para escavacar, eles continuam escavacando... até ao fim, se os deixarmos.

Um beijo.