- Edição
Nº2320 - 17-5-2018
O Avante! legal faz hoje 44 anos
– O órgão central do
Partido e a sua importância
Fernando Correia
Apenas três semanas
depois do 25 de Abril, em 17 de Maio de 1974 – faz hoje precisamente 44 anos –
apareceu pela primeira vez, sob o sol da Liberdade nascente, o Avante!, órgão
central do Partido Comunista Português, cuja luta pela informação, esclarecimento
e mobilização o negrume do fascismo não tinha impedido de guiar os que, na
linha da frente, enfrentando sacrifícios, prisões e a própria morte, combatiam
contra a ditadura. Esses, e também os muitos outros que, não sendo comunistas,
se irmanavam no combate pelo progresso, pela justiça social, pela democracia, e
que também na luta se empenharam e sofreram.
O meio milhão de exemplares dessa edição –
tiragem histórica na imprensa portuguesa – , a forma como foi recebida e o
lugar de referência que o Avante! passou a ocupar na luta da classe operária,
dos trabalhadores e do povo nos tempos que se seguiram, são marcantes na
história do PCP e no combate contra os saudosos do passado, e também contra os
que se deixaram submergir, uns, nas águas turvas da conciliação sem princípios;
outros, no radicalismo inconsequente e, pior do que isso, objectivamente
contra-revolucionário; outros ainda, receosos de que o ímpeto generoso e
destemido das massas fosse mais longe do que eles desejavam, não hesitando
mesmo em cair no anticomunismo e envolver-se em campanhas e acções em conluio
objectivo com a reacção.
Foram tempos difíceis
para o Avante! em que, na nova situação (mas onde em certas regiões do País a
sua circulação estava então sujeita às mesmas condições repressivas do tempo da
clandestinidade...), era imperioso reformular-se como um órgão à altura das
suas tradições do passado, no sentido de acompanhar, e ao mesmo tempo ajudar a
conduzir, enquanto voz e braço do Partido, a dinâmica popular.
Sucederam-se os golpes
contra-revolucionários, de gabinete mas também, os mais conhecidos e
percebidos, de rua – 28 de Setembro, 11 de Março, 25 de Novembro... Na sua
génese estiveram todos os que, unidos ou confluentes na política de direita,
quando não de puro revanchismo anti-Abril, desencadearam e organizaram,
colaboraram ou consentiram, ou se limitaram a permanecer em prudente recato,
numa postura de suspeitosa expectativa.
Publicaram-se edições
especiais em momentos decisivos das movimentação de massas, páginas de informação,
mobilização e alerta circularam de mão em mão nas ruas e nas barricadas,
produziram-se suplementos diários quando das campanhas eleitorais para a
Assembleia Constituinte e para a Assembleia da República. O Avante! impôs-se,
verdadeiramente, como um jornal na Revolução.
Desde cedo se afirmou, e
continua hoje a afirmar-se, não só como o mais importante órgão partidário
português mas também, a nível da imprensa em geral, e para além do seu
compromisso político claramente assumido, como o grande jornal ao serviço de
uma democracia empenhadamente valorizadora dos trabalhadores, do povo e do
País, na defesa, consolidação e avanço dos ideais de Abril. Em pouco mais de
dois anos a tiragem do órgão central do PCP atingia os 80 mil exemplares.
A venda e os leitores
Neste dia de efeméride
será oportuno propor algumas reflexões sobre uma das características mais
próprias da imprensa partidária, cuja actualidade foi de ontem, é de hoje e
será de amanhã: a venda orgânica do jornal, a cargo dos militantes, e também a
sua interligação com a actividade e o funcionamento interno do Partido.
Sempre que devidamente
integrada no trabalho partidário, ela constituiu, desde logo, um elemento
fundamental para a angariação de fundos e um auxiliar indispensável para as
finanças do jornal e do Partido, mas também para o trabalho de propaganda, de
agitação e de organização, no quadro da questão essencial que é a ligação às
massas. Constitui um meio privilegiado de estabelecer contactos e de os manter
e desenvolver entre os militantes mas também com amigos do Partido e outros
democratas, e mesmo com outras pessoas que, para os camaradas que vendem o
Avante! nas ruas, hoje são anónimas, mas para a semana poderão já não o ser.
Tudo depende da forma
como a venda, mas também a angariação de assinantes, forem encaradas pelas
organizações e pelos militantes. O que é preciso é não perder de vista aquilo
que realmente define e distingue o trabalho com o jornal partidário. Promover
campanhas para conquistar novos compradores e aumentar as tiragens é um
objectivo importante e necessário, mas só por si insuficiente. E que nunca será
alcançado, de forma sustentada e perdurável, se não for enquadrado numa visão
mais ampla e profunda daquilo que é e para que serve a imprensa do Partido.
Conquistar um comprador e
não tentar fazer dele um leitor, ou conseguir um assinante e depois
deixá-lo «abandonado», significa não só correr o risco de perder um e outro,
mas também e principalmente não aproveitar as possibilidades que a imprensa
propicia para o aumento da qualidade e da intervenção dos militantes e do
colectivo, a melhoria do trabalho orgânico e o aumento de militantes,
simpatizantes e amigos.
De que falamos quando, a
propósito do Avante!, e o mesmo se poderá dizer de O
Militante, falamos de leitores? Para o jornal partidário, o mais importante é
chegar aos leitores, e aumentar o número destes deverá ser um objectivo
permanente. Mas isto não se pode confundir, obviamente, com a chamada «luta
pelas audiências». Um dos traços distintivos da imprensa comunista é que ela
entende os leitores como sujeitos responsáveis e activos,
e não como simples objectos de consumo; respeitados como cidadãos de
corpo inteiro, e não vistos como meros fregueses do mercado mediático.
Leitura, formação,
educação
A própria evolução da
comunicação social em geral e, paralelamente, a evolução dos interesses e das
exigências individuais, leva-nos a que o relacionamento com a imprensa do
Partido tenha que ser encarado não só como uma manifestação de militância, mas
também como um acto imposto pela necessidade, cada vez mais premente, de uma
informação diferente da que é, em geral, veiculada pelos outros media generalistas,
subordinados aos interesses dos grupos económicos e das políticas e políticos
que os sustentam. Isto é, uma informação alternativa (ainda que em alguns
aspectos possa ser complementar: ler, ouvir e ver também –
mas não apenas! – os outros ajuda-nos a entender aquilo que eles
escondem e querem; ajuda-nos igualmente a referenciar os temas e as
interpretações que eles pretendem impingir e que precisamos de desmontar e
denunciar, dando assim corpo a uma informação que contribua para a compreensão
e intervenção na realidade que nos cerca.
A necessidade deste tipo
de informação, que será sempre também formação, existe para os
comunistas e outros homens/mulheres de esquerda, mas também, mesmo quando não
conscientemente reconhecida, para todos os que, independentemente de pertenças
ou simpatias políticas, sindicais, ideológicas, religiosas ou outras, são
vítimas da mentira e da manipulação, da confusão de valores, do conformismo
ideológico e da passividade cívica que os mecanismos dominantes de fabricação
das opiniões e de manipulação das consciências procuram implantar.
De qualquer modo, ler,
ler sempre. E atenção: muitas vezes, nomeadamente quando se trata de discursos
ou textos do Secretário-geral e outros dirigentes, de documentos da direcção do
Partido ou outros organismos, de artigos de divulgação ou teóricos, não se
trata apenas de ler, trata-se de reler, sublinhar, estudar; debater
com os camaradas, esclarecer o que tiver de ser esclarecido. E conversar com os
amigos não só para os informar (e ouvir) sobre as posições do Partido, mas
também sobre a actualidade política, as condições de trabalho, as lutas a
desenvolver nos locais de trabalho ou nas ruas, o aumento da mobilização, etc.
«O que une o Partido»
Simultaneamente com o
órgão central surgiram na legalidade as Edições Avante!, que de imediato
iniciaram a sua actividade com a edição do Programa do PCP (com
uma tiragem de 75 000 exemplares), depois dos Estatutos (50
000 exs), a que se seguiu uma edição conjunta do Programa e
Estatutos (10 000 exs). Passaram a desenvolver, e continuam a
desenvolver hoje, um trabalho de apoio teórico e aprofundamento ideológico
absolutamente fundamental, com a produção e venda de centenas de obras,
nomeadamente textos de e sobre Marx, Engels e Lénine, assim como de Álvaro
Cunhal e outros dirigentes e intelectuais do Partido, livros com documentos e
conclusões de encontros sectoriais da organização, sobre o movimento comunista
e operário internacional, etc. Para além, claro, dos volumes com todas as
intervenções e outros documentos alusivos aos congressos do Partido. A
«utilização» desta muito rica e vasta bibliografia tem sido, e continua a ser,
essencial para a informação e formação dos militantes, simpatizantes e outros
democratas.
Para Álvaro Cunhal, «um
dos factores determinantes da força orgânica, da influência e da capacidade de
mobilização de massas do PCP é a sua unidade interna», e «sendo a unidade do
PCP uma resultante e uma expressão da sua natureza e da sua actividade global,
os fundamentos da unidade envolvem numerosos aspectos, distintos mas
complementares».i Destaquemos um deles: «A unidade
fundamenta-se na assimilação e na educação ideológica marxista-leninista. O que
une o partido não é qualquer afirmação verbal de ‘fidelidade’ ao
marxismo-leninismo. Tal afirmação, em si, não é mais do que uma declaração de
intenções. O que une o Partido é a assimilação, no fundamental, da teoria que
permite a análise justa da situação e dos novos fenómenos e a definição de uma
justa orientação de classe».
«A assimilação e a
educação marxista-leninista estabelece, aprofunda e dá extraordinária solidez a
conceitos fundamentais de classe, equipa os militantes com critérios e métodos
que lhes permitem uma visão correcta dos acontecimentos e fenómenos, condu-los
pelos seus próprios esforços a uma visão uniforme e comum da realidade e à
descoberta das correctas respostas aos problemas que essa mesma realidade
coloca». ii
O Avante! e a
organização
A questão da imprensa é
inseparável de toda a restante actividade do Partido, entendendo esta na sua
dimensão global atrás referida. Não só porque a deve reflectir nas suas
páginas, mas também porque a imprensa partidária tem assim, necessariamente,
que ser entendida como uma ferramenta indispensável para a concretização dessa
actividade e, em geral, de toda a política do Partido.
São muitas as
possibilidades que o órgão partidário propicia para o aumento da qualidade e da
intervenção dos militantes e do colectivo, interligada dialecticamente com a
melhoria da circulação interna da informação e do debate, tal como o óleo que
circula na máquina e contribui para a fluidez do seu funcionamento. Assim
teremos uma imprensa que, provinda e enriquecida pelo trabalho orgânico, com
mais vigor assegurará a ligação às massas. Uma imprensa que funcione como uma
componente viva e activa do trabalho concreto organizativo e político; um
agente integrador, catalizador e disseminador de experiências, reflexões e
orientações; um elemento simultaneamente motor interno e reflector externo da
vida, da identidade e da intervenção partidárias.
Vale sempre a pena
voltar à lapidar (mil vezes citada mas nem sempre interiorizada) formulação de
Lénine, escrita em 1901 – 1902, numa altura em que ele e os seus camaradas se
empenhavam particularmente na necessidade de alargar a toda a Rússia a
publicação e a influência do jornal do Partido, Iskra (a Centelha), e
através dele a do Partido.
«A função do jornal não
se limita a difundir ideias, a educar politicamente ou a ganhar aliados. O
jornal é não só um propagandista colectivo e um agitador colectivo, mas também
um organizador colectivo, podendo comparar-se com os andaimes colocados num
edifício em construção, que marcam os seus contornos, facilitam o contacto com
os diversos grupos de operários, ajudando-os a distribuir as tarefas e a
perspectivar os resultados obtidos graças a um trabalho organizado». iii
______
i Álvaro Cunhal, O
Partido com Paredes de Vidro, Edições Avante”, 1985, p. 229.
ii Idem, pp. 233-4.
iii V.I.Lénine, Que Fazer? Problemas candentes do nosso movimento, in Obras Escolhidas em três tomos, Edições «Avante!»-Edições Progresso, Lisboa-Moscovo,
tomo 1, 1977, p. 195.
2 comentários:
E bem assinalada,também,a sua transcrição!O Avante é um periódico partidário com muitos anos de história,e não é isento.Assim como o não é, a outra imprensa ,que apregoa aos quatro ventos uma imparcialidade inexistente.Bom fim de semana.
Oportuno, pois "somos a memória que temos"
sublinho
«um dos factores determinantes da força orgânica, da influência e da capacidade de mobilização de massas do PCP é a sua unidade interna»
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