domingo, maio 09, 2021

Tratados e tratantes

 09.05.2021

 Quando, no Público de hoje, leio

 Comissário Europeu para o Emprego

“Integrar os direitos sociais

nos tratados será muito difícil”

 pasmo!

 

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No Tratado fundador da Comunidade Económica Europeia, dito de Roma, e assinado em 1957, há 64 anos!, pode ler-se (e cito em francês porque o português não estava entre as “línguas signatárias”):

 

DISPOSITIONS SOCIALES

ARTICLE 117

Les États membres conviennent de la nécessité de promouvoir l'amélioration des conditions de vie et de travail de la main-d'œuvre permettant leur égalisation dane le progrès. Ils estiment qu'une telle évolution résultera tant du fonctionnement du marché commun, qui favorisera l'harmonisation des systèmes sociaux, que des procédures prévues par le présent Traité et du rapprochement des dispositions législatives, réglementaires et administratives.

ARTICLE 118

 Sans préjudice des autres dispositions du présent Traité, et conformément aux objectifs généraux de celui-ci, la Commieeion a pour mission de promouvoir une collaboration étroite entre les États membres dans le domaine social, notamment dans les matières relatives : — à l'emploi, — au droit du travail et aux conditions de travail, — à la formation et au perfectionnement professionnels, — à la sécurité sociale, — à la protection contre les accidents et les maladies professionnels, — à l'hygiène du travail, — au droit syndical et aux négociations collectives entre employeurs et travailleurs.

(…)

 

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Quer dizer: o Tratado de Roma (TdeR) incluía disposições sociais e definia um princípio muito claro, o da igualização no progresso.

 

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O que não havia, nem nos tratados…, era uma política para se cumprir esse princípio.

 

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Depois, a CEE passou de 6 a 9, sem alterar o TdeR, e só quando se avançou por mais alargamentos (com a Grécia, primeiro, e depois com a Espanha e Portugal), criando-se uma periférica mais desigual, é que foi feito um Acto Único (AUE) em 1987, com adendas ao TdeR, com a consideração de dois objectivos – mercado interno e coesão económica e social – o primeiro com consequências previsíveis de mais desigualizar económica e socialmente os Estados-membros e mais assimetrizar as regiões, o segundo para compensar as maiores desigualdades e assimetrias decorrentes do primeiro.

 

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Esses objectivos foram consagrados num novo tratado, o Tratado de Maastricht (TdeM), de 1992.

 

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Onde se pode ler (em língua portuguesa) com base no TdeR:

 

No n° 2 do artigo 118°-A, o primeiro parágrafo passa a ter a seguinte redacção:

«2. Para contribuir para a realização do objectivo previsto no n° 1, o Conselho, deliberando de acordo com o procedimento previsto no artigo 189°-C, e após consulta do Comité Económico e Social, adopta por meio de directiva as prescrições mínimas progressivamente aplicáveis, tendo em conta as condições e regulamentações técnicas existentes em cada Estado-membro.»

(…)

 

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Quer dizer, o TdeM substituu o explícito princípio de igualização no progresso, a objectivar com a adopção de políticas, pela adopção de prescrições mínimas, isto é, nivelar por baixo…

 

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E no Título XIV – A coesão económica e social, o TdeM define políticas “a fim de promover um desenvolvimento harmonioso do conjunto da Comunidade”, a partir do artigo 130º.

 

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Em resumo, o senhor “comissário” não (re)conhece os tratados ou foi mal citado (ou mal traduzido) e o que queria dizer era que é muito difícil passar à prática (à política no concreto) o que está nos tratados e de que se faz propaganda, para não dizer (porque não?) publicidade enganosa como se fosse informação.

1 comentário:

Olinda disse...

É mesmo isso: Os tratados dos tratantes que escrevem uma coisa e impôem outra.Bjo