domingo, dezembro 05, 2021

POBREZA DE QUEM TRABALHA-debate na CGTP-Intersindical - 2

(...)

 E a evolução dessa repartição é muito bem sintetizada nesse vosso documento (que deve ser nosso, independentemente de acertos de terminologia, ou descodificação de abreviaturas): depois de evolução sinuosa, (cito) “os ordenados e salários representam apenas 35,2% do PIB em 2019, quando em 2001, o ano com o valor mais alto desta série, o seu peso era de 38,7%.”, isto é, a repartição dos rendimentos dos chamados factores de produção em contrapartida da produção desfavoreceram o “factor trabalho” em 3,5 pontos percentuais, em 10%!, relativamente ao “factor capital” em 20 anos.

Esta será a expressão macro de um empobrecimento de um lado e de um enriquecimento do outro, e seria o momento de lembrar Garret nas suas Viagens è nossa Terra: “E eu pergunto aos economistas-políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico.” (meados do século XIX)

 

Volte-se aos números do nosso descontentamento neste inverno do século XXI, e aproveite-se o documento do GES deste mês e que, no seu começo, trata da questão fulcral e de modo nenhum ultrapassada do salário mínimo:

em 2019, perto de um milhão de trabalhadores recebia esse salário e o do escalão de remuneração logo acima, abrangendo 1 em cada 4 dos trabalhadores do sector privado; segundo dados dos Quadros de Pessoal, apenas 1 em cada 5 assalariados auferia apenas 50 €uros acima do salário mínimo, e verificava-se que apenas 1 em cada 3 tinha salários superiores ao salário mínimo mas inferiores a 750 €uros, podendo portanto dizer-se que 1 em cada 2 trabalhadores tinha salários inferiores a 750 €uros.

Lê-se, a concluir números divulgados “há cada vez maior aproximação dos salários médios do salário mínimo nacional, e não porque o salário mínimo seja elevado”. E é evidente que não o é, cotejado com valores de estudo sobre o “rendimento suficiente para se viver com dignidade em Portugal”, de que foi coordenador António Pereirinha, coloca essa fasquia em 1000 euros para um casal com dois filhos).

Mas aprofunde-se, ou alargue-se, a abordagem da pobreza no mundo e no tempo que vivemos.

O PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), definiu, no começo do século e milénio, que uma das principais prioridades do mundo seria a erradicação da pobreza e da fome.

Definiu esse objectivo como o primeiro dos oito objectivos de desenvolvimento do milénio, tendo sido colocada uma meta para 2015, de redução para metade da percentagem de pessoas que vivam (!?) com menos de 1,25 US$ por dia a valores de 1990.

O PNUD congratulou-se, bem prematura ou precipitadamente, com o facto de tal objectivo ter sido alcançado 3 anos antes da data prevista, em 2012, devido à evolução em países muito populosos: o Brasil, onde a população que se estimou a viver com menos de 1,25 US$ por dia desceu de 17,2% para 6,1% (como estará agora?), a Índia de 49,4% para 37,2%, e a China que passou de 60,2% para 13,1% até a reduzir a 0% (isto segundo cálculos e critérios de que já sublinhei, e reitero, todas as prevenções quanto a representação da realidade que, no entanto, não colocam em dúvida o facto absolutamente excepcional da China, segundo o PNUD, ter conseguido, entre 1990 e 2008, retirar das estatísticas da pobreza mais de 500 milhões de seres humanos que, pode dizer-se, não tinham direito a ser humanos).

Quanto a Portugal, não trarei nada de novo a acrescentar ao documento do GES que assinala que a pobreza, segundo critérios estatísticos adoptados, se reduziu, depois de se ter agravado do começo do século a 2015, mas se mantinha superior a 16%. De um outro modo de dizer, 1 em cada 6 dos residentes em Portugal era considerado pobre.

Seriam estatisticamente pobres perto de 2 milhões de portugueses e demais residentes em Portugal, de acordo com o recente Inquérito às Condições de Vida e Rendimento-2016-2020 do INE, mas aproximações recentes acrescentariam a este número mais três centenas de milhar em resultado da pandemia, o que terá feito recuar as melhorias depois de 2015.

Um aspecto que ressalta é que seria bem mais elevado o número de pobres e em risco de pobreza (limiar: 540 €uros mensais) sem as transferências sociais (pensões e outras), pelo que é muito preocupante a intenção já comprovada de acompanhar subidas no salário mínimo de compensações com efeito redutor nas transferências.  

(Neste momento da exposição, abri um parenteses para comentar: 

Com esta intervenção mais do que alinhavada, invade-me a informação de que saiu o relatório da OCDE sobre Portugal. Li ou ouvi o que todos tiveram de ler ou ouvir: a OCDE é contrária ao aumento rápido do salário mínimo e à reversão de leis laborais; é curioso e registo o conceito (?!) aumento rápido do salário mínimo… Seria, depois de lido, outro debate… por agora, e oportuno, apenas um comentário: terá saído melhor que a encomenda!)

Sublinha-se o dado, retirado do Inquérito referido, de que 1 em cada 10 trabalhadores empregados tem salários que não o afastam do risco de pobreza após transferências sociais, e que para isso muito contribui a precariedade a que não se quer fazer frente, e muito se agravou com a pandemia. E é quase diria aberrante a situação de ter emprego e ser pobre.

Merece estudo aturado o Inquérito do INE, decerto não retrato fiel da situação mas bom instrumento de trabalho para se avaliar como a pandemia veio tornar actuais o texto de há quase 200 anos de Garrett.

Mas a propósito dessas palavras, e ao reflectir-se sobre pobreza, há que relevar como necessária a actualização de conceitos, impedindo a cristalização por via das representações estatísticas monetarizadas. A que não nos podemos ater, embora sejam uma base indispensável ao estudo de como os rendimentos monetários respondem à evolução social.

Por exemplo, os salários de há 50 anos (e não se recua mais por ser viva e vivida a comparação) não tinham de responder a itens que hoje são privação material. Há 50 anos, os salários não tinham de capacitar os trabalhadores a manter a casa adequadamente aquecida, a dispor de máquina de lavar roupa, a dispor de telefone (fixo e/ou móvel), a dispor de automóvel, a ter aparelho de televisão a cores… sem falar de privações imateriais como o acesso à informação, à cultura. Posso testemunhar que, com base nesses itens de privação, eu, jovem economista muito bem remunerado estava disso privado e estava muito longe de ser pobre.

Curiosamente, no mesmo ano em que se publicou de Almeida Garrett o que transcrevi (1848), dois alemães redigiam e publicavam um manifesto em que, sem aprofundar (porque não eram bruxos), vislumbravam a importância da evolução das necessidades. No Manifesto, Marx e Engels escreviam ”o operário moderno, em vez de se elevar com o progresso da indústria, afunda-se cada vez mais abaixo das condições da sua própria classe. O operário torna-se num indigente (Pauper) e o pauperismo (Pauperismus) desenvolve-se ainda mais depressa do que a população e a riqueza”.

O convite-convocatória para vir conversar convosco, fez lembrar-me um projecto nunca esquecido: o de aprofundar o conceito de pauperismo versus pobreza.

Sei que vai longa a palestrança, mas não resisto a uma outra recordação, que julgo útil para qualquer futuro.

O economista de há 50 anos teve a sorte de ser convocado pela Federação dos Metalúrgicos para arbitrar um contrato colectivo. Arbitrou o melhor que soube e pôde, e na decisão arbitral incluiu-se uma cláusula de revisão da tabela salarial passados 2 anos. Dois anos passados (em 1973), criou-se uma equipa de trabalho que, para essa revisão, organizou, com os escassíssimos meios informáticos de que se dispunha, um orçamento dos metalúrgicos, criado a partir de inquérito efectuado por sindicalistas, para introduzir, na amostra que compunha o indice geral de evolução dos preços, a ponderação do orçamento dos metalúrgicos. Por exemplo, se o índice geral ponderava em 20% do total as rendas de habitação, seria de 25% no orçamento metalúrgico, se se ponderava em 40% as despesas com alimentação, no orçamento metalúrgico seria de 60%.

Assim se fundamentou a proposta de revisão para que, no mínimo, a tabela salarial dos metalúrgicos aprovada em 1971 acompanhasse a evolução dos preços da habitação, da alimentação, dos transportes tal como sentida pelos metalúrgicos.

Foi uma festa, pela mobilização desde o inquérito à fundamentação (não recuo a dizê-lo) científica, à conciliação e concertação, a nova arbitragem com argumentação irrespondível com base num conhecimento das necessidades dos trabalhadores e de como e quanto para as satisfazer. Lembro-o para sublinhar duas coisas: i) está a regressar a importância da evolução dos preços (a inflação) e este pode ser tema a desenvolver; ii) estamos, para estes confrontos a que nos obrigam e a que nos obrigamos, melhor preparados, pela experiência e pelos meios.

A luta continua. Contínua. 

Bom trabalho!              

                          

S.R.

Novembro de 2021

1 comentário:

Olinda disse...

Sempre activo,camarada,parabéns.Penso que a China ao erradicar a pobreza extrema no seu país,e isso tem sido uma preocupação do PCC,é um marco extraordinário deste século.Terá consequências positivas noutros pontos do planeta,assim a China não se desvie da sua afirmação comunista.Bjo