Casa roubada...
O que se passa entre os «aliados» dos dois lados do Atlântico merece reflexão. A UE, após aplicar infindáveis pacotes de sanções que, mais do que sancionar a Rússia, sancionam a própria UE; após assistir muda e queda à sabotagem dos gasodutos NordStream, encomendados e pagos pela Alemanha; após ver as suas empresas a falir ou fugir, à procura de energia mais barata, e ver os EUA vender à Europa gás a 4 e 5 vezes o preço que é vendido nos Estados Unidos; após gastar milhares de milhões a financiar e armar a guerra da NATO no seu continente – após tudo isto, a UE está agora a braços com o pacote de quase 400 mil milhões de dólares de subsídios à indústria norte-americana decretado pelo Presidente Biden, em nome do ambiente e do combate à inflação. O Financial Times (6.12.22) diz que este pacote de subsídios estatais, que dá pelo nome de Lei da Redução da Inflação (IRA, nas iniciais em inglês), «tem o potencial de seduzir dezenas de empresas alemães, levando-as a abandonar a sua base nacional». E exemplifica: «Ao abrigo do IRA, os subsídios para a compra de veículos eléctricos seriam apenas para os que tenham componentes produzidos nos EUA e aí sejam montados». Os efeitos do IRA juntar-se-ão ao que já se passou nos últimos meses. Segundo o FT, «estatísticas governamentais divulgadas no mês passado indicam que a produção nas indústrias de energia intensiva, que correspondem na Alemanha a 23% de todos os empregos industriais, caiu 10% desde o início do ano».
O jornal politico.eu dá conta das reacções ao IRA, públicas e privadas, de dirigentes da UE. Num artigo com título «A Europa acusa os EUA de lucrar com a guerra» (24.11.22) fala em «pânico total» em Bruxelas e nos «receios duma guerra comercial transatlântica». Anuncia que a UE está a preparar as suas respostas «para impedir que a indústria europeia sejam arrasada pelos rivais americanos». Faz lembrar o ditado «casa roubada, trancas à porta».
A verdade é que a UE entregou-se de mãos e pés atados aos EUA. Ao contrário do que para aí se diz, a UE não estava «na dependência energética da Rússia». Podia escolher onde comprar, e optou por fazê-lo com base em racionais considerações de mercado, comprando onde era mais barato. Dependente dos EUA foi como a UE ficou, depois de se auto-sancionar e de alguém (quem foi? quem foi?) fazer explodir os gasodutos NordStream, impossibilitando a UE de arrepiar caminho. Chama-se a isto «mercados livres». Os «aliados» são afinal lobos e as presas não são apenas os países que insistem em optar por caminhos soberanos. São também os que se põem a jeito, ou porque acreditam na sua própria propaganda, ou porque têm dirigentes que anseiam lucrativas carreiras como a de Durão Barroso, carrasco do Iraque e Portugal. O que a UE fez aos PIIGS, estão agora os EUA a fazer à UE.
Jorge Cadima