quinta-feira, março 16, 2006

Certezas e dúvidas


Já que insistem, aqui vai um enunciado das minhas certezas, ao “correr da pena” ou, melhor, “a toque de teclas”, procurando não ser (excessivamente) redutor:

  • Nasci de um acto de dois que foram meus pais, desde logo tendo dúvidas que de amor – tal como, exigentemente, concebo este – tenha sido o gesto;
  • Sou matéria, provisória e precariamente organizada;
  • Enquanto tal, faço parte da natureza – não vim dela, não volto, pó, a ela… sou dela parte;
  • Há uma dinâmica na matéria que é dialéctica, tudo é luta de contrários, tese-antítese-sintese-tese-antítese e por aí fora;
  • É minha segunda condição natural ser um ser social, isto é, nasci, vivi, vivo, viverei (enquanto) com os outros, deles interdependente;
  • Tenho da História uma leitura que me leva a afirmar que há exploração de uns homens (e mulheres, claro) por outros homens e mulheres;
  • Conhecendo as contemporâneas (e mutantes) expressões dessa exploração, há classes sociais e luta de classes;
  • Tomei p(P)artido nessa luta;
  • Aceito as certezas dos outros, e com estes argumento no plano da luta de ideias;
  • Combato as “certezas” de quem não tem dúvidas;
  • Combato quem, ao concretizar “certezas”, exclui outros de seus semelhantes… porque têm outro sexo, outra cor de pele, outra orientação sexual, outras certezas;
  • Eu sou o outro, não como fatalidade mas como inerência natural, histórica e social;
  • Não valho nada mas sou insubstituível naquilo que valho.

Sobre estas certezas construo, quotidianamente, hora a hora, tudo o mais que vou sendo (que tudo é). São as dúvidas de que sou feito.


A tempo: Mais uma certeza: isto não fica assim!

18 comentários:

Anónimo disse...

Ora até que enfim! - o 'Assunto'
(e começou com as 'manias')
Um post que até me dá arrepios - como é possivel dizer tanto em tão poucas palavras?! (embora encontre nele uma ou outra contradição).
Mas tem a certeza que o enunciado de certezas é mesmo o seu? E/ou não caberá este fato a outros corpos? Quanto a mim: quem me dera não ser tão barrigudo.
Pergunto-me se não poderia este enunciado ter sido escrito por um qualquer religioso (fosse qual fosse o seu deus).
Estará aqui um auto de fé? Talvez, mas um acto de contrição seguramente. Agnostico (não ateu).
Estou em pulgas para ver o comentario do SF (se ele nos dignar com tal trofeu).
PS: Ó Presidente (plagiando esse icone da fotografia: Pedro Gonçalves) VOCÊ É DO CATANO!!!!

Sérgio Ribeiro disse...

Para ficar muito claro: materialista dialéctico, logo ateu.
O enunciado destas certezas - atenção: destas! - é pessoal e intransmissível. O que não quer dizer que outros não possam adoptar, ou ter como suas, uma ou algumas destas certezas. Ou todas.
Quanto às contradições, desejando conhecer quais descortinou, a vida é feita delas. Mas, até por uma questão metodológica, só me preocupam as contradições que são antagónicas, irredutíveis, que não levam a sínteses.
A é, tantas vezes - para não dizer sempre... -, não-A!

Mais do que do catano, tudo isto é do catrino...

Anónimo disse...

Tudo isto é do catarino? :)

Sérgio Ribeiro disse...

Qu'é já isso?
Não foi gralha minha: eu escrevi catrino ou, se quiserem, do cat'rino, e não estava a pensar em nenhum catarino em geral e "nesse" em particular! Deus me livre, a mim que sou ateu.
É do catrino é uma expressão do meu tempo...
E que vinha cá fazer esse senhor à nossa conversa?
O que não quer dizer que não se possa ter uma OUTRA conversa sobre "ele" y sus muchachos.
Talvez... sei lá, talvez fosse do cat'rino! Mas não é, ou são... ASSUNTO.

Anónimo disse...

Caro Presidente:
A referencia a catrino é obviamente brincadeira (talvez de gosto duvidavel).
Parece-me contradicção ser-se adepto de uma dinamica dialectica e tomar p(P)artido.
Se (mal) o conheço, materialista não é, já materialista dialectico confesso que não sei o que é (nem consegui pesquisar nada que me esclarecesse, embora tenha achado algumas definições que me soaram mal).
Pena ser só a dois esta conversa.
(Sabe quem ganhou a 'quinta das celebridades'?)

Anónimo disse...

'A social-democracia baseia toda a sua concepção do mundo no socialismo científico, isto é, no marxismo. A base filosófica do marxismo, como Marx e Engels repetidamente declararam, é o materialismo dialético, que assimilou inteiramente as tradições históricas do materialismo do século XVIII em França e de Feuerbach (1ª metade do século XIX) na Alemanha, um materialismo incondicionalmente ateísta, decididamente hostil a qualquer religião. Recordemos que todo o Anti-Düring de Engels, lido no manuscrito por Marx, acusa o materialista e ateísta Düring de inconseqüência do seu materialismo, de deixar brechas à religião e à filosofia religiosa. Recordemos que, na sua obra sobre Ludwig Feuerbach, Engels o censura por ele não lutar contra a religião para a aniquilar mas para a renovar, para criar uma religião nova e "elevada", etc. A religião é o ópio do povo – esta máxima de Marx é a pedra angular de toda a concepção do mundo do marxismo na questão da religião. Todas as religiões e igrejas atuais, todas e quaisquer organizações religiosas, são sempre encaradas pelo marxismo como órgãos da reação burguesa que servem para defender a exploração e para entontecer a classe operária.' - Lenin
Concorda?

Anónimo disse...

Excelente texto!
Não tenho dúvidas, destas certezas!
Tenho também a certeza que não estou de acordo com o último ponto!
“Não valho nada…” !!! “..mas…”
Dr. Sérgio?!!!
Leia-se,
«Valho muito, todos sabendo que sou insubstituível naquilo que valho»!
Está um pouco melhor, para concordar com toda a certeza a 100%

GR

Anónimo disse...

aqueles que crêem no materialismo dialéctico - que, ao molho, constituem uma seita do caraças (ou do catano, ou do camandro, ou do catrino, ou do raio que os parta todos) - são trágicos como qualquer outro desgraçado. crer é uma necessidade. eles crêem naquilo. outros crêem no menino Jesus. outros crêem noutras manias. mas o mais engraçado na condição trágica deles é que, como sucelência Mário Abreu notou, a dialéctica é para tudo, excepto o credo em que eles crêem. vai daí, para além de crerem no materialismo dialéctico, crêem em vanguardas. e pretendem ser a alavanca da mudança - agora é mais da resistência, porque as modas não estão muito para revoluções. isto é a caricatura deles. outra seita engraçada são os irónicos. são tão desgraçados quanto os outros, mas não vão muito na conversa das sínteses. crêem estoutros que o que existe duradouramente são oposições, contrários, sob as mais diversas formas. as tensões e os conflitos são permanentes, nunca definitivamente resolúveis, embora em determinados intervalos possa parecer que um dos termos venceu derradeiramente o outro. lérias. a puta da história não acaba assim. é curioso notar que os materialistas dialécticos também são pródigos a ver a porrada e o desatino que faz o mudno. mas estes desgraçados tendem a ver luta de classes em quase tudo que é conflito. os desgraçados irónicos, desassossegados, inquietos, assumem a tragédia na pluralidade das suas formas. umas vezes será porrada de classes, outras vezes é porrada de outra ordem qualquer. e vão andando umas vezes atrás, outras vezes adiante, outras vezes sem andar. sofrem tanto quanto os outros. mas nota-se menos. porque fingem e se escondem melhor.

Anónimo disse...

outro pormenor, para o ótudaspulgas. deus é como o zero. nada reporta - ou reporta nada -, mas tem utilidade na aferição das grandezas. os ateus não acreditam. os agnósticos têm dúvidas. eu oscilo. tenho dias. mas, seguro, é isto: não dou a vida por qualquer das hipóteses. era o que mais faltava. há muitos beijos e pontapés para dar. e muitos filmes para ver e muitas canções para ouvir.

Sérgio Ribeiro disse...

Vivó!
Que contente que eu estou...
Mas não posso ficar por aqui. Tenho de continuar a fazer a revolução que ela por mim não espera e sem mim não se faz!
E não se trata de uma crença! É uma certeza. Poderia ser só minha a certeza, mas crença não seria. Ribatejanamente, a crença é para a marrada. Nem que seja contra um comboio. E marrar não é comigo. Quero, sempre, ajudar a fazer andar o comboio nos trilhos da história (humana) e, já agora, não ficar eu apeado. Enquanto...
Manias.
Gosto mesmo dos irónicos quando não descambam em cínicos! São estimulantes...
Mas lá tenho de ir para as tarefas revolucionáriaas. Já estou atrasado. Mas, depois, cá estarei. Porque há aí coisas escritas que são do catrino...

Lobo Sentado disse...

Eu confesso que esta história da dialéctica sempre me deixou monumental confusão. E quando aplicada à história, à sociedade, pior ainda. Diz-se “o desenvolvimento da história é o da luta de classes”, vem o proletariado e estoira com a burguesia e depois vive em paz, quer dizer, não há mais desenvolvimento da história.
Deixaria uma palavra ao Mário: não devemos apreciar esses livros e essas citações fora do contexto em que se deram.
Eu, sempre temente da existência do divino, não duvido muito do antagonismo (oposição) entre classes e que o mesmo legitima a oposição na sociedade, embora reconheça que as estratégias de colaboração, quando isto dá para o torto, até não são erradas. Isto é, em vez de estoirar com tudo, um acordo salarial que viabilize uma empresa pode ser algo interessante.
Por outro lado, sinto que o poder é mesmo a expressão dos interesses da classe ou aliança de classes dominante (que podem levar uns vendidos atrás). Por exemplo, o tal Catarino não está lá por acaso, mas porque há poder económico que o suporta e tem clientela que chegue. O Sócrates também.
Mas será que faziamos melhor política no lugar deles? Se me parece legítimo não duvidar que há alternativa ao modo como o nosso autarca presidente conduz as coisas, já em relação ao Governo por vezes duvido que outra coisa seja possível sem modificar os fundamentos da sociedade em que vivemos, isto é, sem os custos de uma revolução. Mas custa-me uma coisa: que essa política, necessária do ponto de vista da manutenção e desenvolvimento da sociedade burguesa, seja prosseguida por alguém que apelida de socialista o seu partido. Ou será da dialéctica: ele é e não é socialista ao mesmo tempo?
Perdoem esta confusão toda, mas era só para não estar de fora...

Sérgio Ribeiro disse...

Cá por mim, meu caro Luís, mais uma vez obrigado por teres vindo "meter-te ao barulho".
Em muita coisa não estou de acordo contigo, como em muita coisa não estou de acordo com o Mário Abreu, como em muita coisa não estou de acordo com a GR, como em muita coisa não estou de acordo (nem ele...) com o sf, como, em resumo, em muita coisa não estou de acordo comigo.
Por agora, e de passagem, copio uma frase tua:
"por vezes duvido que outra coisa seja possível sem modificar os fundamentos da sociedade em que vivemos".
Pois é. É para modificar os fundamentos da sociedade em que vivemos que alguns lutam. Continuadamente. Revolucionariamente.
O que não pode ser traduzido, ou retrovertido, em sempre bem.
E lá vou fazer "mais uma perninha".
Abraços a todos.

Anónimo disse...

Muitos parabéns pela descrição (adorei!) e pelo blog!

O mundo que temos é o mundo que os homens construíram. Os sistemas políticos que tivemos (e temos) são aqueles que conseguimos construir. As religiões que temos são aquelas que conseguimos criar. A sociedade em que vivemos é aquela que, todos nós, constituimos.

E se tivermos essa consciência, a consciência de que fomos nós que construimos o passado e seremos nós que construiremos o futuro, então temos meio caminho andado para fazer o mundo mudar.

Anónimo disse...

Para o SF um obrigado pelo mimo, é sempre um prazer a sua prosa, só peca, na minha singela opinião, por excesso de azia, talvez um cocktail de rennie e compensan ajudasse. Mas eu não disse que deus era 0 ou 1000, questionei foi o enunciado de certezas, que isto de fé e doutrinas é sempre redutor. Quanto ao Luis, objectivamente diz aquilo que não fui capaz, demonstrar que esta coisa de materialismo dialectico fazia sentido quando foi enunciado tendo em conta circunstancias que hoje estão caducas - digo eu!
Para o 'patrão do blog': longe de mim querer julga-lo no quer que seja, mas parece-me contraditorio e imprudente querer duvidar de todas as certezas e depois entrar num jogo tipo 'verdade ou consequencia': historia logo: exploração logo: luta de classes logo: tomar partido logo: marxismo-leninismo logo: materialista dialectico logo: ateu, etc, etc.
Questões como outras quaisquer.
I'll be back! - Abraços

Sérgio Ribeiro disse...

A minha opção (se opção é, e não circunstâncias que assim me fizeram o que sou):

a) Ter algumas certezas sobre as quais assentar todas as dúvidas;

b) Recusar ter só certezas por ausência de dúvidas.

Bolas! Isto não é claro?, e legítimo como opção (se opção é...)?

Anónimo disse...

Caro Presidente.
Ainda tenho o coração a 200kms/h, depois das emoções de hoje - já não consigo raciocinar direito (se é que alguma vez o consegui).
Mas parece-me que posta dessa maneira (redutora) - é claro!
Como afirmou antes: depende de quem se é, e de quem se quer ser.
Hoje por aqui me fico.
PS: Apreciei o modo, a lisura e educação como fomos recebidos hoje! Fosse sempre assim.

Sérgio Ribeiro disse...

Depois deste texto que outro texto escrever?, que frase, que palavra, que letra trazer à escrita, ?
Talvez... reler e reproduzir alguns trechos ("A condição de solto sentia-a quando se livrava das convenções e calcorreava domínios que, aplacados pelos medos ou pelos modos, outros não ousavam pisar.")
Talvez...
Por agora!

Sérgio Ribeiro disse...

Isto era para outro blog - para o Foto&Legenda e para o texto do sf - mas fiquei baralhado.
Para este era - só?! - a. por agora também, a saudação.