Vamos lá então à questão da religião ser ou não o ópio do povo.
Antes, porém… Nunca sou capaz de reproduzir, agora, o que há muito tempo, ou há pouco, disse ou escrevi, exactamente como há muito tempo, ou há pouco, o disse ou escrevi.
E tantas vezes me tem sucedido que, após uma prova de azelhice, de inépcia, um gesto canhestro (destrambelho, diz o outro), apago o que escrevi e, ao querer retomar o escrito, inevitavelmente outro escrito me sai.
Não raro uma angústia me assalta porque tenho a ideia, a percepção, de que a anterior (e apagada) forma era mais feliz que aquela que tive de reconstituir... aproximadamente.
Por isso, fujo como o diabo da cruz (que raio de imagem!...) dos argumentos de autoridade fulano disse logo é isso que é, porque sei que aquilo que “aquele fulano” disse ou escreveu o fez naquelas concretas circunstâncias e naquele preciso momento em que o disse ou escreveu.
Nem era necessário correr tempo de maneira a mudar as circunstâncias para que, no momento seguinte, aquele mesmo fulano – já outro – dissesse (talvez) o mesmo de maneira (decerto) diferente.
Então… quando foi dito (por quem?) que “a religião era o ópio do povo”, tal foi dito num momento e num contexto.
Quero eu dizer (sem o dizer) que não estou de acordo com essa frase? Não, de modo nenhum, mas quero dizer que não aceito ter de responder se sim ou não estou de acordo com a frase. E pronto, ficava respondido.
Eu - repito: eu, e acrescento: agora que escrevo - acho que a religião foi e é utilizada como ópio para o povo, no sentido de anestesiante, de desviante da tomada de consciência do que é e de como está organizado socialmente.
Entretanto, isto é, tantos anos passados sobre essa frase com que se pretende resumir/caricaturar a posição dos marxistas sobre a religião, muitas coisas aconteceram, muita água passou por debaixo (e também por cima) das pontes.
E muitos “ópios” se acrescentam ao que, como o “ópio”, pode ser utilizado. As drogas – que o ópio também é –, a “lei seca” e a sua clandestinidade, o espectáculo desportivo, a televisão, as auto-estradas da comunicação, a net. Sei lá que mais…
Utilizados por quem?
Pelos que – pela classe que – beneficiam do actual/presente “estado de coisas” e que tudo fazem, às vezes chegando a extremos inimagináveis, para que nada mude, ou para que apenas mude o que tenha de mudar para que tudo, no essencial das relações humanas, continue na mesma. Porque têm a consciência, ou a percepção, de que o povo, tomando ele consciência, teria a suficiente força para mudar, para transformar a sociedade, para fazer outras as relações humanas sobre que esta assenta.
Isto foi o que eu escrevi. Isto fui eu que escrevi. Hoje.
E assino
Sérgio Ribeiro
E localizo e dato
Zambujal, 30 de Março de 2006, neste momento 13.36 (e ainda não almocei...)
15 comentários:
Quase de acordo...
A religião é, quase sempre, ópio do povo, mas...
1) recordo que, em determinado contexto, na América Latina, foi libertadora, contribuiu para a tomada de consciência;
2) pode haver outros ópios mais importantes e aparentemente mais inocentes que os que o Sérgio citou (futebol, telenovelas,...);
3) para ser ópio do povo, deve ser utilizada nesse contexto, com esse objectivo.
Por isso, hoje em dia, compreendendo essa palavra de ordem, não acho que fosse importante em termos de luta ideológica e de definição de antagonismos de classe. Os problemas são tantos e de tal ordm que afectam igualmente religiosos ou não religiosos...
Ó Luis a minha mais humilde vénia! Comentário sem espinhas!
Tudo o resto não passa de retórica.
O povo sempre teve e continua a ter "ópios". Concordo com o texto, a religião realmente foi e ainda é uma venda/droga para o povo, assim como o futebol ou a novela, referidos pelo Luis.
No fundo é um problema de cultura.
O povo não tinha e penso que ainda não tem cultura, conhecimento que lhe permita questionar...
Às vezes, dá-me algum cansaço, meus queridos amigos.
Será que vocês querem que eu ainda sublinhe mais o verbo UTILIZAR?
É que estamos de acordo, bolas. Para quê procurar desacordos onde não os há?
Subscrevo inteiramente (e estou convencido que Vladimiro Ulianov o faria) a alínea 3) do comentário do Luís, para além do acordo relativamente às 1) e 2), e o resto.
Mas... quem falou em "palavra de ordem, em consigna, essas coisas que nos estão sempre a atirar em cara? Nanja eu!
E, meu caro Mário, que é isso da retórica? Tirei, hoje de manhã, da estante um livrinho de aí umas 300 páginas de um (creio que) Marcel Vernet com o título "Os marxistas e a religião", e folheei-o com alguma nostalgia. Como é que posso aceitar que tudo isso, décadas que se somam em séculos de reflexão, milhares de páginas que dariam centenas de livros, que tudo isso se resuma a uma frase - "a religião é o ópio do povo" -descontextualizada e intemporal, ficando o resto no caixote do lixo da retórica?
E, Betinha, eu também falei em "futebol" mas não como futebol, como uma parte de um "ópio" chamado "espectáculo desportivo", que nunca se apresenta como tal para despertar clubismo e cegueiras, ódios que são ópios para dividir e distrair.
Pronto! Já passou...
Um dia destes falaremos disso de cultura, 'tá bem?
Presidente,
Eu não atiro nada à cara de ninguem. Transcrevi um excerto dum texto de Lenin e questionei-o se concordava. Nesse texto estava essa afirmação do 'opio', mas estava tambem muito mais. E era sobre esse mais que 'matutei'.
Claro tambem que não reduzo tudo à referida afirmação.
Mas não sou o unico a resumir ou isolar afirmações/reflexões do (con)texto, quando se referiu a crentes tambem o fez.
'Retórica: arte de bem falar; discurso brilhante de forma, mas pobre de ideias' in Dic da Lingua Portuguesa.
'A retórica é a técnica (ou a arte, como preferem alguns) de convencer o interlocutor através da oratória.' in enciclopedia livre.
Não lhe queria provocar 'cansaço', limitei a opinar, tão e somente.
Quanto ao que nos difere logo trago-lhe mais - posso?
Abraço
Acho que comungo (que palavra tão apropriada) da opinião de que na vida todos precisamos de ópios. Quantas vezes não consultamos este blog e outros por aí? Quantas vezes não ouvimos as mesmas músicas repetidas vezes? Quantas vezes não cumprimos "religiosamente" a nossa rotina? Nem todos os ópios nos deixam atracados à intenção de quem os produziu! Nem todos os ópios são poços sem fundo onde cair. A religião? Talvez já tenha sido, não sei, francamente não acho que hoje possa ser matriz do que quer que seja. Acho que a Zara e os Morangos com Açucar já a ultrapassaram a passos largos!Se tomo ópios claro que sim, é impossível não os tomar! Mas raramente deixo que eles me tomem a mim, eu pelo menos é o que penso! Mas sem dúvida que sem nos apercebermos, são eles que nos alimentam ...já Alvaro de Campos os tomava!!!
"Por isso eu tomo ópio. É um remédio
Sou um convalescente do Momento.
Moro no rés-do-chão do pensamento
E ver passar a Vida faz-me tédio."
O ópio mais perigoso que existe no mundo é a Religião e o futebol!
Certo que há mais, mas é para uma elite!
Estes dois são para todos, desde o mais humilde economicamente, ao mais afortunado.
Quando falo de futebol, não do desporto em si, mas da máquina comercial que por trás dele trabalha!
Dou como exemplo o Euro 2004.
Em tempo de crise, muita crise, alguém se importou dos milhões que se gastaram com os estádios feitos para o efeito, alguns deles inactivos (por falta de verbas ou de assistência). Em nome do futebol, com o marketing apropriado, fez-se uma lavagem ao cérebro dos portugueses, operários, empresários, intelectuais, funcionários, a todos que alinharam.
Hoje, podemos com toda a calma ponderar no erro que muito cidadãos, caíram!
Bastava o povo na altura dizer, Não!
Bastava um abaixo-assinado, com centenas de milhares de assinaturas. Uma manifestação, com dois, três milhões e o governo pensava duas vezes!
Mas o ÓPIO/FUTEBOL, não deixou que se pensasse ou actuasse!
Não temos hospitais, os hospitais oncológicos, não possuem de material necessário, para fazer face a esta maldita doença (há tantas crianças!) aldeias sem electricidade, reformas dos idosos precárias, para uma criança paralítica poder usufruir de uma cadeira de rodas, a TVI ou um qualquer jornal diário, utiliza a pedinchice, os polícias tem armas obsoletas, as crianças por falta de infantários permanentes, funcionários, de verbas, e grande dose de vontade, as crianças são assassinadas, violadas, torturadas! A precariedade do lar de idosos, é terceiro-mundista, homens, mulheres que tanto deram à sociedade, alguns morrem sozinhos de alimento, de amor de companhia, outros depositados em armazéns de carne viva.
Mas tivemos o EURO!
Não é ópio:
Não critico o desporto, naturalmente. É imprescindível!
A actividade física praticada numa determinada modalidade disciplina, concentra, quem a pratica, para já não falar da do convívio, na amizade que origina!
Os nossos paraolimpicos, aqueles jovens que ganham medalhas de ouro, prata e bronze! Esses que tem que arranjar dinheiro para representarem Portugal, mesmo que passem fome durante todo o ano!
É evidente que futebol, assim é ópio. Produz efeito nefasto na mente do povo!
A religião, fica para depois!
GR
Para quebrar a unanimidade uma "provocação" caro amigo Sérgio. Como sacerdote do "marxismo-leninismo"já nem te dás conta que também tu ao escreveres ..."Porque têm a consciência, ou a percepção, de que o povo, tomando ele consciência, teria a suficiente força para mudar, para transformar a sociedade, para fazer outras as relações humanas sobre que esta assenta." estás também a fornecer o teu ópio ao povo. Muitas vezes "O POVO é também um ópio do povo" e a História apresenta-nos muitos exemplos a que não podemos fechar os olhos para justificar certas concepcções teóricas ...
Um abraço
QUIM CASTILHO
ópio bom é o que adormece. cá eu sou mais por estar acordado nas dúvidas. porque ubi dubium ibi libertas.
Palavra que não entendo.
Afirmar "tomando ele consciência" - a sua, a que tomar como sua... sem "ópios" mas com informação sua, esclarecimento seu - é estar a fornecer ópios?
E chamares-me sacerdote, ó Quim! Sou marxista-leninista! Será que não posso argumentar em defesa das minhas convicções sem que desvirtuem o que digo a partir de preconceitos ou vulgatas sobre o marxismo-leninismo?
Por outro lado, se há quem esteja satisfeito com o tipo de relações humanas sobre que assenta a sociedade em que vivemos, eu não estou e não a aceito como o fim da humanidade.
E, já agora, adiantar, ou insinuar, que faço (ou adopto)retórica e, de dicionário em riste, vir confirmá-lo dizendo que retórica é um discurso "pobre de ideias" embora brilhante... na forma, não é lá muito lisonjeiro para o retórico. Paciência, que também não espero, nem apelo à lisonja...
E venha o que vier que será bemvindo.
(Desta vez não começo com os habituais: 'Caro Presidente' ou 'Caro Patrão'.)
Amigo Sergio,
Mas que diabo de confusão essa?
Pelos vistos, começamos esta 'troca de galhardetes' a dois mas com muita audiencia. E se disse que gostava que mais gente participasse não imaginava eu, tantas e diferentes reacções nem mesmo comentarios como por exemplo o de um Sr Namora noutro anterior post.
Faço parte (como tambem um tal de SF de quem até colega de carteira fui) de uma geração quem alguem apelidou de rasca. E essa geração é tambem fruto de um sistema de ensino, no minimo, incompetente. Despejava-se matéria, chavões e definições e nunca se estimulava o pensar, o discutir ou mesmo gosto por aprender.
Poder, aqui e consigo (ou mais), por questões, levantar problemas ou argumentar é para mim muito estimulante e recompensador.
Disse (num post em 25/2) e reafirmo: Estas 'picadas' são, como ambos sabemos, apenas e só entre amigos com objectivos comuns e visões diferentes.
As minhas sinceras desculpas quanto ao uso da palavra retórica, mas notará que tive o cuidado de deixar duas definições, e o que quis dizer com retórica, neste e noutro comentário, foi a facilidade e arte que tanto o Sergio Ribeiro como o Sergio Faria têm em se expressar que eu não tenho. Nunca tive intenção em acusá-lo de pobre de ideias (e o Sergio sabe-o perfeitamente).
Novamente as minhas desculpas e se calhar é preferivel por aqui ficarmos quanto a esta troca de ideias (não vá o diabo tecê-las).
Peço-lhe ainda que leia o meu ultimo comentario no post 'Mais coisas'.
PS: Ou não fosse eu homem de numeros: media de comentarios a posts : Antes de 25/2= 4,1; Depois de 25/2= 7,9: Alguma coisa consegui!
O que é preciso é animar a malta!
Abraço
M. Abreu
Útil este blog!
Aprendesse também a participar.
A isto se chama um debate democrático!
Não acredito que o “dono” do blog queira uma conversa a dois!
O que enriquecesse o debate, é o Luís, o SF, a Raquel, o Quim C., o Namora, a Betinha, a GR, o Mário Abreu e aquele toque final do Sérgio R. (quer queiram ou não), ele é o Mestre! Na hora certa, no momento exacto, lá está ele a expor com toda a sua calma (!) e o seu saber! Reparem como o Sérgio tem outra forma de “dizer”!
Permita-me dizer que a “geração não era rasca”, o governo é que era! Aliás, continua a ser!
GR
Meu caro Mário, aquilo que o diabo tece é lá com ele...
Aqui, neste cantinho, a teia é nossa e (estou a pensar no outro blog, no foto&legenda) e nós a urdimos.
Sobre a utilização da palavra retórica não me senti nada atingido, apenas reagi porque... não é lisongeiro. E, sublinho, esta conversa a muitos é feita de reacções devendo haver apenas o cuidado de não nos magoarmos (isto é recado do Mounti). E quanto a mim não se preocupem, o coirato é duro. Mas... se me não magoo, não deixo palavras por dizer. A partir das minhas convicções e das minhas dúvidas.
O amigo Quim até sacerdote me chamou, já repararam? Sacerdote, retórico, atrasado mental, adiantado mental, ortodoxo (no mau sentido, que me esforço por corrigir - dogmático, não, obediente, nunca), venha a ironia e até algum cinismo, citações em latim depois de citações até de gregos ( troianos), procure-se, de lupa, uma falha, uma incongruência, uma evidente contradição, quadrado, redondo... o que quiserem. Pelo meu lado, nada perturbará a conversa porque (e desde que) a boa-fé impera.
Não podemos é ser "de vidro", e depois de dizermos o que as (nossas) razões nos mandam dizer, abespinharmo-nos com as reacções dos outros.
De qualquer modo, são bons treinos.
Abraços para todos.
Ora cá estou eu de novo...Dirão alguns que o criminoso volta sempre ao local do crime..e um dos meus crimes (sem me teres acusado de tal feito) foi chamar-te de sacerdote. Em primeiro lugar quero dizer-te que, como é óbvio tens todo o direito , como todos nós , de pensares como pensas e de defenderes as tuas ideias. Em segundo lugar quero dizer-te que independentemente das opiniões que eu possa exprimir relativamente às ideias que defendes
e dos " nomes" que te possa chamar, nada afectará a extrema consideração que tenho por ti, pelo teu percurso como Homem e como interveniente político , social e cultural.Que isto fique bem claro!
Regressemos ao sacerdócio.Chamei-te sacerdote porque tu fazes e sempre fizeste parte de uma estrutura política que eu considero e sempre considerei de caracter profundamente religioso; sem Deus ( como aliás o Budismo), mas, como todas as religiões. com os seus Livros Sagrados com frequentes citações que servem para justificar quase tudo,com Santos e Mátires ,com Profetas e Dogmas, com dissidências e fundamentalismos, com guerras santas e guardiões da Fé. E sobretudo, como com todas as religiões, com um conceito ideológico englobante que condiciona todo o pensamento e a forma de encarar o mundo, a sociedade e a vida. Como todas as religiões basta aceitar uns princípios básicos fundamentais, no que está escrito, na Verdade (A Pravda),que tudo se tornará coerente.
Respeito , embora não aceite, a tua crença, como respeito e não aceito as outras religiões, mas ao falares de "ópio do povo" deverias ter uma atitude mais mais ecuménica.
Um grande abraço de consideração e estima
QUIM
Amigo Quim, retribuo consideração e estima.
Mas há um pormenor que talvez desconheças ou em que não tenhas reparado.
Numa troca de ideias com o meu conterrâneo e amigo Mário Abreu, ele lançou-me a frase sobre a ópio e a religião, num momento de citações e (amigas) provocações.
Não lhe respondi logo, porque não me agrada responder se concordo ou não a frases descontextualizadas e desdatadas. Mas ele insistiu, o que me obrigou (sem que obrigado me sentisse...) a pegar no tema, procurando contextualizá-lo e datá-lo... neste ambiente de convívio blogueiro (o que não quer dizer que não lhe dou importância!).
Apareceste, és muito benvindo, mas não posso aceitar que, nestas circunstâncias, se diga (e tu o digas) que "ao falar deste tema (eu) deveria ter uma atitude mais ecuménica".
Bolas, o meu ecumenismo apenas existiria se dissesse "o religião não é o ópio do povo" mesmo quando a cada momento o vejo, hoje, utilizado como "ópio do povo", mesmo quando uma vizinha me vem dizer, como aconteceu há uns anos "ó menino Sérgio, desta vez votei em si... que deus me perdõe!"?, mesmo quando se faz a campanha miserável contra a interrupção da gravidez "em nome da vida" e se aceitam e estimula os "desmanchos" com talo de couve?
Qur raio de ecumenismo me pedem?, a de aceitar o "pensamento único"?
Abraços
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