quinta-feira, outubro 30, 2008

A importância dos "rascunhos"...

É muito significativo o actual “ressuscitar” de Marx. A realidade deste pico de crise faz com Marx regresse às editoras, à comunicação social, aos colóquios e iniciativas “bem pensantes”, aos que querem interpretar o mundo. Para o transformar? Isso já é outra conversa…
Não só as edições e vendas de originais de Karl Marx (e Engels) sobem em flecha (é negócio…), como se assinalam efemérides marxianas. Exemplos aqui à mão do computador: um historiador conceituado como é E. Hobsbawm dá uma entrevista que é divulgada profusamente; à semelhança do que vem sucedendo noutros países, realiza-se em Lisboa um congresso internacional que “visa alargar o espaço de debate intelectual em torno dos marxismos” (dos marxismos, note-se).
O que é igualmente significativo é que, quer da entrevista de Hobsbawm, quer do congresso tão oportunamente organizado, se poderia ser levado a pensar que os Grundrisse (planos, esquemas, rascunhos) são o contributo mais importante de Marx, e deles se assinalam os 150 anos.
Isto no ano em que se também se assinalam os 160 anos da publicação do Manifesto do Partido Comunista e os 190 anos do nascimento de Marx, tendo o PCP feito de 2008, e continue fazendo, o ano dessas efemérides. Com um cordão sanitário de silêncio em volta.
Os “rascunhos” é que são! Parece-me interessante.
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Marx, depois do direito, do jornalismo, da filosofia, da intervenção política, ao dedicar-se ao aprofundamento do estudo da economia política, começou por fazer esses planos, esquemas, rascunhos, antes de se lançar a O Capital.
O que está a acontecer é como se mais merecessem ser assinaladas as datas dos esboços para um quadro de Picasso que o quadro de Picasso, se tivessem maior valor musical as notas de Beethoven para a 9ª Sinfonia que a 9ª Sinfonia, se o making-off de um qualquer Chaplin fosse de preferível visionamento relativamente ao filme que dele resultou.
Os Grundrisse são documentos do maior interesse. Para estudar a obra de Marx, o seu percurso, o que realizou e o que ficou por realizar, os caminhos que abriu. Mas, ao que parece, também servem para “ressuscitar” Marx quando se comprova que ele está vivo. E bem vivo porque muitos e muitos o têm tentado continuar, não só na interpretação do mundo (e das suas crises) como, sobretudo, na luta para a sua transformação. Para o socialismo.

13 comentários:

Anónimo disse...

O tempo acarinha tudo o que é verdadeiramente importante... "e a caravana passa."

Anónimo disse...

O tempo acarinha tudo o que é verdadeiramente importante... "e a caravana passa."

Anónimo disse...

A questão de uma pretensa primazia dada aos Grundrisse não é de hoje. No estrangeiro, gente tão horripilante como o André Gorz ou o ainda pior Negri sustentam a sua análise da evolução do capitalismo a partir de uma leitura (transviada) de uma famosa passagem dos Grundrisse. Há, de facto, uma passagem de meia dúzia de páginas nos Grundrisse que fala, em termos gerais, do papel do conhecimento na determinação da vida económica e social. É aqui, pelo menos que eu saiba, que surge pela primeira vez a questão do "intelecto geral" expandido a toda a sociedade.

A análise do Marx nessa passagem, apesar de nunca citar nada relativo ao socialismo nem à luta de classes, trata da evolução do conceito de capital em termos estritos. Ou seja, ele não analisa o conceito do capital em conexão com outras categorias essenciais na sua teoria - revolução socialista, luta de classes, etc. No fundo, ali o Marx fala da produção de riqueza em termos da sua futura expansão a toda a sociedade. Não integrando outros conceitos centrais da sua análise, mas ficando-se apenas pela categoria de capital, poderia dar a entender duas noções que foram deturpadas pelos Negris deste mundo. 1) o capitalismo veria as suas relações sociais corroer-se por si mesmas; 2) a produção do intelecto geral e dinamizado pelos trabalhadores a um nível global e sem controlo do poder económico capitalista já estaria a ocorrer dentro do capitalismo. Esta é uma tese muito presente em muito pretenso marxista e que tende a querer aplicar mecanicamente o modelo de transição do feudalismo para o capitalismo para o caso da transição do capitalismo para o socialismo. Se tal fosse verdade, dizem Negri, Gorz, ou o idiota português do Penim Redondo (um vaidoso que acha que só ele tem razão nestas matérias) o capitalismo assiste já hoje à penetração de relações de produção socialistas no seio do capitalismo. Assim, em termos políticos bastaria esperar que essas pretensas relações sociais socialistas assentes na produção de conhecimento (como se um programador de conteúdos informáticos avançados da Microsoft não fosse um trabalhador assalariado...) florescessem e o capitalismo cairia. Fácil não? Assim se retira a perspectiva revolucionária e a iniciativa popular do horizonte.

Para voltar aos Grundrisse. Não há ali qualquer tipo de reformismo ou de utopismo por parte do Marx. Ele ali quis apenas perceber a conexão lógica interna da categoria de capital e como a produção de riqueza e de conhecimento varia ao longo do tempo. Ele elaborou essa passagem num elevado nível de abstracção teórica. O seu propósito era claramente o de afinar o conceito para depois o respaldar numa totalidade mais vasta de conceitos. Aliás, se a concepção de evolução social do Marx fosse a da leitura transviada que fazem da passagem dos Grundrisse, de certeza absoluta que não se encontraria em pleno Capital (1ºlivro) a tese de que a passagem para o socialismo necessitava da expropriação dos expropriadores, ou seja, a tomada revolucionária do poder de Estado, a subsequente transformação das estruturas sociais, económicas e políticas no interesse da classe trabalhadora, o papel activo dos trabalhadores na luta por uma nova sociedade.

Portanto, aquela passagem dos Grundrisse é confortável para todo o tipo de reformistas pois afasta-lhes do horizonte a central tese marxiana da expropriação dos expropriadores.

Por outro lado, parece-me que os Grundrisse são muito importantes em termos da compreensão da dinâmica económica do capitalismo. Contudo, é um conjunto de manuscritos nunca revistos e que são, na verdade, materiais preparatórios para O Capital. Ao mesmo tempo, a leitura dos Grundrisse deve ser sempre contextualizada no cenário que acabei de referir.

Desculpa o exageradamente comentário.

Um abraço,
João

Anónimo disse...

-Se fosse eu o dono da casa diria: É disto que o meu Povo gosta.
aferreira

Sérgio Ribeiro disse...

Obrigado, cs, lá vamos... na caravana.
Obrigado, João Valente Aguiar, pelo teu comentário. Diz-nos qualquer coisa sobre a tua participação, a 15 de Novembro, no tal "congresso" e sobre essa coisa dos "marxismos" e das "correntes do marxismo" que eles criam para deles, "marxismos" e delas, "correntes", excluirem o marxismo-leninismo. Ires acompanhado do VIU-Lenine parece-me excelente escolha.

Anónimo disse...

Estes não são os mesmos que há dias falavam no Fim da História?!...

Fernando Samuel disse...

Nos rascunhos é que está o segredo... deles...

Um abraço.

cristal disse...

Muito bem dito Sérgio. Como sempre é um consolo ler-te depois de passar pelos enrolamentos e enovelamentos de tudo o resto. Obrigada

Anónimo disse...

de facto é mesmo um aconchego encontrar-vos por aqui :)

Anónimo disse...

Caro Sérgio,

O texto sobre o Lenine nesse congresso é o mesmo que já saiu ano passado no Diário.info e, uns tempos mais tarde, na Vértice.

O meu envio desse texto prende-se precisamente com o que tu muito bem falaste: nesse pseudo-pluralismos de marxismos, quase não se introduzir precisamente "O" marxismo clássico, o marxismo-leninismo, precisamente o único marxismo que conseguiu levar a cabo revoluções e lutas de massas consequentes.

No meu painel vai falar um tipo sobre austro-marxismo!!! Do meu ponto de vista, é inacreditável que alguém se lembre de resgatar uma corrente que apoiou a Primeira Guerra Mundial e a matança imperialista, uma corrente anti-marxista que sempre criticou a vitoriosa Revolução de Outubro.

Um abraço

Anónimo disse...

A propósito, numa altura em que nós comunistas vamos comemorar a Revolução de Outubro, um bando de intelectuaizecos vai falar mal do Partido num colóquio sobre "os comunistas em Portugal".

Vê isto:
http://caminhosdamemoria.wordpress.com/antologia/%c2%abos-comunistas-em-portugal-%e2%80%93-1921-2008%c2%bb/

A luta anticomunista só pode ser contrariada pelo nosso reforço. Reforço orgânico, reforço da ligação às massas e aos trabalhadores. Reforço da luta ideológica contra todos os que procuram deturpar o ideal e a identidade comunista. O nosso XVIII Congresso será, concerteza, um momento de revigoramento e reforço do nosso Partido.

Sérgio Ribeiro disse...

Inteiramente de acordo! E vigilância revolucionária...
Um abraço camarada

Justine disse...

Texto pertinente, este sobre os rascunhos. Porque nos clarifica as intenções por trás de todo esse interesse.