A QUINTA COLUNA
Os que em dada altura se interessaram pela história da
Segunda Guerra Mundial, ou os decerto já poucos que dela ainda se lembram
apesar de a terem acompanhado nos anos da sua infância, sabem o que foi então
conhecido por “a quinta coluna”. Tratava-se de um grupo de sujeitos que a
Alemanha nazi recrutava nos países que se haviam tornado seus alvos, ou que
neles infiltrava, e que tinham por missão específica a divulgação de
informações e notícias falsas, a multiplicação de boatos favoráveis às
estratégias militares e doutrinárias da Alemanha, a intensificação da
propaganda nazi ou a sua discreta mas não menos eficaz divulgação. Essa acção
era, assim, não apenas de substancial importância como complemento das
operações militares, de onde a designação de “quinta coluna”, mas também para
que em fase posterior, já com o nazismo ocupante e seus colaboradores a
dominarem os aparelhos estatais, a eventual resistência dos ocupados fosse
enfraquecida e a implementação do sonhado Terceiro Reich, o tal que haveria de
durar milénios, fosse mais tranquilamente assegurada. Abordando mais
concretamente a situação portuguesa de então, não poderá decerto dizer-se que
todos os chamados “germanófilos” eram membros da “quinta coluna”, mas não será
de mais presumir que uma boa parte deles terá sido convencida, afinal
mobilizados ideologicamente, pela actividade premeditada e sistemática da tal
“quinta coluna” que tinha os seus métodos e estratégias de recorte
tendencialmente científicos.
Como que gota a gota
É claro que o “quintacolunismo”, com perdão para o tosco
neologismo que já nasce serôdio, não foi uma inteira invenção do nazismo e na
verdade terá acontecido ao longo dos tempos. Talvez se possa dizer, por
exemplo, que existiu em Portugal nos finais do século XVI, quando uma boa parte
da nobreza portuguesa optou por apoiar Filipe II de Castela contra as
pretensões do pobre Prior do Crato, ou, dois séculos antes, quando muitos
fidalgos portugueses, entre os quais irmãos de D.Nuno Álvares Pereira, alinharam
em favor do rei castelhano, em ambos os casos talvez não apenas na expectativa
de gratidão remuneratória por parte dos reis estrangeiros mas também,
provavelmente sobretudo, porque na defesa das opções portuguesas estava a
arraia-miúda, o povoléu, a ralé que lhes causava não apenas náuseas mas também,
já então, inquietações. Isto é: por motivações ideológicas, de classe. Destes
casos mais ou menos exemplares emerge a relação entre luta de classes e a
disponibilidade de alguns para serem recrutados para a integração, consciente
ou nem isso, de “quintas colunas”. E aqui se chega ao momento em que é possível
e necessário esclarecer ao que vem tudo isto para que se justifique lembrá-lo
em colunas de observação da televisão portuguesa. É que a TV, como aliás toda a
comunicação social em geral, é campo de batalha, o que aliás já estamos fartos
de saber, e também nela há, como amargamente testemunhamos, o uso de notícias
viciadas, de informações amputadas, de boatos mascarados de revelações, de
falsificações tão sistemáticas que já surgem como verdades incontroversas, tudo
isso manejado ou ordenado por modalidades actuais de um “quintacolunismo”
talvez moderado, mas porventura não tanto quanto o supomos. Estão longe, é
certo, as suásticas e a sua violência (excepto, ao que se vai sabendo, na
Ucrânia que nos parece longínqua porque esquecemos que muitas vezes as pestes
são mais contagiosas do que se espera). Mas é bom lembrarmos que nem sempre as
classes dominantes recorrem aos meios mais duros: botas cardadas, bastões,
masmorras, tiros. Até podemos acrescentar que antes assim. Mas nem por isso
temos o direito de ignorar que o uso da distorção, da mentira, do veneno
instilado palavra a palavra como que gota a gota, só é possível e tecnicamente
rentável quando resulta em efeitos comparáveis aos de uma “quinta coluna” à
moda antiga, isto é, à moda do nazismo puro e duro que, esperemos, continuará a
arder no inferno onde tragicamente ganhou lugar.
Correia da Fonseca
(publicado no avante!)
Obrigado!
2 comentários:
Excelente artigo. Nunca é demais esclarecer e lembrar, até porque as situações se repetem no presente!
Sim a quinta coluna é mais perigosa que as balas. Eu noto isso nas conversas do dia a dia até com pessoas que tinham obrigação de não se deixarem enganar!
Um beijo.
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