terça-feira, julho 08, 2014

Boa memória e más lembranças

A QUINTA COLUNA
Os que em dada altura se interessaram pela história da Segunda Guerra Mundial, ou os decerto já poucos que dela ainda se lembram apesar de a terem acompanhado nos anos da sua infância, sabem o que foi então conhecido por “a quinta coluna”. Tratava-se de um grupo de sujeitos que a Alemanha nazi recrutava nos países que se haviam tornado seus alvos, ou que neles infiltrava, e que tinham por missão específica a divulgação de informações e notícias falsas, a multiplicação de boatos favoráveis às estratégias militares e doutrinárias da Alemanha, a intensificação da propaganda nazi ou a sua discreta mas não menos eficaz divulgação. Essa acção era, assim, não apenas de substancial importância como complemento das operações militares, de onde a designação de “quinta coluna”, mas também para que em fase posterior, já com o nazismo ocupante e seus colaboradores a dominarem os aparelhos estatais, a eventual resistência dos ocupados fosse enfraquecida e a implementação do sonhado Terceiro Reich, o tal que haveria de durar milénios, fosse mais tranquilamente assegurada. Abordando mais concretamente a situação portuguesa de então, não poderá decerto dizer-se que todos os chamados “germanófilos” eram membros da “quinta coluna”, mas não será de mais presumir que uma boa parte deles terá sido convencida, afinal mobilizados ideologicamente, pela actividade premeditada e sistemática da tal “quinta coluna” que tinha os seus métodos e estratégias de recorte tendencialmente científicos.
Como que gota a gota
É claro que o “quintacolunismo”, com perdão para o tosco neologismo que já nasce serôdio, não foi uma inteira invenção do nazismo e na verdade terá acontecido ao longo dos tempos. Talvez se possa dizer, por exemplo, que existiu em Portugal nos finais do século XVI, quando uma boa parte da nobreza portuguesa optou por apoiar Filipe II de Castela contra as pretensões do pobre Prior do Crato, ou, dois séculos antes, quando muitos fidalgos portugueses, entre os quais irmãos de D.Nuno Álvares Pereira, alinharam em favor do rei castelhano, em ambos os casos talvez não apenas na expectativa de gratidão remuneratória por parte dos reis estrangeiros mas também, provavelmente sobretudo, porque na defesa das opções portuguesas estava a arraia-miúda, o povoléu, a ralé que lhes causava não apenas náuseas mas também, já então, inquietações. Isto é: por motivações ideológicas, de classe. Destes casos mais ou menos exemplares emerge a relação entre luta de classes e a disponibilidade de alguns para serem recrutados para a integração, consciente ou nem isso, de “quintas colunas”. E aqui se chega ao momento em que é possível e necessário esclarecer ao que vem tudo isto para que se justifique lembrá-lo em colunas de observação da televisão portuguesa. É que a TV, como aliás toda a comunicação social em geral, é campo de batalha, o que aliás já estamos fartos de saber, e também nela há, como amargamente testemunhamos, o uso de notícias viciadas, de informações amputadas, de boatos mascarados de revelações, de falsificações tão sistemáticas que já surgem como verdades incontroversas, tudo isso manejado ou ordenado por modalidades actuais de um “quintacolunismo” talvez moderado, mas porventura não tanto quanto o supomos. Estão longe, é certo, as suásticas e a sua violência (excepto, ao que se vai sabendo, na Ucrânia que nos parece longínqua porque esquecemos que muitas vezes as pestes são mais contagiosas do que se espera). Mas é bom lembrarmos que nem sempre as classes dominantes recorrem aos meios mais duros: botas cardadas, bastões, masmorras, tiros. Até podemos acrescentar que antes assim. Mas nem por isso temos o direito de ignorar que o uso da distorção, da mentira, do veneno instilado palavra a palavra como que gota a gota, só é possível e tecnicamente rentável quando resulta em efeitos comparáveis aos de uma “quinta coluna” à moda antiga, isto é, à moda do nazismo puro e duro que, esperemos, continuará a arder no inferno onde tragicamente ganhou lugar.

Correia da Fonseca
(publicado no avante!)

Obrigado!

2 comentários:

Justine disse...

Excelente artigo. Nunca é demais esclarecer e lembrar, até porque as situações se repetem no presente!

Graciete Rietsch disse...

Sim a quinta coluna é mais perigosa que as balas. Eu noto isso nas conversas do dia a dia até com pessoas que tinham obrigação de não se deixarem enganar!

Um beijo.