quinta-feira, junho 13, 2019

Dos melhores de nós...

Ontem, beneficiei da ajuda de Pedro Tadeu no Diário de Notícias, hoje de Valdemar Cruz, no Expresso-Curto, e do Google (para a fotografia). Assim procuro honrar memórias e testemunhos: 

«Crónicas da Idade dos Mídia
 


13 de Junho de 2019


Inspirei-me, para o título deste Curto, em Rúben de Carvalho, o histórico dirigente do PCP cujo funeral se realiza no domingo para o cemitério do Alto de São João, em Lisboa. O corpo estará em câmara ardente nos Paços do Concelho da capital a partir de sábado.
(...)

Dedico este momento final do Curto de hoje a Rúben de Carvalho. É pouco. É quase nada. É uma absoluta insignificância se o que está em causa é valorizar a memória de um homem para quem o mundo era um fascinante mosaico de culturas não hierarquizadas. Cada homem era um homem em toda a sua plenitude. Cada povo era um povo em toda a sua dignidade.
Ontem, como muitas vezes fazia, resolvi regressar a uma das suas fantásticas “Crónicas da Idade Mídia”. Quem o fizer perceberá de imediato o título dado a este espaço. São incontáveis os livros, os discos, os filmes que passaram a entrar no meu imaginário por sugestão direta, mas a maior parte das vezes indireta, das intervenções de Rúben naquele seu programa transmitido durante anos na Antena 1.
Recuperei o mais antigo ainda disponível na RTP Play, intitulado “Eles escolhem…”. Tem data de 3 de outubro de 2011, embora creia que o início das emissões, nas quais tinha como interlocutora Iolanda Ferreira, remonta a, pelo menos, janeiro ou fevereiro de 2009. A pretexto da música, ou das músicas, cada emissão é uma lição. De história. De cultura dos povos. De aguda perceção de movimentos culturais e sociais, mesmo distantes. Rúben chegava ao estúdio carregado de livros e discos. Às vezes entusiasmava-se com as histórias que desencadeavam histórias que entroncavam em novas histórias, e quase se esquecia da música. Fazia-o com a elegância do saber adquirido em vivências várias. Talvez precisasse de muitas vidas para narrar os mundos que o habitavam.
A emissão de “Eles escolhem…”, cujo título se aplica na perfeição a um homem que nunca abdicou de escolher, abre com uma belíssima canção interpretada por Yves Montand, intitulada “Le temps des Cerises”. A partir dali começa uma viagem como só um trota mundos como Rúben saberia conduzir. Desde logo com a fascinante história de uma canção hoje celebérrima, interpretada ao longo dos anos por gente tão diversa como Juliette Gréco, Nana Mouskouri, Tino Rossi, que na sua origem é apenas um tema de amor, mas circunstâncias históricas diversas transformaram numa canção emblemática da Comuna de Paris (26 de março a 28 de maio de 1871). Rúben conta os detalhes da sua escrita por Jean Baptiste Clément em 1866, antes, portanto, da Comuna, e como, quando publicou um livro com as suas canções, Clément, ele próprio um “communard”, dedica a canção “à valente cidadã Louise, enfermeira da Rue de la Fontaine au Roi”, uma das últimas barricadas da Comuna a cair, no dia 26 de maio de 1871. Aqui chegados ainda vamos a um terço do programa.
Tantas histórias ainda por contar, como sucederá ao longo dos anos. A RTP Play tem 261 episódios ainda disponíveis, com emissões dedicadas a temas tão diversificados como a banda sonora da guerra do Vietnam, Ella Fitzgerald, 50 anos de música africana, Mahalia Jackson, Léo Ferré, José Afonso, Jacques Brel, ou até as marchas dos santos populares em “Cá vai Lisboa episódios 1 e 2.
Revisitar “Crónicas da Idade Mídia”, além de um mergulho profundo em múltiplas manifestações da cultura popular, é manter vivo o legado de um homem glorificado na sua morte, e que só o tremendo preconceito (ideológico) vigente em Portugal impediu de ser uma presença mais assídua nos órgãos de comunicação social enquanto vivo.
Tínhamos agendada uma conversa com vista a um trabalho em preparação para a Revista do Expresso e no qual, acredito, Rúben poderia ter um papel crucial na reconstrução de muito específicas vivências culturais e políticas em Portugal nos anos de 1960 e 1970. A distância entre o meu Porto e a sua Lisboa gerou sucessivos adiamentos. Até ser demasiado tarde.
Despeço-me com a primeira parte de mais um dos programas de Rúben
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Isaura Assunção da Silva Borges Coelho estava entre as mulheres que protagonizaram a luta contra o fascismo português. Estava a escassos dias de completar 93 anos e morreu nesta terça-feira na Parede, concelho de Cascais, onde residia com o marido, o historiador António Borges Coelho. Natural de Portimão, onde nasceu a 20 de Junho de 1926, foi presa e torturada pela PIDE pela sua atividade de resistente antifascista, que incluiu a luta pelo direito às enfermeiras se poderem casar. Em 2002 foi condecorada pelo então Presidente da República Jorge Sampaio com a Ordem da Liberdade

1 comentário:

Justine disse...

Grande texto