Ontem, beneficiei da ajuda de Pedro Tadeu no Diário de Notícias, hoje de Valdemar Cruz, no Expresso-Curto, e do Google (para a fotografia). Assim procuro honrar memórias e testemunhos:
«Crónicas da Idade dos Mídia
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13 de Junho de 2019
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Inspirei-me, para o título
deste Curto, em Rúben de Carvalho, o histórico dirigente do PCP cujo funeral se realiza no domingo
para o cemitério do Alto de São João, em Lisboa. O corpo estará em câmara
ardente nos Paços do Concelho da capital a partir de sábado.
(...)
Dedico este momento final
do Curto de hoje a Rúben de Carvalho. É pouco. É quase nada.
É uma absoluta insignificância se o que está em causa é valorizar a memória
de um homem para quem o mundo era um fascinante mosaico de culturas não
hierarquizadas. Cada
homem era um homem em toda a sua plenitude. Cada povo era um
povo em toda a sua dignidade.
Ontem, como muitas vezes
fazia, resolvi regressar a uma das suas fantásticas “Crónicas
da Idade Mídia”. Quem o fizer perceberá de imediato o título dado a este
espaço. São incontáveis os livros,
os discos, os filmes que passaram a entrar no meu imaginário por
sugestão direta, mas a maior parte das vezes indireta, das intervenções de
Rúben naquele seu programa transmitido durante anos na Antena 1.
Recuperei o mais antigo ainda disponível na RTP Play,
intitulado “Eles
escolhem…”. Tem data de 3 de outubro de 2011, embora creia
que o início das emissões, nas quais tinha como interlocutora Iolanda
Ferreira, remonta a, pelo menos, janeiro ou fevereiro de 2009. A pretexto da música, ou das músicas,
cada emissão é uma lição. De história. De cultura dos povos.
De aguda perceção de movimentos culturais e sociais, mesmo distantes. Rúben
chegava ao estúdio carregado de livros e discos. Às vezes entusiasmava-se com as histórias que
desencadeavam histórias que entroncavam em novas histórias, e
quase se esquecia da música. Fazia-o com a elegância do saber adquirido em
vivências várias. Talvez precisasse de muitas vidas para narrar os mundos que
o habitavam.
A emissão de “Eles
escolhem…”, cujo título se aplica na perfeição a um homem que
nunca abdicou de escolher, abre com uma belíssima canção interpretada por
Yves Montand, intitulada “Le temps des Cerises”. A partir dali começa
uma viagem como só um trota mundos como Rúben saberia conduzir. Desde logo
com a fascinante história
de uma canção hoje celebérrima, interpretada ao longo dos
anos por gente tão diversa como Juliette Gréco, Nana Mouskouri, Tino Rossi, que na sua origem é apenas um
tema de amor, mas circunstâncias históricas diversas transformaram numa
canção emblemática da Comuna de Paris (26 de março a 28 de maio de
1871). Rúben conta os
detalhes da sua escrita por Jean Baptiste Clément em 1866,
antes, portanto, da Comuna, e como, quando publicou um livro com as suas
canções, Clément, ele próprio um “communard”, dedica a canção “à valente
cidadã Louise, enfermeira da Rue de la Fontaine au Roi”, uma das últimas barricadas da Comuna a
cair, no dia 26 de maio de 1871. Aqui chegados ainda vamos a
um terço do programa.
Tantas histórias ainda
por contar, como sucederá ao longo dos anos. A RTP Play tem
261 episódios ainda disponíveis, com emissões dedicadas a temas tão
diversificados como a banda
sonora da guerra do Vietnam, Ella Fitzgerald, 50 anos de
música africana, Mahalia
Jackson, Léo Ferré, José Afonso, Jacques Brel, ou até as
marchas dos santos populares em “Cá vai Lisboa episódios 1 e 2.
Revisitar “Crónicas da
Idade Mídia”, além de um mergulho profundo em múltiplas
manifestações da cultura popular, é manter vivo o legado de um homem glorificado na sua morte,
e que só o tremendo
preconceito (ideológico) vigente em Portugal impediu de ser
uma presença mais assídua nos órgãos de comunicação social enquanto vivo.
Tínhamos agendada uma
conversa com vista a um trabalho em preparação para a Revista
do Expresso e no qual, acredito, Rúben poderia ter um papel crucial na
reconstrução de muito específicas
vivências culturais e políticas em Portugal nos anos de 1960
e 1970. A distância entre o meu Porto e a sua Lisboa gerou sucessivos
adiamentos. Até ser demasiado tarde.
Despeço-me com a primeira parte de mais um dos programas de Rúben
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Isaura Assunção da Silva
Borges Coelho estava entre as mulheres que protagonizaram a luta contra o
fascismo português. Estava a escassos dias de completar 93 anos e morreu nesta
terça-feira na Parede, concelho de Cascais, onde residia com o marido, o
historiador António Borges Coelho. Natural de Portimão, onde nasceu a 20 de
Junho de 1926, foi presa e
torturada pela PIDE pela sua atividade de resistente
antifascista, que incluiu a luta pelo direito às enfermeiras se poderem casar.
Em 2002 foi condecorada pelo então Presidente da República Jorge Sampaio com a Ordem da Liberdade.»
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