Marega e
racismo
O episódio Marega ganhou
foros de acontecimento por demais relevante e suscitou (e continua a suscitar)
uma onda de mediatização que exige reflexão e tomadas de posição. Que, pela
dimensão e carácter apaixonado da campanha, têm de ser corajosas pois
estremaram-se campos de consensualidade que, se por um lado, se simplificam com
as etiquetas de racistas e anti-racistas, em certos pontos da apaixonada e
superficial argumentação se confundem contraditoriamente.
Não que me esteja a assumir como
paladino de uma posição arbitral, reflectida e de bom senso mas que, no
contexto, teria de ser corajosa. É uma mera reflexão para uso restrito,
“caseiro” e pouco mais.
Já assim não é com o Espaço Público, assinado
no sábado
passado por José Pacheco Pereira. Que, com coragem – como não lhe tem faltado
em outras oportunidades e temas – toma posição logo a partir do título É racismo ou é racismo no contexto da
cultura de violência no desporto?, posição que subscreveria quase na
totalidade.
Mas vou mais longe, talvez
incendiado pela intervenção de deputada do BE na sessão comemorativa do 50º da
Associação Caboverdeana, no painel “As
novas gerações de luso-caboverdianos e/ou afro-portugueses e outros
descendentes de caboverdianos e de outros africanos”.
Beneficiando da falta de
comparência de outras deputadas, Joacine e outra (bem justificadas pela
desmesura do número de painéis e total desacerto nos horários), a deputada deu
um verdadeiro espectáculo (para mim) de demagogia, ilustrando o aproveitamento
das questões fracturantes para propaganda partidária, na ausência ou apagamento
das questões de fundo, ideológicas (fragilidade ideológica ou assumida esta
como inutilidade, e que se transforma em apanágio…). Pegou no caso Marega e foi
um… “ver se te avias” em propaganda do Bloco de Esquerda!
Ora o que me parece de
imprescindível cerne da questão levantada pela atitude do profissional de
futebol Marega começa pelo que está no texto do JPP e pode ir mais longe.
Diria que o fomentado até à
exaustão lugar do futebol na sociedade em que vivemos se inscreve numa mais
larga concepção do outro como i) o explorador ou ii) o explorado, iii) o
individual não inserido no social, iv) o não-eu (e próximos ou
familiares), v) os exógenos dos
colectivos restritos e particulares, vi) as
parcelas excluídas da soma.
Não se demonize o futebol,
actividade lúdica e/ou espectáculo em que se reflectem especificidades das
relações sociais, para além das baseadas na relação com a natureza como forças
produtivas, as que nos satisfazem as necessidades de todos de forma desigualitária,
por isso anti-social e desumana; não se demonize porque corresponderia a amnistiar o que instrumentaliza
o conjunturalmente privilegiado para manipulação de consciências, ao serviço de
interesses que as querem abúlicas.
Explorar o outro, diminui-lo, valorizá-lo se nos serve, insultá-lo se nos contraria, insultá-lo para o
desequilibrar como adversário, fazer
dele o inimigo e, se com força para
isso, eliminá-lo... eis o que
prevalece no tempo que vivemos. Em que lutamos para que seja outro o tempo porque
outra a maneira de ver o outro.
Insultar o outro por ter
outra cor? Pode ser ou não manifestação de racismo. E, entre parênteses,
afirmo, convictamente, que nunca senti em mim qualquer mínimo sinal de pulsão
racista e, racionalmente considero intolerável qualquer atitude que seja
racista.
No entanto, vejamos…, há
intenções que podem não ser de agredir alguém por ser de outra cor mas, só (!!!),
por ser o adversário a vencer, a derrotar em competição em que apenas deveria
haver parceiros. Como o insulto à mãe, ao coxo, ao careca, ao corcunda, a
qualquer visível característica que identifique o outro como o não-eu, o não
coevo, como o adversário a vencer, o inimigo a abater…
Ou… para o valorizar por ser
um dos “eu-nossos”, ou por nos agradar, nos divertir, nos servir como artista,
bufão ou servo !
(ah! g’anda preto que meteste o golo…, ah! filho da puta do puto que é
endiabrado, ah! cabrão de gajo que tem muita piada, ah! raio da boa louraça!,
canta como um rouxinol, ah! g’anda marreco! que escreves p’ra caraças, ah!
g’anda coxo que bem que dizes o Melro do
Guerra Junqueiro)
(podem ser) Interjeições! Reveladoras
de uma cultura que importa corrigir, certo. Sobretudo quando não o são só. Não se
aproveitem para servir de prova ou até de alimento para o que nos pode servir, para estímulo (em
eventual boa fé) do que se aparenta e afirma combater.
Cave-se um pouco mais fundo, veja-se um pouco mais além!
1 comentário:
É evidente que o insulto teve a ver com o opositor-desportivo,mas a forma como o injuriou é tipicamente racista.Claro que se tem de ir mais longe. Bjo
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