terça-feira, fevereiro 25, 2020

Reflexões lentas - sobre racismo e manipulações


Marega e racismo

O episódio Marega ganhou foros de acontecimento por demais relevante e suscitou (e continua a suscitar) uma onda de mediatização que exige reflexão e tomadas de posição. Que, pela dimensão e carácter apaixonado da campanha, têm de ser corajosas pois estremaram-se campos de consensualidade que, se por um lado, se simplificam com as etiquetas de racistas e anti-racistas, em certos pontos da apaixonada e superficial argumentação se confundem contraditoriamente.
Não que me esteja a assumir como paladino de uma posição arbitral, reflectida e de bom senso mas que, no contexto, teria de ser corajosa. É uma mera reflexão para uso restrito, “caseiro” e pouco mais.
Já assim não é com o Espaço Público, assinado
no sábado passado por José Pacheco Pereira. Que, com coragem – como não lhe tem faltado em outras oportunidades e temas – toma posição logo a partir do título É racismo ou é racismo no contexto da cultura de violência no desporto?, posição que subscreveria quase na totalidade.
Mas vou mais longe, talvez incendiado pela intervenção de deputada do BE na sessão comemorativa do 50º da Associação Caboverdeana, no painel “As novas gerações de luso-caboverdianos e/ou afro-portugueses e outros descendentes de caboverdianos e de outros africanos”.
Beneficiando da falta de comparência de outras deputadas, Joacine e outra (bem justificadas pela desmesura do número de painéis e total desacerto nos horários), a deputada deu um verdadeiro espectáculo (para mim) de demagogia, ilustrando o aproveitamento das questões fracturantes para propaganda partidária, na ausência ou apagamento das questões de fundo, ideológicas (fragilidade ideológica ou assumida esta como inutilidade, e que se transforma em apanágio…). Pegou no caso Marega e foi um… “ver se te avias” em propaganda do Bloco de Esquerda!
Ora o que me parece de imprescindível cerne da questão levantada pela atitude do profissional de futebol Marega começa pelo que está no texto do JPP e pode ir mais longe.
Diria que o fomentado até à exaustão lugar do futebol na sociedade em que vivemos se inscreve numa mais larga concepção do outro como i) o explorador ou ii) o explorado, iii) o individual não inserido no social, iv) o não-eu (e próximos ou familiares), v) os exógenos dos colectivos restritos e particulares, vi) as parcelas excluídas da soma.
Não se demonize o futebol, actividade lúdica e/ou espectáculo em que se reflectem especificidades das relações sociais, para além das baseadas na relação com a natureza como forças produtivas, as que nos satisfazem as necessidades de todos de forma desigualitária, por isso anti-social e desumana; não se demonize porque  corresponderia a amnistiar o que instrumentaliza o conjunturalmente privilegiado para manipulação de consciências, ao serviço de interesses que as querem abúlicas.
Explorar o outro, diminui-lo, valorizá-lo se nos serve, insultá-lo se nos contraria, insultá-lo para o desequilibrar como adversário, fazer dele o inimigo e, se com força para isso, eliminá-lo... eis o que prevalece no tempo que vivemos. Em que lutamos para que seja outro o tempo porque outra a maneira de ver o outro.   
Insultar o outro por ter outra cor? Pode ser ou não manifestação de racismo. E, entre parênteses, afirmo, convictamente, que nunca senti em mim qualquer mínimo sinal de pulsão racista e, racionalmente considero intolerável qualquer atitude que seja racista.
No entanto, vejamos…, há intenções que podem não ser de agredir alguém por ser de outra cor mas, só (!!!), por ser o adversário a vencer, a derrotar em competição em que apenas deveria haver parceiros. Como o insulto à mãe, ao coxo, ao careca, ao corcunda, a qualquer visível característica que identifique o outro como o não-eu, o não coevo, como o adversário a vencer, o inimigo a abater…
Ou… para o valorizar por ser um dos “eu-nossos”, ou por nos agradar, nos divertir, nos servir como artista, bufão ou servo !

(ah! g’anda preto que meteste o golo…, ah! filho da puta do puto que é endiabrado, ah! cabrão de gajo que tem muita piada, ah! raio da boa louraça!, canta como um rouxinol, ah! g’anda marreco! que escreves p’ra caraças, ah! g’anda coxo que bem que dizes o Melro do Guerra Junqueiro)

(podem ser) Interjeições! Reveladoras de uma cultura que importa corrigir, certo. Sobretudo quando não o são só. Não se aproveitem para servir de prova ou até de alimento para o que nos pode servir, para estímulo (em eventual boa fé) do que se aparenta e afirma combater.

Cave-se um pouco mais fundo, veja-se um pouco mais além!

1 comentário:

Olinda disse...

É evidente que o insulto teve a ver com o opositor-desportivo,mas a forma como o injuriou é tipicamente racista.Claro que se tem de ir mais longe. Bjo