quarta-feira, março 24, 2021

"Estupidezes"?

No seu alargado circuito da procura de informação, os meus olhos folheadores detiveram-se, piscaram em curto-circuito (e o meu ego agigantou-se!):

"- A regra de 3% para o défice deve desaparecer? 

(...) é sempre melhor não pôr números específicos numa regra orçamental. É uma má ideia porque as circunstâncias mudam, as taxas de juro podem mudar, o crescimento potencial da economia também. Pessoalmente, eu não me fixaria nem nos 3% nem nos 60% para todos os países. Acredito que a referência aos 3% se mantenha no sistema, mas já não faz sentido estarmos presos a estes números. "

Não, não era uma citação de parte de uma das muitas intervenção, nos idos anos 90, de um deputado do PCP na comissão monetária do Parlamento Europeu, durante uma das muitas reuniões para a criação da moeda única, contra as regras que se impunham como limites técnicos inatacáveis e inabaláveis, armas políticas para a subordinação de Estados-membros, servindo interesses e objectivos escamoteados Podia lá ser... 

Era, sim,  parte de um elucidativo texto de João Ramos de Almeida no blog Ladrões de Bicicletas, em que transcreve a resposta de um economista do Conselho Orçamental Europeu. Leia-se, que vale a pena:

"ESTUPIDEZES" VITALÍCIAS

A ideia pode ser tão idiota como esta: um dia, em Maastricht uns tantos senhores - entre eles Cavaco Silva, nem que fosse por interposta pessoa de Jorge Braga de Macedo ou Vítor Gaspar que negociaram a ideia - enfiaram uma banana no ouvido em nome de um projecto monetário europeu. Mas quando lhes perguntaram porque não a tiravam - afinal, não fazia sentido, a banana não cabia no ouvido e, mesmo se coubesse, iria fazer mal à saúde de quem tentasse - responderam que não a podiam tirar porque os mercados financeiros iriam reagir negativamente...  

A regra de Maastricht - de que os todos os Estados integrantes da zona euro devem ter um défice público de 3% do PIB e uma dívida de 60% - é estúpida. Já se sabia em 1992, mas foi mantida durante 30 anos por forma a manter a trela apertada por parte de certos desses Estados. 

Para os fanáticos da austeridade, que a cavalgam como forma de defender um Estado Social mínimo com entrega das suas funções à provisão privada, convém ler esta entrevista de Xavier Debrun, um dos membros do Conselho Orçamental Europeu (COE), organismo criado para gerir a política orçamental na zona euro.

Nomeadamente esta passagem: 

"- A regra de 3% para o défice deve desaparecer? 

-  Pessoalmente, penso que é uma regra que não faz sentido. Em Setembro de 1999, quando se escreveram os tratados em Maastricht, os 3% para o défice e os 60% para a dívida eram essencialmente a média existente na altura e pensava-se que era um bom nível para estar. Depois, alguns economistas na Comissão Europeia decidiram racionalizar estas metas e calcularam que um país que tivesse um défice de 3% para sempre e a economia crescesse 3% ao ano em termos reais, com 2% de inflação, acabaria por caminhar para uma dívida de 60%. Claro que hoje, se se fizesse o mesmo exercício, com um crescimento real anual dificilmente muito maior que 1%, o défice de 3% para sempre conduziria a uma dívida de 100%, não 60%. É por isso que é sempre melhor não pôr números específicos numa regra orçamental. É uma má ideia porque as circunstâncias mudam, as taxas de juro podem mudar, o crescimento potencial da economia também. Pessoalmente, eu não me fixaria nem nos 3% nem nos 60% para todos os países. Acredito que a referência aos 3% se mantenha no sistema, mas já não faz sentido estarmos presos a estes números. "

Não é que as soluções defendidas na entrevista sejam uma nova garantia de sanidade. Aliás, mantêm-se fortes constrangimentos à soberania nacional ao defender-se a imposição de um tecto de despesa pública que condicionaria o nível da fiscalidade a aplicar. Mas é a prova de que, de 30 em 30 anos e depois de centenas de milhões de vidas estragadas, a União Europeia pensa... para evitar a degradação da vida social e, com ela, sempre o receio de revoluções na rua. Afinal, a Comuna de Paris não foi assim há tanto tempo. Refiria-me aos Gillets Jaunes..



pensará?,
pergunto eu

.

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