Quem mais se junta ao levantamento
de patentes das vacinas?
O anúncio de que os EUA estão disponíveis para apoiar a suspensão das
patentes de vacinas contra a Covid-19, seguiu-se de uma declaração de
submissão da UE, que até agora recusava esta opção.
Num volte-face, o anúncio feito esta quarta-feira pelos EUA pode vir a repercutir-se numa decisão sobre a suspensão de direitos de propriedade intelectual das vacinas de combate à Covid-19 no seio da Organização Mundial do Comércio (OMC), de acordo com a excepção ao Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS, na sigla em inglês) para situações de emergência. A próxima reunião do conselho TRIPS realiza-se na segunda metade de Maio e só haverá nova discussão a 8 e 9 de Junho, datas para as quais se remete uma decisão.
Esta declaração contrapõe a decisão, tomada no passado dia 10 de Março, pela OMC, de rejeitar o levantamento de patentes das vacinas da Covid-19, porque os EUA, os países da União Europeia (UE) e o Brasil não deram o seu consentimento à medida. A nova posição dos EUA já conseguiu, entretanto, o apoio de 164 países, mas como as decisões da OMC são tomadas por consenso, é preciso garantir concordância de estados que mantêm resistências, desde logo, os da UE, a Suíça e o Reino Unido.
Esta decisão vem, por um lado, dar força àqueles que há muito se batem por esta questão, no sentido de se garantir a universalização, a todos os povos do mundo, do acesso a vacinas e tratamentos no combate à pandemia, colocando-se agora a questão de saber quem mais se junta a «este lado da barricada».
A UE, pela voz da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, já veio dizer que a instituição passa a estar disponível para discutir a questão, depois de muitos meses a recusá-la terminantemente. E já anunciou que o tema será discutido na Cimeira Social, que se realiza este sábado no Porto.
E, no plano nacional, importa saber se o Governo e os partidos que chumbaram propostas desta natureza, quer na Assembleia da República, quer no Parlamento Europeu, vão também mudar de posição.
Recorde-se que há muito que esta opção vinha a ser defendida por países como a Índia e a África do Sul junto da OMS. E tanto os EUA, como a UE, a tinham recusado. Aliás, ainda na semana passada, o Parlamento Europeu rejeitou (com o apoio de PS, PSD e CDS-PP) uma proposta do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde (GUE/NGL), que PCP e BE integram, que previa especificamente que a UE apoiasse a iniciativa daqueles países junto da OMC para se derrogarem temporariamente os direitos de propriedade intelectual de vacinas e tratamentos contra a Covid-19.
Não obstante, esta mudança de posição de Joe Biden, justificada com a necessidade de aumentar a produção de vacinas globalmente, pode não ter como principal preocupação a saúde pública dos povos do mundo. Há de facto, ao longo do último ano, uma perda de influência por parte dos EUA junto de diversos países tendo em conta as opções tomadas no combate à pandemia. Espaço que, no quadro de um confronto global, está a ser ocupado pela China, cujas políticas de solidariedade e ajuda internacional têm tido grande destaque e eficácia.
Por outro lado, esta questão também põe à prova a credibilidade e submissão da UE relativamente à política norte-americana, que até agora sempre recusou esta hipótese, aliás, como ficou expresso na votação realizada também a semana passada no Parlamento Europeu, onde se rejeitou, com o aval de PS (excepto Sara Cerdas), PSD e CDS-PP, propostas do GUE/NGL que pretendiam assegurar o acesso universal às vacinas, consagrando-as como bem público.
Levantamento de patentes, questão há muito levantada
O facto de vários chefes de Estado, responsáveis no plano da UE, e até responsáveis políticos em Portugal terem sempre recusado a ideia de uma suspensão das patentes de vacinas e tratamentos contra a Covid-19, apoiando a posição das grandes farmacêuticas e dos grupos económicos que as controlam, tem tido como justificação a lógica de que o problema da produção não se resolveria por esta via.
No entanto, há largos meses que se desenvolvem campanhas internacionais, e também no plano nacional, para apelar aos governos que consagrem a vacina um bem público e que derroguem, mesmo que de forma temporária, os direitos de propriedade intelectual.
É o caso dos sucessivos apelos por parte da Organização Mundial da Saúde (OMS), a campanha de 375 organizações não-governamentais, como os Médicos Sem Fronteiras e ainda diversas propostas discutidas cá, na Assembleia da República.
Assim, o director da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, já aplaudiu a decisão da administração norte-americana, mas a Federação Internacional de Fabricantes e Associações Farmacêuticas (IFPMA) já a classificou de «a resposta errada» para um problema complexo.
Recorde-se que no início do mês de Abril se realizou um debate na Assembleia da República, por proposta do PCP, que visava a diversificação da aquisição de vacinas e a sua consagração como bem público. Iniciativa que acabou rejeitada por PS, PSD, CDS-PP, IL, PAN e Ch.
A actual situação contraria a ideia de que os povos só estarão seguros quando todos os países tiverem a maioria das suas populações imunizadas através da vacinação. Para contrariar estas prerrogativas dos grandes grupos farmacêuticos, propôs-se assim a partilha do conhecimento e o aumento da produção de vacinas, designadamente por via da eliminação ou suspensão de patentes e direitos de propriedade intelectual em favor do acesso universal e global, da produção local e do planeamento público da vacina como um direito universal.
2 comentários:
Esta não vai ser uma batalha fácil, nem curta, mas é justa.
Abraço!
Uma medição de forças,entre o lucro e a saúde como bem público.Agora que o mundo deixou de ser unipolar,os exemplos no terreno terão o seu peso,nomeadamente o da China.Vamos ver.Bom fim de semana.
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