terça-feira, outubro 14, 2008

Materialismo histórico - 29

Assim se chegou ao capitalismo, como modo de produção e como formação social. Não como fim da História. Simplesmente como o patamar em que nos calhou viver. E procurar perceber a vida que vivemos.

Mas… o que é o capital? O capital não é uma coisa nem uma relação entre coisas, o capital é uma relação social de produção que se estabelece em determinado momento histórico imposta por uma classe, a burguesia – detentora dos meios de produção –, a uma outra que ela própria faz nascer no seu bojo, o proletariado, e é, igualmente, um valor que permite a essa classe, em determinadas condições históricas, a apropriação de mais-valias por via da exploração do trabalho assalariado.
O seu aparecimento temporal coincide – e não por acaso – com a discussão do conceito de valor, que, nas suas várias formas de se exprimir, assenta na propriedade específica de um bem ou produto (a partir de certa altura, mercadoria) satisfazer determinadas necessidades sociais, isto é, de necessidades dos seres humanos no momento histórico que vivem.
Depois de ter sido atribuída a origem do valor à natureza, à “terra” de onde se colhiam os “frutos”, os clássicos da economia política (David Ricardo, sobretudo) deram um importante passo ao considerarem estar essa origem no trabalho e, com Marx, ao fazer a distinção entre trabalho abstracto e trabalho concreto, entre valor de uso e valor de troca, o estudo da teoria do valor e das suas formas foi desenvolvido. E tem de o continuar a ser. Por outros lados e ocasiões se procura fazê-lo.

Enquanto valor, o capital é um valor monetário que se investe com vista a reproduzir-se, na sua génese e essência através da exploração dos trabalhadores.

Este gráfico procura ilustrar como se reproduz o capital sob a forma monetária, tendo por base a criação de valor pelos trabalhadores na produção de mercadorias.
Com D (dinheiro) os capitalistas compram M (mercadorias: por exemplo, fios, botões, pano, máquinas de costura, energia – troca igual – e força de trabalho – troca desigual), em (…P…), processo produtivo, produz-se M’ (mercadorias resultantes de M, a que se somou valor: por exemplo, camisas) e que se troca por D’ (mais dinheiro).
A mais-valia apropriada resulta de o valor acrescentado pelas horas de uso de força de trabalho não terem sido todas trocadas por salário, sendo este insuficiente para que os trabalhadores, proprietários dessa mercadoria-força de trabalho, possam ter acesso ao produto que produziram, a que acrescentaram valor, mas apenas ao que lhes possibilita a satisfação de algumas das suas necessidades.

9 comentários:

Maria disse...

Clarinho e transparente, como é habitual.
E como é o que acontece exactamente nos nossos dias penso que toda a gente que aqui vier vai perceber este teu post e vai apenas... aplaudir-te... :)))

Abreijos, e obrigada

Sérgio Ribeiro disse...

'Tás a brincar comigo?!... ou com "eles"?!

Obrigado e abreijos

Anónimo disse...

-É por estas e por outras que não há volta a dar ou nos dão aquilo que é nosso...que resulta sempre da força do nosso trabalho... caso contrário estará para sempre o caldo entornado.
a.ferreira

Anónimo disse...

Stôr
Podemos deduzir que a partir de então a luta agudizou-se?
Grande abraço amigo!

Anónimo disse...

Xô tôr.

Este seu episódio 29 da novela contém umas coisas interessantes. Enquanto umas representam os erros próprios do marxismo, outras estão em contradição com o próprio marxismo. Vocelência esclarecerá, se estiver para aí virado.

As mercadorias trocam-se pelos seus valores ou não? A “força de trabalho”, sendo considerada como mercadoria e nesta qualidade igual a tantas outras, é trocada pelo seu valor ou não? Se sim, a troca das mercadorias é uma troca equitativa ou não? Se sim, porque aparece na sua explicação a troca da “força de trabalho” por outras mercadorias como sendo uma troca desigual?

No processo produtivo em que entram como valores de uso, como utilidades, as mercadorias produzem outras utilidades, outras mercadorias. No processo de produção, as mercadorias entram com os seus valores, com os valores que adquiriram no processo da sua própria produção anterior. O valor do produto resultante é um somatório dos valores das mercadorias participantes no processo de produção. Porquê apresentar o produto resultante como tendo mais valor do que o somatório dos valores das mercadorias participantes?

Algo, no processo de produção, produz mais valor do que o seu próprio valor? Existe algo que proporcione mais do que contenha, seja o que for que contenha? Pertence a “força de trabalho” a esse algo milagroso? Qual o virtuosismo que permitiria à “força de trabalho” semelhante sortilégio? Alguma poção mágica?

Quando o Xô tôr apresenta a troca da mercadoria “força de trabalho” como uma troca desigual quererá dizer que a desigualdade existe na troca, na esfera da circulação das mercadorias, exterior ao processo de produção propriamente dito, ou processo de trabalho imediato, ou neste processo? Se a desigualdade é gerada na troca, é aí que é gerada a mais-valia, a diferença dos valores trocados?

A mais-valia seria um valor acrescentado no processo de produção ou um valor subtraído no processo de circulação? Neste último caso, quando a apropriação de uma parte do valor se realiza na troca, a afirmação de que no processo de produção se produziu mais valor do aquele que nele entrou é verdadeira ou falsa?

Poderá continuar a afirmar que a “força de trabalho” é trocada pelo seu valor? Em que factos poderá ser fundamentada a afirmação de que as mercadorias, incluindo a “força de trabalho”, são trocadas pelos seus valores?

Em resumo, a explicação marxista da exploração dos trabalhadores assalariados representa a realidade ou constitui uma sua imagem invertida?

Se tiver disposição para responder, poderemos falar a seguir sobre esse conceito de valor e se existirão apenas essas duas categorias que refere, o valor de uso e o valor de troca. É que se as mercadorias não forem trocadas pelos seus valores, isto é, se os seus valores de troca não forem coincidentes com os seus valores, será certamente porque haverá também essa coisa do valor. Que será ele?

A.Fagundes, um criado às ordens de Vocelência.

Anónimo disse...

O Palma Cavalão continua a poluir. Porque não fica ele pela Corneta do Diabo? Aí sim, é o seu lugar. Xô, XÕ.

Tadinho, sempre a procurar um bocadinho de atenção.

Campanica

Sérgio Ribeiro disse...

Não me importa de onde vêm as dúvidas válidas. Estou sempre, sempre, aberto ... a ter dúvidas, a assumi-las, venham de onde vierem e procuro afrontá-las com base no fixe das certezas e convicções que tenho.
A umas que estarão por aí, voltarei, com gosto e quando tiver tempo. Ignorando o "embrulho" em que vêm e laçarotes a enfeitá-las.

Olá, Campaniça, isso vai melhor?

Anónimo disse...

Xô tôr

Constato que Vocelência ainda não respondeu às questões que lhe foram colocadas (que um tanto "sabiamente" apelidou de dúvidas minhas). Corrijo-o: não são dúvidas, são interrogações que lhe foram colocadas baseadas em opiniões fundadas.

Para ajudá-lo a resolver as suas dúvidas, questiono mais outra falácia do Marx que o xô tôr reproduz com o conhecido esquema D-M-D’. Os capitalistas não compram com o dinheiro inicial meios de produção e “força de trabalho”. Compram meios de produção, e por isso são seus. A “força de trabalho” (depois poderei explicar-lhe porque coloco aspas) alheia é apenas apalavrada. Fornecido o trabalho, produzida e vendida a nova mercadoria, os capitalistas obtêm dinheiro e deduzem dele o correspondente ao salário, ficando então com mais dinheiro do que o inicial. Isto ajudá-lo-á a compreender que a mais-valia não é produzida, mas obtida na troca, numa relação social de troca desigual. Para efeito de simplificação, neste exemplo considerou-se um ciclo produtivo curto, com pagamento do salário coincidente com a venda da nova mercadoria, como existe na realidade em muitas actividades produtivas.

O salário tão pouco foi o pagamento da produção da “força de trabalho” despendida, a qual, para existir foi produzida às custas do trabalhador, com meios de subsistência anteriores, porque os capitalistas não gostam de adiantar seja o que for para outros. O salário irá servir para produzir capacidade de produzir novo trabalho. Se o capitalista não adiantou dinheiro para produzir a “força de trabalho” consumida, em boa verdade não a comprou, ou, quando muito, comprou-a a crédito, pagando-a depois de vendê-la, integrada na nova mercadoria. Até nisso são uns sortudos, os malandros, porque a necessidade dos trabalhadores assim lhes permite. E, quando são caloteiros, então, ficam devendo o pagamento a quem lhes forneceu trabalho. O esquema é, então outro: D—M—D’-v—D’’ = (D+l).

Espero que tenha compreendido que a afirmação de que as mercadorias são trocadas pelos seus valores é mesmo uma ideia dos próprios capitalistas, para se apresentarem como honrados e impolutos cidadãos. Assim como espero que se interrogue porquê que o Marx não pôs em causa esta visão burguesa da troca capitalista e tenha tido necessidade de recorrer às falácias de que o trabalhador vendia a sua “força de trabalho” — a sua capacidade de produzir trabalho, coisa que não podia fornecer a ninguém — e não o seu trabalho, e a de que aquela tão especial mercadoria teria a “utilidade” de fornecer mais valor do que o que conteria, contrariando toda a física, concebendo o valor como produto da utilidade e explicando o valor apropriado pelo capitalista com a troca desigual que efectua com o trabalhador como coisa natural, resultante de ter comprado uma mercadoria tão especial. Era difícil, naquele tempo, deslindar uma aparência da realidade tão enraizada na sociedade, não há dúvida. Mas não acha mesmo a concepção marxista da mais-valia uma concepção também ela muito especial? Assim a modos que a atirar para a confusão da causa com o seu efeito?

Decida-se, porque isto poderá ser interessante. Se for muito complicado, também poderei trocar por miúdos.

A.Fagundes, um criado às ordens de Vocelência.

Anónimo disse...

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
– Garrafa, prato, facão –
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
– Exercer a profissão –
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
– "Convençam-no" do contrário –
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
– Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

– Loucura! – gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
– Mentira! – disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.



A opinião do POETA.