terça-feira, janeiro 19, 2010

O que não se lê sobre o Haiti... mas deveria

Em vermelho, do Brasil:

18 de Janeiro de 2010 - 11h04
Carl Lindskoog: O que você não ouve sobre o Haiti, mas deveria

Nas horas seguintes ao terremoto que devastou o Haiti, CNN, New York Times e outras importantes agências de notícias adotaram a mesma interpretação para a grave destruição: o terremoto de 7 graus foi tão devastador porque atingiu uma zona urbana extremamente povoada e pobre. Casas “construídas umas em cima de outras” e feitas pelo próprio povo pobre fizeram da cidade um local frágil.

Por Carl Lindskoog*, em Opera Mundi
Os muitos anos de subdesenvolvimento e caos político do país fizeram com que o governo haitiano estivesse mal preparado para responder a um desastre desse tipo. É verdade. Mas essa não é toda a história. O que falta é uma explicação do motivo de existirem tantos haitianos vivendo dentro e nos arredores de Porto Príncipe e de tantos deles serem forçados a sobreviver com tão pouco.

Na verdade, até quando uma explicação é dada, muitas vezes é escandalosamente falsa, como o depoimento de um ex-diplomata norte-americano à CNN dizendo que a superpopulação de Porto Príncipe estava prevista pelo fato de que haitianos, como a maioria no Terceiro Mundo, não sabem nada sobre controle de natalidade.

Pode assustar os norte-americanos, famintos por notícias, saber que essas condições que a mídia atribui corretamente ao aumento do impacto deste tremendo desastre foi em grande parte produto da política de Washington e seu modelo de desenvolvimento.

De 1957 a 1971, os haitianos viviam sob à sombra escura de "Papa Doc" Duvalier, um ditador cruel que tinha apoio dos EUA porque era visto pelos norte-americanos como um anti-comunista confiável. Depois de sua morte, o filho de Duvalier, Jean-Claude "Baby Doc", tornou-se presidente vitalício aos 19 anos de idade e governou o Haiti até que finalmente foi derrubado em 1986. Foi nas décadas de 1970 e 1980 que Baby Doc, o governo dos EUA e a comunidade empresarial trabalharam juntos para colocar o Haiti e a capital do país nos trilhos.

Depois da posse de Baby Doc, planejadores norte-americanos dentro e fora do governo iniciaram seus planos de transformar o Haiti na “Taiwan do Caribe”. Este pequeno e pobre país situado convenientemente perto dos EUA foi instruído a abandonar o passado agrícola e a desenvolver um forte setor industrial de exportação orientada. Ao presidente e seus aliados, foi dito que este era o caminho para a modernização e o desenvolvimento econômico.

Planos da USaid

Do ponto de vista do Banco Mundial e da Agência para Desenvolvimento Internacional dos EUA (USaid), o Haiti era um candidato perfeito para uma reforma neoliberal. A pobreza enraizada do povo haitiano poderia ser usada para forçá-lo a trabalhar por baixos salários costurando bolas de beisebol e montando outros produtos.

Mas a USaid também tinha planos para a zona rural. Não eram somente as cidades que se tornariam bases de exportação, mas também o campo, com a agricultura haitiana reformulada com as linhas de exportação orientada e produção baseada no mercado. Para realizar isso, a Usaid, ao lado de industriais urbanos e grandes proprietários, trabalhou para criar instalações de agroprocessamento, mesmo enquanto eles aumentavam a prática de dumping para produtos agrícolas excedentes dos Estados Unidos ao povo haitiano.

Essa “ajuda” dos norte-americanos, juntamente com mudanças estruturais no campo de maneira previsível, forçaram os camponeses haitianos que não poderiam sobreviver ali a migrar para as cidades, especialmente para Porto Príncipe, onde os novos trabalhos na indústria supostamente estariam. No entanto, quando eles chegaram lá, não encontraram emprego suficiente para todos na indústria. A cidade ficou cada vez mais lotada. As favelas se expandiram. E para satisfazer a necessidade de habitação de camponeses desalojados, casas foram sendo erguidas rapidamente e a um preço mais baixo, algumas vezes “umas em cima das outras”.

Muito tempo atrás, porém, planejadores norte-americanos e elites haitianas decidiram que talvez seu modelo de desenvolvimento não funcionaria tão bem no Haiti, e o abandonaram. No entanto, as consequências dessas mudanças lideradas pelos norte-americanos continuam.

Na tarde e noite de 12 de janeiro de 2010, quando o Haiti vivenciou o terrível terremoto, depois do abalo não havia dúvidas que a destruição foi profundamente agravada pela real superpopulação e pobreza de Porto Príncipe e arredores. Mas os norte-americanos chocados podem fazer mais que balançar a cabeça e, com piedade, fazer uma doação. Eles podem confrontar a responsabilidade do seu próprio país pelas condições de Porto Príncipe que aumentaram o impacto do terremoto, e admitir o papel dos EUA de impedir o Haiti de alcançar um desenvolvimento significativo.

Aceitar a história incompleta do Haiti oferecida pela CNN e pelo The New York Times é culpar os haitianos por terem sido vítimas de um esquema que não foi criado por eles. Como John Milton escreveu, “eles, que tiraram os olhos das pessoas, são aqueles que as reprovam por sua cegueira”.

* Carl Lindskoog é ativista da cidade de Nova York e historiador doutorando da City University of New York. Artigo originalmente publicado no site Common Dreams.

4 comentários:

Maria disse...

Pois é, por cá não se lê. Mas felizmente tu estás atento...
E não é que são sempre os mesmos?

Um beijo

samuel disse...

Porque é que no Haiti seria diferente? A marca da bota do Império não engana...

Abraço.

Antonio Lains Galamba disse...

e a invasão militar imediata logo após o terramoto! que nova «estratégia» terão eles agora?

abraço

GR disse...

Por cá não lemos. Contudo, sabemos que onde eles estão a guerra, confusão e invasão fica instalada.

Um bj,

GR