Comecei a mexer em papéis velhos (estou sempre a mexer em papéis velhos…) e saltaram-me algumas “provas de censura” muito oportunas para o que aqui queria trazer, (pre)ocupado que ando com a televisão.
E fiquei preso na leitura, particularmente nas crónicas do Mário Castrim, para o Canal da Crítica do Diário de Lisboa. Sinto um misto de saudade, admiração e… irritação. Transcrevo a crónica de 10.04.1971 (até com dúvidas se não o fiz já...), de que foram cortados, pelos Serviços de Censura, os trechos a azul (cor do lápis da censura). Também é preciso que os jovens (que já hoje ultrapassam os 40 anos) saibam como era, e vejam as diferenças... e as semelhanças!
E fiquei preso na leitura, particularmente nas crónicas do Mário Castrim, para o Canal da Crítica do Diário de Lisboa. Sinto um misto de saudade, admiração e… irritação. Transcrevo a crónica de 10.04.1971 (até com dúvidas se não o fiz já...), de que foram cortados, pelos Serviços de Censura, os trechos a azul (cor do lápis da censura). Também é preciso que os jovens (que já hoje ultrapassam os 40 anos) saibam como era, e vejam as diferenças... e as semelhanças!
TELEVISOR FECHADO
PALAVRAS (MAIS OU MENOS) ABERTAS
Não me peçam tolerância: tolerância é concordância.
PALAVRAS (MAIS OU MENOS) ABERTAS
Não me peçam tolerância: tolerância é concordância.
Não me peçam bem soar: bem soar é abençoar.
Não me peçam compreensão: bem basta os que são.
Não me peçam que perdoe: já basta o que me dói.
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Eu sei que ninguém tem culpa. Então o que é que cada um tem?
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Mãos nuas, peito a descoberto. Ainda por cima, estou sentado.
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Eu sei que ninguém tem culpa. Então o que é que cada um tem?
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Mãos nuas, peito a descoberto. Ainda por cima, estou sentado.
Não nada mais indefeso que um homem sentado.
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Acredito no futuro da televisão
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Acredito no futuro da televisão
porque acredito na televisão do futuro.
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O povo não me passou procuração para falar em seu nome.
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O povo não me passou procuração para falar em seu nome.
Mas na destruição das minhas noites e dos meus dias,
existe um compromisso que desejo transparente.
E pelo qual me destruindo, me construo.
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Ando na palavra como o funâmbulo no seu arame.
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Ando na palavra como o funâmbulo no seu arame.
Uma vantagem para o funâmbulo:
o seu arame não é farpado.
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Então, contou a seguinte parábola:
Estava um homem a procurar, a procurar,
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Então, contou a seguinte parábola:
Estava um homem a procurar, a procurar,
no cesto das laranjas-palavras.
Angustiado, porque nem todas as laranjas são possíveis.
Quando rompeu a madrugada,
tinha na palma da mão a laranja-silêncio.
- Senhor, que faz o homem
- Senhor, que faz o homem
que só encontrou a laranja-silêncio?
E o senhor respondeu:
- O homem que só encontrou a laranja-silêncio,
E o senhor respondeu:
- O homem que só encontrou a laranja-silêncio,
meu filho, faz uma laranjada.
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Os meus momentos de maior reflexão acontecem quando,
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Os meus momentos de maior reflexão acontecem quando,
no fim da emissão,
desperta a imagem da bandeira portuguesa.
Quando vier a bandeira a cores,
será maravilhoso espectáculo.
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Os perigos de uma televisão que,
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Os perigos de uma televisão que,
não se desejando comercial na essência,
o seja por como modo de vida,
consistem em não se apurar com a suficiente clareza
se vive dos anúncios ou para os anúncios.
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Televisão ao serviço dos grandes “trusts”
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Televisão ao serviço dos grandes “trusts”
não faz serviço nacional.
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Na minha posição de crítico,
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Na minha posição de crítico,
só há uma coisa em que verdadeiramente acredito:
nas limitações.
Metem-se-me pelos olhos dentro. E levam-me os olhos.
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Alego a legítima defesa.
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Diz-se que o mal do Teatro na Televisão Portuguesa
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Alego a legítima defesa.
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Diz-se que o mal do Teatro na Televisão Portuguesa
consiste na procura de reportório para maiores de 12 anos.
Espanto-me!
Espanto-me!
Pois ainda há em Portugal indivíduos maiores de 12 anos?
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Todos são políticos. Mas: só alguns o são por política.
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Ser independente não é ser homem.
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Todos são políticos. Mas: só alguns o são por política.
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Ser independente não é ser homem.
Ser homem é escolher que dependência.
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A Televisão é uma força de respeito; por esse motivo,
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A Televisão é uma força de respeito; por esse motivo,
há que, permanentemente,
perder respeito a essa força.
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Lamentemos a sorte dos críticos sem Televisão.
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Lamentemos a sorte dos críticos sem Televisão.
Lamentemos, porém, e mais ainda,
uma Televisão sem críticos.
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Um indivíduo critica para viver;
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Um indivíduo critica para viver;
oxalá a contrapartida seja a existência
de um número cada vez maior de indivíduos
que vivam para criticar.
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O apelo à futilidade é a vocação de uma televisão
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O apelo à futilidade é a vocação de uma televisão
sem vocação popular.
Quer dizer: de uma televisão sem televisão.
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Está dito:
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Está dito:
o infantilismo é uma arma de dois gumes,
capaz de se voltar contra quem a usa.
Julgando criar adesão de grande público,
o que na verdade origina é a indiferença.
A amizade, a solidariedade,
fortalecem-se apenas no compromisso responsável.
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O crítico tecnocrata é o pior dos críticos.
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O crítico tecnocrata é o pior dos críticos.
É também o pior dos tecnocratas.
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Não existe, no presente,
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Não existe, no presente,
uma única rubrica de produção nacional
que disponha de grande audiência.
A língua portuguesa,
como instrumento vivo e quotidiano,
é a grande exilada da televisão portuguesa.
8 comentários:
Tão de hoje...
Um abraço.
Lembro ,com saudade, o Mário Castrim a quem chamava de "Sectário Geral" por ser um acérrimo militante do PCP. Muitas vezes começava a leitura do DL pelo Canal da Crítica.Em 1979 a RTP tinha um programa,péssimo,para crianças que Castrim detestava e desancava...Era o Topo Gigio do Rui Guedes. Mário Castrim dizia do pior (no seu melhor!) do Guedes que também tocava piano...Ficou-me na memória a frase com que Castrim encerrou a contenda "O Guedes não sabe tocar piano porque se senta ao piano com quem se senta na sanita"...pode não ter piada mas quando vejo ou oiço "tocar mal" lembro-me sempre de Mário Castrim...e já lá vão 30 anos...
Queria dizer "como quem se senta na sanita"
O Castrim era um génio... tão actual!
Um beijo
Mário Castrim, uma referência enorme, inesquecível.
1971 foi ontem? Não? É hoje!? Bem me queria parecer quando liguei a TV.
Faz tanta falta alguém assim!
Abraço.
Como o Castrim é actual!...
Após o 25 de Abril de 1974 eu, que esperava uma criança, encontrei o Mário Castrim numa Feira do Livro e pedi-lhe uma dedicatória num livro dele para a criança que ia nascer. E ele escreveu o seguinte "Amigamigo que vais nascer, o 25 de Abril é para ti". Maravilhoso. Nunca mais esqueci.Quão desiludido estaria ele hoje!! Mas a nossa luta continuará e a esperança de há 35 anos irá transformar-se em certeza. Só que não sei quando.
Um beijo.
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