segunda-feira, outubro 01, 2012

Crónica - "A VOZ DE UM CRISTÃO"




1.Com razão ou sem ela, suponho que o canal “Q” é desconhecido por uma enorme parte dos telespectadores e escassamente visitado pela minoria que sabe da sua existência. E não é porque os seus conteúdos tenham uma qualidade abaixo dos seus eventuais concorrentes, quanto a esse aspecto direi que até antes pelo contrário, mas sim porque apenas é fornecido por uma das distribuidoras de cabo que dominam esse mercado, de onde desde logo uma redução da audiência possível. Assim, também eu incorro no hábito de não frequentar o “Q”, e já por várias vezes me aconteceu arrepender-me dessa abstinência ao verificar que perdi uma ou outra entrevista com gente interessante, porventura porque à hora em que ela decorrera eu perdia o meu tempo e a minha paciência a assistir num dos canais de grande audiência a um programa imbecil ou a um debate envenenado. Ainda assim, porém, ao saber que na passada sexta-feira aconteceria no “Q” uma entrevista a D.Januário Torgal Ferreira, jurei a mim próprio que não a deixaria escapar. Jurei e cumpri, ainda que tenha sido obrigado a esperar por ela mais tempo do que esperava e a assistir a outras conversas não especialmente interessantes que a precederam.

2.A minha apetência por vezes até um pouco voraz pelas declarações de D.Januário Torgal Ferreira tem a ver, naturalmente, com a sua condição de alto dignitário da Igreja Católica e, por consequência, a sua voz ter uma audiência acima da que teria a de um qualquer cidadão anónimo, mas sobretudo com o facto de ser uma voz verdadeiramente cristã. A questão é que distingo, como me parece necessário, entre ser (ou parecer, ou passar por) católico e ser de facto cristão nos pensamentos, nas palavras e nas obras, afigurando-se-me que os primeiros são muitos e os segundos são poucos. Portugal é um país estatisticamente católico, o que aliás tem sido muito apreciado por sucessivos Papas, mas não me parece que seja um país densamente habitado por cristãos, o que seria mais difícil e seguramente muito desejável, sobretudo nos dias que estamos a viver. Ora, acontece que D.Januário é evidentemente cristão, o que se nota imenso nas suas palavras que denunciam e verberam os fariseus e os farisaísmos, na sequência das palavras e acções de Jesus que, como está registado nas Escrituras, fez muito mais que transformar a água em vinho, curar doentes e mesmo ressuscitar ao terceiro dia.

3.D.Januário Torgal Ferreira é, manifestamente, um cristão indignado, e convirá sublinhar que esta expressão, “cristão indignado”, em rigor se reveste hoje e aqui de um sabor pleonástico, pois um cristão não pode deixar de indignar-se perante um país onde há muita pobreza mas a partilha é rara, onde a mentira é permanente e a verdade é perseguida, onde uma minoria de poderosos não apenas vive do esbulho do trabalho alheio como condena a maioria à penúria e a um trajecto de degradação ao fim do qual estará o desespero. Porque é cristão, D.Januário é consequentemente fraterno, e por isso recusa duas formas de traição aos que considera irmãos: a traição pelo silêncio e a traição pela hipocrisia, nesta segunda modalidade se incluindo a efectiva cumplicidade com o crime mascarada de moderação verbal que é apenas uma forma de encobrimento. É claro que ao optar pelo desassombro como corajosa forma de cumprimento do dever D.Januário se expõe, se arrisca. Não é difícil imaginar que contra ele se tecem intrigas, se instalam armadilhas, se recrutam hostilidades remuneradas. Talvez também por isso tenha eu, como decerto muitos outros, tanta avidez pelas suas palavras. É verdade que quero ouvi-lo porque, além do mais, ouvi-lo me recorda que os cristãos, os que coerentemente o são, estão inevitavelmente nas fileiras dos que têm fome e sede de Justiça. Mas também é verdade que quero ouvi-lo enquanto não conseguem amordaçá-lo.

obrigado,
Correia da Fonseca!

1 comentário:

Olinda disse...

D.Januârio,ê,realmente,um ser muito interessante.Provävelmente defensor da teologia da libertacao.

Beijo