quarta-feira, maio 07, 2014

páginas de um quase-diário

07.04.2014

Hoje queria ter ido a Coimbra, e vivi o dia com a lembrança num homem que conheci no Aljube, há 51 anos.

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Era uma dúzia de homens numa grande sala. Que já fora enfermaria geral e que ficara com o nome. No último andar do Aljube.
Era uma dúzia de homens, não em fúria mas em trânsito.
O número variava porque entravam uns e saiam outros. Homens em trânsito, vindos dos “curros” e da tortura ou directamente da falsa liberdade, para a espera, em mais tempo de prisão, ali e depois em Caxias, da farsa de um “julgamento”, ou para a devolução à triste e enganadora liberdade “lá de fora”.
(…)
Um dia, lá estavam uns quatro ou cinco já quase residentes, entraram dois… senhores doutores. Dois homens “de presença”, de mais idade e porte, dois médicos. Feitas as apresentações, soube-se que eram o Orlando Carvalho, neurologista, e o Seabra Dinis, psiquiatra. Eram muito diferentes… sendo iguais na condição. Médicos prestigiados, com uma clientela (“utentes”) “de luxo”, em que não faltavam, ao que depressa todos os outros se aperceberam, esposas de figurões muito bem colocados. Que até exigiam, as esposas…, que lhes fosse facultado dar consulta apesar daquela condição em que eles estavam. Igual à de todos. “Detidos” às ordens da PIDE!
(…)
Seabra Dinis, no pouco tempo que esteve detido, foi muito útil a todos os companheiros. De uma grande simpatia e afabilidade, ensinou métodos de descontracção, que praticava e de que deu verdadeiras aulas práticas colectivas, que poderiam ter utilidade no confronto desigual e violento com os esbirros. Houve, também, episódios muito curiosos que se recordam com alguma nostalgia. Como se tal fosse possível relativamente àqueles tempos. Mas é!
(…)
Orlando Carvalho morreu, pouco tempo depois de eu ter saído de Caxias, num acidente de automóvel, e fui ao seu enterro, no Alto de S. João.
Com Seabra Dinis, encontrei-me, mais tarde, numa pastelaria na Alexandre Herculano, para uma longa conversa que lhe pedi, sobre mim e a minha vida pessoal. Foi dos momentos em que se sente e comprova a qualidade de um homem.
    

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Hoje queria ter estado em Coimbra, no seminário que assinalou o centenário de Joaquim Seabra Dinis.



4 comentários:

Olinda disse...

Porque viveste e ê importante contar.A memôria viva,para que nunca mais haja fascismo.

Um beijo

Graciete Rietsch disse...

Tantos homens e mulheres "importantes" que partilharam e lutaram pelos ideais de um mundo melhor!!!! E tantos trabalhadores anónimos que estiveram juntos com eles,na mesma luta, e cujos conhecimentos ultrapassavam, de longe,os de uma grande parte dos doutores de hoje! Dentre esses recordo Diniz Miranda, um homem excecional que conheci no tempo do fascismo e voltei a encontrar depois do 25 de ABRIL.
Infelizmente deixou-nos muito cedo.
Aqui deixo a minha homenagem a todos os que hoje e ontem e desde sempre deram o seu grande contributo e até a vida à luta, sem exigir ou sequer pensar noutra compensação que não fosse a vitória dos seus ideais socialistas.

Um beijo para ti, que incluo nesses heróis.

Justine disse...

Sempre tão impressionante, po rmais vezes que te leia ou te ouça contar...

Antuã disse...


Os esbirros andam por aí.