07.04.2014
Hoje queria ter ido a Coimbra, e vivi o dia com a lembrança num homem
que conheci no Aljube, há 51 anos.
&-----&-----&
Era
uma dúzia de homens numa grande sala. Que já fora enfermaria geral e que ficara
com o nome. No último andar do Aljube.
Era
uma dúzia de homens, não em fúria mas em trânsito.
O
número variava porque entravam uns e saiam outros. Homens em trânsito, vindos
dos “curros” e da tortura ou directamente da falsa liberdade, para a espera, em
mais tempo de prisão, ali e depois em Caxias, da farsa de um “julgamento”, ou
para a devolução à triste e enganadora liberdade “lá de fora”.
(…)
Um
dia, lá estavam uns quatro ou cinco já quase residentes, entraram dois…
senhores doutores. Dois homens “de presença”, de mais idade e porte, dois
médicos. Feitas as apresentações, soube-se que eram o Orlando Carvalho,
neurologista, e o Seabra Dinis, psiquiatra. Eram muito diferentes… sendo iguais
na condição. Médicos prestigiados, com uma clientela (“utentes”) “de luxo”, em
que não faltavam, ao que depressa todos os outros se aperceberam, esposas de figurões
muito bem colocados. Que até exigiam, as esposas…, que lhes fosse facultado dar
consulta apesar daquela condição em que eles estavam. Igual à de todos.
“Detidos” às ordens da PIDE!
(…)
Seabra
Dinis, no pouco tempo que esteve detido, foi muito útil a todos os companheiros.
De uma grande simpatia e afabilidade, ensinou métodos de descontracção, que
praticava e de que deu verdadeiras aulas práticas colectivas, que poderiam ter utilidade
no confronto desigual e violento com os esbirros. Houve, também, episódios muito
curiosos que se recordam com alguma nostalgia. Como se tal fosse possível relativamente
àqueles tempos. Mas é!
(…)
Orlando
Carvalho morreu, pouco tempo depois de eu ter saído de Caxias, num acidente de automóvel,
e fui ao seu enterro, no Alto de S. João.
Com Seabra
Dinis, encontrei-me, mais tarde, numa pastelaria na Alexandre Herculano, para uma
longa conversa que lhe pedi, sobre mim e a minha vida pessoal. Foi dos momentos
em que se sente e comprova a qualidade de um homem.
&-----&-----&
Hoje queria ter estado em Coimbra, no seminário que assinalou o centenário de Joaquim Seabra Dinis.
4 comentários:
Porque viveste e ê importante contar.A memôria viva,para que nunca mais haja fascismo.
Um beijo
Tantos homens e mulheres "importantes" que partilharam e lutaram pelos ideais de um mundo melhor!!!! E tantos trabalhadores anónimos que estiveram juntos com eles,na mesma luta, e cujos conhecimentos ultrapassavam, de longe,os de uma grande parte dos doutores de hoje! Dentre esses recordo Diniz Miranda, um homem excecional que conheci no tempo do fascismo e voltei a encontrar depois do 25 de ABRIL.
Infelizmente deixou-nos muito cedo.
Aqui deixo a minha homenagem a todos os que hoje e ontem e desde sempre deram o seu grande contributo e até a vida à luta, sem exigir ou sequer pensar noutra compensação que não fosse a vitória dos seus ideais socialistas.
Um beijo para ti, que incluo nesses heróis.
Sempre tão impressionante, po rmais vezes que te leia ou te ouça contar...
Os esbirros andam por aí.
Enviar um comentário