sábado, fevereiro 21, 2015

Reflexões lentas – sobre um marxista errático, um Marx com erros e truques correlativos

Há muita maneira de acompanhar o que está a acontecer na Europa, na União Europeia dentro da Europa, no EuroGrupo dentro da União Europeia, dentro e entre os países que são Estados-membros, cada um no seu e todos na confusão que grassa.
Pelo meu lado, procuro acompanhar tudo em todas as suas faces e versos. O que é, evidentemente, uma tarefa impossível… Mas tento apanhar, de cada face, de cada verso, uma faceta ou uma facécia, algo que me ajude a perceber melhor o tempo que me calhou viver.
O aparecimento meteórico de Yanos Varoufakis despertou-me muito interesse. O protagonismo que foi tomando, com a postura (ou pose?) determinada e convicta, arrasta as perguntas quem é? e de onde apareceu?. Naturalmente, as respostas encontradas pelo Expresso, que as foi buscar ao The Guardian (que também visitei), dizem muita coisa do homem, até porque ele as diz de si. E não são de hoje, e hoje não as renega, actualiza-as. Actualiza relativamente ao Festival de Cinema de Zagreb, de 2013, em que fez uma intervenção, que agora retoma, e que o retrata.
Não obstante simpatizar com a afirmação de que Marx lhe deu as ferramentas que o tornam imune à propaganda (a que chama tóxica) do neoliberalismo, não vejo muito bem como pode usar essa ferramenta para salvar o capitalismo de si próprio, o que terá a ver com a sua vocação ou tendência para abusar do errático.
A expressão/definição marxista errático é bastante sugestiva. E, só por si, é traço identificador. Aliás, quem se queira marxista terá de ter algo de errático (como será o significado do que se traduziu por erratic e errático em língua grega?) porque interpreto ser marxistacomo não ser dogmático, fechado, detentor de um ”modelo”, antolhada. Como ter Marx por exemplo, na sua eterna (enquanto vivo) busca de conhecer mais e melhor (a sempre inalcançada “perfeição das cousas”, diria Cesário que continuaria à procura se ainda estivesse vivo século e meio depois). Vou mais longe: marxista errático é redundante.
Mas também pode ser contraditório se se abusar do errático e o tornar em “à deriva”, ou confundir com denúncia de erros de Marx. Que os teve, naturalmente. Que reconheceu alguns e alguns corrigiu, como o de, no Manifesto (com Engels) falar de trabalho onde devia falar de força de trabalho.
Por isso me parece desajustado e malevolamente aproveitada a proximidade léxica e a referência a erros de Marx dos quais o humilde Marx não tem qualquer responsabilidade. Nem o marxismo.
E aqui entronca uma outra confusão (se confusão é). Entre marxismo e comunismo, ou melhor: entre marxista e comunista. Para mim, ser comunista é ter uma concepção de vida e de universo, e assumir a tarefa de ajudar à transformação do mundo para o tornar mais humano segundo essa concepção. E acho eu (veja-se lá…) que se pode ser comunista sem se ser marxista (por de Marx pouco ou nada se saber), mas já dificilmente entendo que se diga marxista quem não seja comunista. Pois ser marxista implica a assunção dessa tarefa transformadora. Que terá de ter gradações erráticas porque errático é o fluir da história, é a sucessão dos sucessos. E implica a participação em colectivos que, enquanto organização para o cumprimento da tarefa assumida, tenham o marxismo como parte fundamental da base teórica.
O que ainda menos entendo é que, após a errática auto-definição de marxista errático e de denunciar "dois erros espectaculares de Marx", que não se percebe muito bem quais tenham sido, Varoufakis avance com o enunciado de um truque, cujo seria o de evitar o marxismo revolucionário. Ou seja, havendo um marxismo errático, o que haveria a fazer seria usar do truque de evitar que o errático passasse pela revolução, quando o marxismo é revolucionário, filosófica e economicamente, porque a sua matriz é a da mudança da qualidade (logo revolução) nas coisas, é a alteração revolucionária das relações sociais de produção que são a definição marxista de capital (nem errática, nem – acho eu…- errada).    
Continuaria a reflexão (que continua, evidentemente...). Apenas deixando, neste fugidio apontamento, duas outras palavras como trampolim permanente para reflectir: tempo (histórico) e necessidades (humanas).   


1 comentário:

cid simoes disse...

Texto a ler ao pequeno-almoço para digerir durante o dia.