Bom dia
A partir de três grandes acontecimentos a decorrerem em simultâneo, comecemos com uma pergunta, sem pensar em Eça, sem recorrer a Eça: o que é Portugal? Talvez ainda outra: Qual é o país que somos e no qual nos revemos? O do glamour da feérica Web Summit, para onde escorrem milhões, de onde se esperam milhões, onde nascem sonhos e pesadelos de sociedades futuras retratados ao minuto por uma comunicação social sedenta de palcos?
O país que pára para pensar no Fórum do Futuro, a decorrer no Porto, e onde esta semana se reflete sobre os sistemas de domínio e de libertação dos indivíduos e de tudo e todos quantos habitam um planeta ameaçado pela violência imposta à natureza, bem como sobre processos de subjugação e subalternidade, preconceitos, solidariedade entre povos, valores de justiça e dignidade?
Ou o país que somos é aquele onde alguém, apesar de ter um emprego, não consegue sair da condição de pobre? São muitas perguntas à procura de respostas ancoradas em outras questões do Fórum do Futuro, como as dos valores de solidariedade, justiça e dignidade.
O tema é complexo. O Governo apresenta como ambição maior situar aquele salário em €750 em 2023. Na reunião da Concertação Social de ontem os patrões da indústria, turismo e agricultura já vieram deixar claro que consideram aquele valor um exagero. Ainda sem propostas concretas, embora já se fale numa base de €625 a partir de janeiro de 2020, o que torna o percurso mais difícil, os patrões preferem, para já, ouvir o que proporá o Governo na próxima semana e em simultâneo deixam claro que, qualquer subida terá de implicar contrapartidas para as empresas.
A CGTP tem desde o dia 1 de Maio a reivindicação de um aumento geral dos salários em €90, inclusive o salário mínimo, que deveria, segundo aquela central sindical, passar para €850, mas a curto prazo e não no horizonte de três anos. A UGT avança com os €660 a partir de janeiro próximo e €800 até 2023. O Governo, a quem compete definir o salário mínimo, não apresentou nenhuma proposta concreta na reunião, embora Ana Mendes Godinho tenha reafirmado o propósito governamental de chegar aos €750 em 2023, com definição ano a ano do valor daquele salário.
Avancemos, então, com mais uma pergunta: qual o contexto em que é feita esta discussão? É o de um país, Portugal, com um dos mais baixos salários mínimos da União Europeia, não obstante as atualizações dos últimos quatro anos. A área de restauração e alojamento é aquela em que mais trabalhadores ganham apenas os €600 brutos do salário mínimo. Em termos líquidos ficam com €504 para viverem durante um mês.
Portugal tem 2,2 milhões de trabalhadores com um salário líquido mensal inferior a €900. Este país com 400 mil empresas, das quais mais de 99% serão PME, compete com países como Espanha, onde o salário mínimo é já de €1 050. Há aqui um risco identificado por vários especialistas. A fuga de trabalhadores especializados pode acentuar-se se não for invertida uma situação de crescente aumento do número de trabalhadores a auferirem o salário mínimo. Decorre daqui um esmagamento do salário médio, ao ponto de não ser impossível o salário mínimo começar a transformar-se no verdadeiro salário médio nacional. De onde, o salário médio será, cada vez mais, mínimo.
Regressemos, então, ao Fórum do Futuro. Na sua memorável participação, o ator e ativista Danny Glover (“A Testemunha”, “Silverado”, “A Cor Púrpura”), dizia esta terça-feira estarmos a viver “o momento de maior desigualdade no mundo”. Depois de denunciar “o processo de ganância” em curso, numa expressão bem norte-americana em que usa a palavra “F...”, perguntava se é assim tão difícil perceber que no centro das preocupações tem de estar o (F...) indivíduo, o seu bem estar e a sua dignidade.
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Reflicta-se, então!
1 comentário:
Sempre excelentes crónicas, sempre acima da média dos outros jornalistas do Expresso. Boa ideia reproduzires!
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