quarta-feira, dezembro 11, 2019

Morreu Frederico Mirão

Um número desconhecido no telemóvel. Atendi com a reserva de sempre quando não sei de onde vem a chamada. 

Uma voz muito agradável "...sou a filha do Frederico Mirão...". 

A minha imediata reacção, instintiva, foi de surpresa. De alegria quase expressa, exuberante. Logo travada, antes mesmo de dita a razão presto adivinhada do telefonema. Se inesperado motivo... só podia ser aquele! 

Morreu o Frederico, o Mirão. O camarada, o amigo, o "chefe de sala" do rés-do-chão de Caxias de há mais de 50 anos!


Como doeu!

A lembrança, a memória, a saudade, a homenagem encheram-me e soltaram lágrimas.
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Post de 31.07.2011 e um comentário:

Era em Caxias
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Era em Caxias, trinta homens na sala 2, rés do chão, direito.
O Mirão era o "chefe de sala". E era o Herberto, e eram os 5 de Alpiarça, dos quais o Abalada, o Álvaro, o Facalhim, o Machado - como o Blasco - já morreram... , e eram... 
Éramos 30 homens encarcerados pela PIDE. De todos sei, e queria dizer, o nome. Estão em mim gravados mas, nesta manhã de domingo, 47 anos passados, ficam apenas os já lembrados. Porque vieram aos dedos dois nomes, porque aqueles cinco povoam o meu cemitério interior. 

Reivindicáramos, lutáramos, e ganháramos, uma hora de música por dia. Ao fim da tarde, antes de jantar.
O gira-discos, trazido pelas famílias, entrava, com os discos bem minuciosamente inspeccionados pelo "funcionário da PIDE" destacado para a cadeia, que muitos rejeitava. Orquestas e autores "do lado de lá", com nomes terminados em itchef ou of eram, por norma, rejeitados. Fados, eram todos aceites, como uns Fados de Coimbra, cantados por um tal dr. José Afonso, num disco de 45 rotações, com 4 faixas, em que uma se chamava os Vampiros (esta será, talvez, uma outra estória para um outro domingo de manhã).
Para este domingo, para me alegrar com o "delicioso pungir de acerbo espinho" - e intenção de "oferta" a quem me possa vir a ler e ouvir -, fica o registo do disco mais ouvido, que, se não a todos, a quase todos encantava e nos tirava da cadeia durante pouco menos de um quarto de hora, a sinfonia clássica de Prokofief que, apesar de assim se chamar, entrara excepcionando a regra pidesca, talvez por o tal Prokofief se chamar Sérgio e o disco vir em meu nome,

Bom domingo, como horas de domingo eram todos aqueles tempos de fim de tarde com gira-discos na sala e com Prokofiev e outros a visitarem-nos.
Era em Caxias. 30 homens na sala 2 rés do chão direito. Em Julho de 1964.

3 comentários:

Justine disse...

Muito bonita, a tua homenagem a este amigo que foi embora

Olinda disse...

Sentida homenagem ao amigo-camarada.Condolências aos familiares.Bjo

Unknown disse...

Sérgio,
Obrigada pela homenagem ao meu pai!
Trouxeste emoção a um mundo que parece ter esquecido de se emocionar...
Margarida Mirão