domingo, dezembro 15, 2019

TáVisto que é assim...

 - Edição Nº2402  -  12-12-2019

Duas partidas

No breve período de apenas algumas horas, a televisão trouxe a nossas casas as notícias da morte de dois homens que em áreas muito diferentes foram relevantes: um jogador de futebol chamado Rogério de Carvalho, decerto inesquecido pelos que durante anos o admiraram como talentoso extremo direito da equipa em que jogava, e Arquimedes da Silva Santos, poeta, decerto muito menos conhecido pela generalidade dos portugueses, pois que o talento poético não é entre nós (nem provavelmente em qualquer outro lugar do mundo) sequer de longe comparável ao futebol como gerador de popularidade. Não incorramos aqui no preconceito presunçoso de estabelecer uma abissal diferença de méritos entre uma e outra actividade: reconheçamos que jogo da bola e «jogo literário» têm cada qual o seu terreno próprio, por aí nos fiquemos. Mas não nos fiquemos sem um reparo perante a irrelevância que todas as operadoras de TV deram ao desaparecimento de um poeta português que não era «de segunda linha». E a essa quase chocante «discrição» acrescentemos uma suspeita: a de que a circunstância de Arquimedes da Silva Santos ser um poeta neo-realista poder explicar o quase inteiro silêncio acerca da sua morte.

Nós e as garras

Para mais, Arquimedes da Silva Santos não era homem de meias palavras ou de meias acções. Quanto a estas, foram elas que o levaram à prisão de Caxias e a umas longas horas da tortura de estátua; quanto às palavras podemos lembrar entre muitas outras quatro versos significativos escritos quando escrever com clareza era lutar com coragem: «Sinistro bando de corvos / ronda nossos corpos magros, se algum de nós desfalece / logo aduncas garras descem». Poderá ter sido por estas e por outras, isto é, por estes e por semelhantes versos, que a(s)TV(s) se incomodaram tão escassamente perante a morte do poeta. E nesta circunstância caberá notar mais uma vez como é fácil para a televisão suprimir ou reduzir ao mínimo a imagem de um homem apenas porque ele cometeu a inconveniência de lutar enquanto vivo e de nos deixar em legado um testemunho palpitante de insubmissão e da «fome e sede de justiça» de que nos falou Mateus no seu evangelho. Agora que Arquimedes partiu, resta-nos guardar o seu legado e ser-lhe fiel quando seja caso disso. Isto é: nunca desfalecer. Para que sobre nós não desçam as tais garras aduncas.


Correia da Fonseca

Para desanuviar,
ou para sacudir o véu
que vai cobrindo os nossos olhos
com tantas e tão frequentes "partidas",
permito-me corrigir o Correia da Fonseca,
ao mesmo tempo que o saúdo 
e agradeço pela constância das crónicas
e da amizade:
o Rogério Lantres de Carvalho
- o "pi-pi da pôpa" do Benfica
(e do Botafogo, que o veio buscar para jogar no Brasil!), 
... com quem cheguei a jogar 
e de que guardo amiga recordação -
era extremo esquerdo!

S.R.

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