segunda-feira, agosto 10, 2020

uma razão de muito peso

Se aqui há uns meses que somam anos me dissessem que iria publicar o que quer que seja do autor que estou, agora a antologiar, diria que estavam a brincar comigo. E deixei de o ler. Não havia margem para conversas... mesmo que muito goste de conversar e reflectir em conjunto, independentemente de estar ou não em acordo de princípio. Com o que não coexisto é com sectarismo.

Pois faço-o com uma razão a somar às razões que H. Raposo arrola para uma questão que tem estado a ser tratada de forma execrável, de ódio cego. Foi uma surpresa que tive. E fiquei contente...

É tão saudável reflectir com quem não pensa como nós em muitas coisas... mas pensa! 

Avante!: dez razões para a festa avançar

10.08.2020 às 11h53

Primeira. A cultura de um país não pode ficar congelada por tempo indeterminado. A “guerra à covid” não pode ser como a “guerra ao terror”, isto é, a perpetuação por tempo indeterminado de estados de excepção arbitrários que colocam em causa a liberdade e, neste caso, a cultura. Quando é que isto acaba? Se não acabar, corre o risco de se perpetuar como qualquer outra máquina burocrática que se alimenta do medo. Por exemplo, quando voltarem a morrer 3 mil portugueses de gripe num espaço de poucos meses (2018/19), os fanáticos do #ficaremcasa voltarão a pedir medidas draconianas.

Segunda. Quando falo de cultura, não estou apenas a defender a sobrevivência económica do meio cultural (do artista ao carpinteiro), estou a defender o coração da sociedade. O belo e o bom estão cancelados. Uma sociedade que não vai ao teatro, ao futebol, à festa da aldeia ou ao cinema não é uma sociedade, é um agregado de indivíduos amedrontados sem laços entre si e a gerar o pior vírus do elenco virologista: o ódio e a desconfiança entre seres humanos. O homem é o grande vírus do homem. As famílias estão a partir. A sociedade está a partir. A empatia está a morrer. Neste momento, o olhar nacionalista contra o "outro" é maioritário, porque o "estrangeiro" é uma potencial ameaça viral.

Terceira. Temos de começar a fazer experiências-piloto com espetáculos com público, do futebol aos concertos. Sem público, a arte e os espetáculos não fazem sentido cénico e não são rentáveis. Sem arte e espetáculos, a sociedade vai morrendo. Neste sentido, parece-me que um evento organizado pela instituição mais habituada a multidões é o melhor caminho. A capacidade organizativa do PCP e o imenso espaço da Atalaia são dois argumentos fortes para deixarmos esta experiência-piloto avançar.

Quarta. Se querem proibir o Avante!, então têm de ir fechar as praias, porque praias cheias e caóticas são mais perigosas do que uma festa organizada pela mão de ferro do PCP.

Quinta. A bolha do medo tem de ser furada. A sociedade entrou num torpor que é, em si mesmo, mais perigoso do que o vírus. Olhe-se para o estado da saúde. O cancro mata cerca de 70 portugueses por dia, mas a oncologia está mortalmente atrasada devido ao pânico do #ficaremcasa. Ao contrário da covid, o sarampo é muito perigoso em crianças. Pois bem: por causa do #ficaremcasa, 13 mil bebés portugueses não receberam nos últimos meses a vacina do sarampo.

Sexta. Abrir o Avante! e outros festivais é um risco? Pois é. Não há vida sem risco. Só que o #ficaremcasa também é um risco. Aliás, é um risco superior à abertura. A fatura do #ficarmecasa está à vista de todos, e crescerá no futuro próximo. Porque é que há tantos centros de saúde ainda fechados? Porquê? As pessoas só não podem morrer de covid? Podem morrer à vontadinha de outras doenças? O #ficaremcasa trocou mortes inevitáveis por mortes evitáveis. Uma senhora de 85 anos com várias comorbidades vai morrer em breve, com ou sem covid. Uma mulher de 40 anos saudável só vai morrer de cancro da mama (ou outro), porque a oncologia foi bloqueada pelo #ficaremcasa, o mesmo #ficaremcasa que matou à sede os velhotes de Reguengos.

Sétima. É preciso abrir a prisão psiquiátrica que o #ficaremcasa criou no coração da sociedade e de cada lar, e que não afeta apenas pessoas com autismo ou Alzheimer.

Oitava. Os maiores defensores do #ficaremcasa fazem parte do funcionalismo público, ou seja, têm sempre o seu rendimento garantido. É por isso que não compreendem (ainda) a crise que já está aí. Para uma parte esmagadora deste país, a crise é uma "crise dos outros", como dizia há dias João Vieira Pereira. Os "outros? Aqueles que dependem da economia a funcionar, aqueles que dependem do fluir normal do público nas suas empresas e lojas.

Nona. É talvez o ponto mais repugnante destes meses. A sociedade dividiu-se entre as pessoas que se sentem protegidas numa bolha que permite o #ficaremcasa e as pessoas que têm mesmo de #sairdecasa para sobreviver. E o sector protegido esmagou os sectores desprotegidos. Também por isso vale a pena apoiar a festa do Avante!, uma festa que, em teoria, é daquelas que têm de #sairdecasa. Mas, já agora, gostava de recordar uma coisa às pessoas que se sentem acima ao crise como se fossem um avião voando acima do clima: se não voltarmos a uma economia normal, a austeridade (isto é, cortes salariais na função pública) será inevitável. Um eterno #ficaremcasa mata a economia; com a economia estagnada, a receita fiscal baixa e, nesse cenário, mesmo com acesso aos mercados da dívida, a austeridade será inevitável.

Décima. A liberdade. É incrível a forma como a sociedade aceitou acriticamente os estados de emergência e as restrições. É urgente reforçar o lado da rebeldia e da liberdade numa sociedade tão paralisada, tão medrosa, tão obediente. Até vos digo uma coisa: se não tivesse a Iniciativa Liberal no boletim de voto, votaria PCP nas próximas eleições.

10 comentários:

Olinda disse...

Quando a razão não se deixa contagiar pela euforia anti-comunista e obscurantista,a reflexão torna-se mais lúcida.Bjo

Maria disse...

Sabes que, às vezes, até me assusto por concordar com o que determinadas pessoas escrevem? Este texto surpreendeu-me agradavelmente. Vamos ver se (e o que) escreve depois da Festa!

Abraço

Sérgio Ribeiro disse...

E isto mesmo... Um tempo de surpresas. Nem todas más por excesso, algumas boas por terem razões e autores inesperados!
Saudações amigas e camaradas

Justine disse...

Surpreendente! Lá tenho eu de rever a minha opinião sobre o dito-cujo...

Maria João Brito de Sousa disse...

E não é que estes argumentos são mesmo "argumentos de peso"?

Abç

samuel disse...

Também me sinto um pouco "estranho"... mas lá que o homem escreveu isso, escreveu!

João Baranda disse...

Só pode estar contra a FESTA quem nunca lá foi ... quem não conhece, quem não gosta de conhecer maneiras diferentes de interpretar e mudar a sociedade e de discutir saudavelmente pontos de vista. A Festa do Avante vai ser alvo de um escrutínio severo por parte da comunicação social ... fico até com a impressão (provavelmente injusta) de que haverá (?) quem deseje problemas.
Abraço

Sérgio Ribeiro disse...

Excelente comentário de um amigo.
Obrigado por ele.

Forte abraço

Anónimo disse...

Quando esse farsola mais à frente vier acusar o PCP por ter falhado todas as medidas de segurança sanitária ou outras, em caso de um qualquer cidadão afirmar ter sido infectado na Atalaia, quero ver o que aqui vai ser dado à estampa.

Sérgio Ribeiro disse...

Se isso vier a acontecer - o que não espero nem desejo - cá estarei... Mas o que acho que não devo é, numa campanha violenta e odiosa, deixar de sublinhar que, mesmo entre aqueles que se se esperaria que nela participassem, haja um (ou os que forem) que a venham denunciar como manifestação violenta e de ódio inaceitável e irrazoável. Aliás, nenhum ser humano é todo e sempre "bom" nem nenhum é todo e sempre "mau" a partir de seja qual for o critério. O meu inimigo não é nenhum ser humano mas uma classe, um sistema, que evidentemente é composta por seres humanos que combato quando a protagonizam. E julgo-me capaz de distinguir o que é hipocrisia ou pretensa ironia do que é expressão de um sentir.
Desculpe lá - quem me ler - mas acordei com este relambório.