Pretendem impingir-nos a vida, o mundo, as
coisas, em forma de dilemas.
Sim ou não; preto ou branco; vitória ou
derrota; saúde ou economia; políticos ou não-políticos… e por aí fora numa
vivência de eu (nós) ou o outro (eles).
Não faltariam glosas para este mote.
E a competência (dos políticos na vida
pública, dos não-políticos nos quotidianos) estaria em encontrar equilíbrios
entre o bem e o mal, o muito e o pouco.
O problema é que o muito de estes (eu/nós) é também o pouco daqueles (outro/eles).
Mas… masaceitemos o jogo dilemático, de cara
ou coroa, com a prevenção de que a coroa é também cara de uma mesma moeda.
Aceitemo-lo sem o aceitar, isto é, já num arremedo de di(tri)aléctica
Tem-se falado muito (e pouco se tem esclarecido)
de saúde pública ou economia, opção difícil, exigindo
equilíbrios complicados (sociais, etários, geracionais, de género), a propósito
do que nos caiu em cima, dos contemporâneos desta epidemia.
E a informação às gentes, neste período em
que o comunicacional invade e formata em vez de informar, serve uns e manipula
outros, utiliza a admirável conquista dos humanos para desumanizar as relações
entre os humanos, essa informação destes tempos até esquece (ou apaga, ou ultrapassa)
o dilema: opta!
Antes de tudo, que se cuide da saúde pública, e a economia que se aguente … ou
prioritariamente, tem de se cuidar da economia mesmo com riscos para a saúde pública.
Mas… há duas realidades, há dois mundos:
o da saúde
pública e o da economia?
Há saúde
pública sem que funcione a economia,
ou
há economia sem ser ao serviço da
saúde pública?
A propósito, muito se fala da chamada União
Europeia.
É necessário, perante um problema de todos,
uma resposta solidária, de entre-ajuda.
Está esta dita União Europeia em condições de
ser veículo dessa solidariedade, dessa necessária entre-ajuda, é – a tal U.E. –
o pronto-socorro, o INEM, o 112 (sei lá se é este o nº)?
O que ela é, e o que prova o seu historial,
responde que NÃO!
A União Económica e Monetária, o Banco
Central Europeu, o euro, são instituições e instrumentos do domínio (e de
dominação) financeira.
A convergência
nominal é uma falácia que esconde a desconvergência
real, social, regional (sanitária também, claro), a coesão económica e social foi apregoada oportunisticamente,
concessão ardilosa para se avançar em descoesão, aumentano as desigualdades, cavando
mais as assimetrias.
A dívida, pública e privada, os juros (também
os juros negativos, seja lá o que for essa habilidade) são armas e armadilhas,
atiram para longe o mais grave de hoje que mais grave será amanhã.
Os fundos?
Quantos nomes já? Foram os comunitários,
foi o de coesão, agora é o de recuperação (de início a lembrar o Plano
Marshall do pós-guerra, o que, à cautela, logo se silenciou tão grande o
dislate).
A União Europeia?!..., com Brexit às costas,
com os dinamarqueses e os suecos desde sempre fora do euro-BCE-UEM, com a
Noruega e a Suíça – porque os noruegueses assim o querem, a Suíça porque dá
jeito para certas coisas – ausentes da associação de Estados que ela é, embora a
mais se arrogue?
Mas não há uma Organização para a Segurança e
a Cooperação Europeias que, quando foi criada (em Julho de 1975) era para a
segurança e a cooperação europeias e se transformou numa… coisa diria inútil…?
Porque foi luta ganha pela coexistência
pacífica entre sistemas antagónicos na Europa e entretanto se esmagou um deles,
e se procura esmagar o que por outros lados lute por ser o que é: a superação,
a etapa seguinte, o mundo em transformação, o futuro.
E agora essa OSCE é… é uma coisa por não
haver, na Europa, como coexistir, ao nível de Estados, porque impera o que se
pretende que seja o fim da História.
Mas não é. Porque tem de não se consentir que
seja o fim de tudo com a utilização do que génio humano conseguiu. Não para
destruir. Para construir o futuro.
Por isso, e para isso, a luta continua. Entre as classes!
Mas voltemos à tal de União Europeia.
Veio agora, agora mesmo, uma senhora alemã
que está aos seus comandos, fazer longo discurso, dizer muitas coisas, e
algumas que soam bem. Das palavras ditas, saltam, com a função de iludir, três
numa frase: salário mínimo europeu.
Logo houve quem pegasse nas palavras e delas
fizesse mote. Vejamos melhor, mais ou
menos como fez Gedeão com a lágrima de
preta: com os ácidos, as bases e os sais, as
drogas usadas em casos que tais.
E façamo-lo procurando ver
os dois lados.
É que o salário (seja mínimo
ou não, seja europeu ou doutra região) tem dois lados.
Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (que é o que,
agora, toda a gente usa), salário é:
1. Jornal.
2. Retribuição pecuniária do serviço executado.
Jornal?
Serviço executado?
Não vou, por agor,a mergulhar numa busca
em dicionários, aprofundamentos etimológicos.
Para encurtar razões (o que não quer dizer que não se alarguem
mais tarde, ou em outras oportunidades), apenas acrescentaria que salário é, em
capitalismo, o preço expresso da força de trabalho empregue.
Salário é pago a alguém por
outrém, ou melhor (para não fugir sem rasto à busca dicionária): salário é o
que é pago a alguém por outrém, a quem o serviço
foi executado. Até há dicionários
que dizem que é a remuneração de quem trabalha por conta de outrém… paga por esse outrém.
Portanto, há alguém e há outrém. Alguém recebe um salário que outrém lhe paga. Ponto final. (e §:)
Fixar-se um salário mínimo é dizer
que – de acordo com certas regras da relação laboral – há um mínimo abaixo do
qual não pode ir a retribuição pecuniária
paga por outrém a alguém.
No entanto, neste tempo que
vivemos, ao dizer-se isto, ou quando tal se anuncia, mesmo como mero engodo ou
isco para iludir alguém… evidentemente com o resmungo ou a oposição dos que
vêem, nessa hipótese (a concretizar-se) um custo mais elevado para o serviço executado.
E como não me quero alongar muito
e apenas deixar uma reflexão que ajude a reflectir, coloco um dilema em que –
se me não engano – poucos de nós pensam.
O salário tem duas faces. Como as moedas.
O salário é um custo para quem paga, o outrém. Que tudo faz (o que pode e, por
vezes, o que não deve) para que seja diminuto, mínimo.
O salário é um rendimento para que o recebe, alguém. É com ele, com o salário-rendimento,
que satisfaz as suas necessidades e as dos que tenha a seu cargo, Necessidades
que são categoria não-fixa, que mudam com as mudanças no tempo (histórico). O
que ontem era inimaginável para hoje, hoje pode ter-se tornado uma necessidade indispensável
para o humano de hoje.
Dois exemplos muito diferentes de
necessidade de hoje, que o não eram ontem: duche diário, telemóvel.
E tudo varia, não só no tempo, de
lugar para lugar, de cultura para cultura.
Por isso, ao projectar-se a regra
de um salário mínimo europeu, é preciso saber se se está a
encarar esse projecto na óptica do rendimento
de quem recebe ou na do custo de
quem paga. Que este pode achar boa medida em termos de competitividade e ser
objectivamente prejudicial para muitos de aqueles.