segunda-feira, setembro 21, 2020

Reflexões lentas (em Setembro de 2020)

Pretendem impingir-nos a vida, o mundo, as coisas, em forma de dilemas.

Sim ou não; preto ou branco; vitória ou derrota; saúde ou economia; políticos ou não-políticos… e por aí fora numa vivência de eu (nós) ou o outro (eles).

Não faltariam glosas para este mote.

E a competência (dos políticos na vida pública, dos não-políticos nos quotidianos) estaria em encontrar equilíbrios entre o bem e o mal, o muito e o pouco.

O problema é que o muito de estes (eu/nós) é também o pouco daqueles (outro/eles).

 

Mas… masaceitemos o jogo dilemático, de cara ou coroa, com a prevenção de que a coroa é também cara de uma mesma moeda. Aceitemo-lo sem o aceitar, isto é, já num arremedo de di(tri)aléctica

Tem-se falado muito (e pouco se tem esclarecido) de saúde pública ou economia, opção difícil, exigindo equilíbrios complicados (sociais, etários, geracionais, de género), a propósito do que nos caiu em cima, dos contemporâneos desta epidemia.

E a informação às gentes, neste período em que o comunicacional invade e formata em vez de informar, serve uns e manipula outros, utiliza a admirável conquista dos humanos para desumanizar as relações entre os humanos, essa informação destes tempos até esquece (ou apaga, ou ultrapassa) o dilema: opta!

Antes de tudo, que se cuide da saúde pública, e a economia que se aguente … ou

prioritariamente, tem de se cuidar da economia mesmo com riscos para a saúde pública.

Mas… há duas realidades, há dois mundos:

o da saúde pública e o da economia?

saúde pública sem que funcione a economia, ou 

economia sem ser ao serviço da saúde pública?

 A propósito, muito se fala da chamada União Europeia.

É necessário, perante um problema de todos, uma resposta solidária, de entre-ajuda.

Está esta dita União Europeia em condições de ser veículo dessa solidariedade, dessa necessária entre-ajuda, é – a tal U.E. – o pronto-socorro, o INEM, o 112 (sei lá se é este o nº)?

O que ela é, e o que prova o seu historial, responde que NÃO!

A União Económica e Monetária, o Banco Central Europeu, o euro, são instituições e instrumentos do domínio (e de dominação) financeira.

A convergência nominal é uma falácia que esconde a desconvergência real, social, regional (sanitária também, claro), a coesão económica e social foi apregoada oportunisticamente, concessão ardilosa para se avançar em descoesão, aumentano as desigualdades, cavando mais as assimetrias.

A dívida, pública e privada, os juros (também os juros negativos, seja lá o que for essa habilidade) são armas e armadilhas, atiram para longe o mais grave de hoje que mais grave será amanhã.

Os fundos? Quantos nomes já? Foram os comunitários, foi o de coesão, agora é o de recuperação (de início a lembrar o Plano Marshall do pós-guerra, o que, à cautela, logo se silenciou tão grande o dislate).

A União Europeia?!..., com Brexit às costas, com os dinamarqueses e os suecos desde sempre fora do euro-BCE-UEM, com a Noruega e a Suíça – porque os noruegueses assim o querem, a Suíça porque dá jeito para certas coisas – ausentes da associação de Estados que ela é, embora a mais se arrogue?

Mas não há uma Organização para a Segurança e a Cooperação Europeias que, quando foi criada (em Julho de 1975) era para a segurança e a cooperação europeias e se transformou numa… coisa diria inútil…? Porque foi luta ganha pela coexistência pacífica entre sistemas antagónicos na Europa e entretanto se esmagou um deles, e se procura esmagar o que por outros lados lute por ser o que é: a superação, a etapa seguinte, o mundo em transformação, o futuro.

E agora essa OSCE é… é uma coisa por não haver, na Europa, como coexistir, ao nível de Estados, porque impera o que se pretende que seja o fim da História.

Mas não é. Porque tem de não se consentir que seja o fim de tudo com a utilização do que génio humano conseguiu. Não para destruir. Para construir o futuro.

Por isso, e para isso, a luta continua. Entre as classes!

 

Mas voltemos à tal de União Europeia.

Veio agora, agora mesmo, uma senhora alemã que está aos seus comandos, fazer longo discurso, dizer muitas coisas, e algumas que soam bem. Das palavras ditas, saltam, com a função de iludir, três numa frase: salário mínimo europeu.

Logo houve quem pegasse nas palavras e delas fizesse mote. Vejamos melhor, mais ou menos como fez Gedeão com a lágrima de preta: com os ácidos, as bases e os sais, as drogas usadas em casos que tais.

E façamo-lo procurando ver os dois lados.

É que o salário (seja mínimo ou não, seja europeu ou doutra região) tem dois lados.

Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (que é o que, agora, toda a gente usa), salário é:

1. Jornal.

2. Retribuição pecuniária do serviço executado.

Jornal?

Serviço executado?

Não vou, por agor,a mergulhar numa busca em dicionários, aprofundamentos etimológicos.

Para encurtar razões (o que não quer dizer que não se alarguem mais tarde, ou em outras oportunidades), apenas acrescentaria que salário é, em capitalismo, o preço expresso da força de trabalho empregue. 

Salário é pago a alguém por outrém, ou melhor (para não fugir sem rasto à busca dicionária): salário é o que é pago a alguém por outrém, a quem o serviço foi executado. Até há dicionários que dizem que é a remuneração de quem trabalha por conta de outrém… paga por esse outrém.

 

Portanto, há alguém e há outrém. Alguém recebe um salário que outrém lhe paga. Ponto final. (e §:)

 Fixar-se um salário mínimo é dizer que – de acordo com certas regras da relação laboral – há um mínimo abaixo do qual não pode ir a retribuição pecuniária paga por outrém a alguém.

No entanto, neste tempo que vivemos, ao dizer-se isto, ou quando tal se anuncia, mesmo como mero engodo ou isco para iludir alguém… evidentemente com o resmungo ou a oposição dos que vêem, nessa hipótese (a concretizar-se) um custo mais elevado para o serviço executado.

E como não me quero alongar muito e apenas deixar uma reflexão que ajude a reflectir, coloco um dilema em que – se me não engano – poucos de nós pensam.

O salário tem duas faces. Como as moedas.

O salário é um custo para quem paga, o outrém. Que tudo faz (o que pode e, por vezes, o que não deve) para que seja diminuto, mínimo.

O salário é um rendimento para que o recebe, alguém. É com ele, com o salário-rendimento, que satisfaz as suas necessidades e as dos que tenha a seu cargo, Necessidades que são categoria não-fixa, que mudam com as mudanças no tempo (histórico). O que ontem era inimaginável para hoje, hoje pode ter-se tornado uma necessidade indispensável para o humano de hoje.

Dois exemplos muito diferentes de necessidade de hoje, que o não eram ontem: duche diário, telemóvel.

E tudo varia, não só no tempo, de lugar para lugar, de cultura para cultura.

Por isso, ao projectar-se a regra de um salário mínimo europeu, é preciso saber se se está a encarar esse projecto na óptica do rendimento de quem recebe ou na do custo de quem paga. Que este pode achar boa medida em termos de competitividade e ser objectivamente prejudicial para muitos de aqueles.

 

  

2 comentários:

Justine disse...

Bem começada, esta série de reflexões lentas! Há que continuar...

Olinda disse...

Vivemos em capitalismo,com as suas crises cada vez mais longas e um projecto da UE sobre SME,foi estudado para beneficiar os "outréns".Bjo