segunda-feira, novembro 30, 2020

O FMI e a pandemia

 FMI APROVEITA A PANDEMIA

PARA ABRIR CAMINHO A PRIVATIZAÇÕES EM 81 PAÍSES

Alan Macleod *

Para muitos, a pandemia é uma oportunidade de reorientar a economia para um sistema ecologicamente mais sustentável do que o consumo de massas.  Para o FMI, no entanto, está a ser usada para promover mais privatizações e medidas de austeridade que, invariavelmente, enriquecem os mais poderosos e enfraquecem os pobres e desapossados. Tudo indica que, se a organização conseguir o que quer, serão os pobres que pagarão pela pandemia, enquanto os ricos prosperam.

 A enorme desorganização económica causada pela pandemia COVID-19 oferece uma oportunidade única de alterar fundamentalmente a estrutura da sociedade e o Fundo Monetário Internacional (FMI) está a usar a crise para implementar medidas de austeridade quase permanentes em todo o mundo.

76 dos 91 empréstimos que negociou com 81 nações desde o início da pandemia mundial, em março, vêm acompanhados de exigências de que os países adotem medidas como cortes profundos nos serviços públicos e nas pensões – medidas que, sem dúvida, envolverão privatizações, congelamentos ou cortes de salários, ou o despedimento de funcionários do setor público, como médicos, enfermeiros, professores e bombeiros.

Principal apoiante das medidas de austeridade neoliberal em todo o mundo durante décadas, o FMI, recentemente (e discretamente), começou a admitir que essas políticas não funcionaram e geralmente causaram problemas como a pobreza, o desenvolvimento desigual e outras desigualdades ainda maiores.  Que também não conseguiram trazer o crescimento económico prometido para contrariar esses efeitos negativos. Em 2016, o FMI descreveu as suas próprias políticas como “exageradas” e, anteriormente, resumiu as suas experiências na América Latina como “tudo dor, nenhum ganho”. Assim, os seus próprios relatórios declaram explicitamente que as suas políticas não funcionaram.

O FMI alertou para o perigo de um grande aumento das desigualdades, no início da pandemia. No entanto, está a orientar os países no sentido de pagarem os gastos da pandemia fazendo cortes de austeridade que irão alimentar a pobreza e a desigualdade”, disse hoje Chema Vera, Diretor Executivo Interino da Oxfam International.

“Essas medidas podem deixar milhões de pessoas sem acesso a cuidados de saúde ou apoio aos rendimentos, enquanto procuram trabalho, e podem frustrar qualquer esperança de recuperação sustentável. Ao adotar essa abordagem, o FMI está a cometer uma injustiça contra a sua própria pesquisa. A sua cabeça precisa de começar a falar com as suas mãos.

A Oxfam identificou pelo menos 14 países que julga que congelarão ou depressa cortarão os salários e empregos do setor público. A Tunísia, por exemplo, tem apenas 13 médicos para cada 10.000 pessoas. Qualquer corte no seu já escasso sistema de saúde prejudicaria a sua luta contra o coronavírus. “Se as pessoas não puderem pagar os testes e cuidados com a COVID-19 e outras necessidades de saúde, o vírus continuará a espalhar-se sem controle e mais pessoas morrerão. As despesas de saúde pagas pelo bolso de cada um eram uma tragédia antes da pandemia, e agora são uma sentença de morte”, acrescentou Vera.

Um caso de estudo do FMI

O Equador é um exemplo perfeito das consequências das ações do FMI. Governado anteriormente pelo governo radical de Rafael Correa, que priorizou a redução da pobreza, condenou o FMI e a sua organização irmã, o Banco Mundial, e deu asilo a dissidentes ocidentais como Julian Assange, o país é governado por Lenin Moreno desde 2017. Moreno começou imediatamente a desfazer o legado de Correa, e chegou mesmo a tentar processá-lo. Em 2019, por ordem do FMI, Moreno cortou o orçamento de saúde do país em 36 por cento, em troca de um empréstimo de US $ 4,2 mil milhões do FMI, uma medida que provocou protestos em massa em todo o país, ameaçando sabotar a sua administração.

Os resultados foram quase apocalípticos, já que a maior cidade do país, Guayaquil, se tornou o centro mundial do coronavírus, com corpos a apodrecer nas ruas durante vários dias, porque os serviços religiosos estavam sobrecarregados. A cidade sofreu mais mortes do que Nova York no seu pico e com muito menos infraestruturas para lidar com o problema. Embora o número oficial de casos no país seja baixo, a taxa de mortalidade está entre as mais altas do mundo, sugerindo que os serviços estão completamente sobrecarregados.

No início deste mês, Moreno anunciou um novo acordo de US $ 6,5 mil milhões com o FMI, que aconselhou o seu governo a recuar nos aumentos dos gastos de saúde com a emergência, a interromper as transferências de dinheiro para aqueles que não podem trabalhar devido ao vírus e a cortar os subsídios aos combustíveis para os pobres.

Na crise, uma oportunidade

O FMI também interfere diretamente nas políticas internas de nações soberanas. Em março, recusou-se a fazer empréstimos ao governo venezuelano por causa da “falta de clareza” sobre quem mandava, sugerindo que o democraticamente eleito Nicolás Maduro renunciasse, antes de considerar um empréstimo ao país. Ao mesmo tempo, porém, o autoproclamado presidente e figura da oposição, Juan Guaidó, anunciou que tinha garantido um compromisso de US $ 1,2 mil milhões da organização, com a condição de que Maduro renunciasse e permitisse que um “governo de salvação nacional” assumisse o controle do país. Uma sondagem realizada no mesmo mês por um simpático analista revelou que apenas 3% dos venezuelanos apoiaram Guaidó.

Nas crises há sempre oportunidades. Para muitos, a pandemia é uma oportunidade de reorientar a economia para um sistema ecologicamente mais sustentável do que o consumo de massas.  Para o FMI, no entanto, está a ser usada para promover mais privatizações e medidas de austeridade que, invariavelmente, enriquecem os mais poderosos e enfraquecem os pobres e desapossados. Tudo indica que, se a organização conseguir o que quer, serão os pobres que pagarão pela pandemia, enquanto os ricos prosperam.

 * Alan MacLeod é membro do Glasgow University Media Group. É o autor de “Bad News From Venezuela: 20 Years of Fake News and Misreporting” [Más notícias da Venezuela: 20 anos de notícias falsas e reportagens fictícias]. O seu livro mais recente, Propaganda in the Information Age: Still Manufacturing Consent [Propaganda na Era da Informação: Fabricando ainda o consentimento] foi publicado pela Routledge em maio de 2019.

3 comentários:

Olinda disse...

Cada vez me convenço mais que o corona não caiu do céu aos trambolhões.Teoria da conspiração?Talvez.Mas que desconfio,desconfio...Bjo

Emilio Antunes Rodrigues disse...

Ninguém se pergunta porque é que o covid acabou na china nomeadamente na cidade onde foi identificado e na europa capitalista está cada vez mais agressivo?

Sérgio Ribeiro disse...

Às vezes, "agarro-me" a expressões que usei para caracterizar estados, situações. Sobre esta pandemia, lembro-me que disse (e escrevi), logo em Fevereiro ou Março, que o coronavirus vinha cavalgar a explosão de crise que estava eminente. Não me gabo (de quê?) mas a leitura da História com a visão do materialismo histórico ajuda muito...