Mostrar mensagens com a etiqueta coronavirus. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta coronavirus. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, março 24, 2021

quarta-feira, março 17, 2021

Na ordem o dia, ou na (des)ordem dos dias

Hoje, nestes dias de hoje, a grande questão parece ser a atitude de todos nós (simples cidadãos, cientistas, veículos e receptores de informação, nossos representantes por eleição, decididores por vias várias... algumas bem obscuras) perante a ciência e a informação.

É a ciência imune, extra-territorial à política?, qual o papel da informação?

Em 10 de Março de 2020, quando já se falava em pânico, então artificialmente criado (ou antecipado), reproduzi aqui um artigo que lera e traduzira com grande interesse, e que ganha, hoje, mais de um ano depois, oportunidade acrescida:

"

... e pensar em tudo o que está por detrás do pan(ic)o, no que é tão manipulado e manipulador:




10 de março de 2020
Coronavírus: o testemunho de um virologista

Bruno CANARD

Chamo-me Bruno Canard, sou director de pesquisa do CNRS em Aix-Marselha. A minha equipa trabalha com vírus RNA (ácido ribonucleico), que inclue os coronavírus. Em 2002, a nossa jovem equipa estava a trabalhar sobre a dengue, pelo que fui convidado para uma conferência internacional onde era tema os coronavírus, uma grande família de vírus que eu não conhecia. Então, em 2003, surgiu a epidemia de SARS (síndroma respiratória aguda grave) e a União Europeia lançou importantes programas de pesquisa para tentar não ser apanhada de surpresa em caso de emergência. 
A abordagem é muito simples: como antecipar o comportamento de um vírus que não conhecemos? Bem, apenas estudando todos os vírus conhecidos para dispor de conhecimento transferível para novos vírus, especialmente no modo de replicação. A pesquisa é incerta, os resultados não podem ser planeados e é necessário muito de tempo, de energia, de paciência.
Trata-se de pesquisa básica validada com paciência, em programas de longo prazo, que podem eventualmente ter saídas terapêuticas. Também é independente: é a melhor vacina contra um escândalo como o do medicamento mediator.
Na minha equipa, participamos em redes de colaboração europeias, o que nos levou a encontrar resultados a partir de 2004. Mas, em pesquisas virais, na Europa e na França, a tendência é colocar o pacote no caso de uma epidemia, e depois esquece-se. 
Em 2006, o interesse político pelo SARS-CoV havia desaparecido; não sabíamos se ele voltaria. A Europa se retirou-se desses grandes projetos de antecipação em nome dos contribuintes. Agora, quando um vírus surge, os pesquisadores são solicitados a mobilizarem-se com urgência e encontrar uma solução para o dia seguinte. Com colegas belgas e holandeses, enviámos duas cartas de intenções à Comissão Europeia há cinco anos atrás, dizendo que tínhamos que antecipar. Entre essas duas cartas, Zika (vírus) apareceu ...
A ciência não funciona com urgência e resposta imediata.
Na minha equipa, continuamos a trabalhar no vírus da coronavírus, mas com fraco financiamento e em condições de trabalho que gradualmente se deterioram. Quando por vezes reclamei, muitas vezes me responderam: "Sim, mas vocês, os investigadores, o que fazem é útil para a sociedade mas ... vocês são apaixonados pela investigação".

E pensei em todos os arquivos que avaliei.
Pensei em todos os artigos que revi para publicação.
Pensei no relatório anual, no relatório a 2 anos, no relatório a 4 anos.
Gostaria de saber se alguém leu os meus relatórios e se alguém também leu as minhas publicações.
Pensei nas duas licenças de maternidade e nas duas licenças não substituídas na nossa equipa de 22 pessoas.
Pensei nas “festas de despedida” por reformas ou promoções, e nas posições perdidas que não foram substituídas.
Pensei nos 11 anos do CDD (contrato a prazo) de Sophia, engenheira de pesquisa, que não podia alugar um apartamento sem o CDI (contrato  de duração indeterminada), nem pedir um empréstimo bancário.
Pensei na coragem de Pedro, que renunciou ao cargo de CR1 no CNRS para fazer agricultura orgânica.
Pensei nas dezenas de milhares de euros que adiantei do meu bolso para me inscrever em conferências internacionais muito caras.
Lembro-me de comer uma maçã e uma sanduíche fora da convenção enquanto nossos colegas da indústria farmacêutica iam a banquetes.
Pensei no Crédit Impôt Recherche, que passou de 1,5 mil milhões para 6 mil milhões anuais (duas vezes o orçamento do CNRS) sob a presidência de Sarkozy.
Pensei no Presidente Hollande, depois no Presidente Macron, que continuaram meticulosamente esse processo que me faz gastar o meu tempo escrevendo projectos de ANR (
agence française de financement de la recherche sur projets)
Pensei em todos os meus colegas a quem fizeram gerir a escassez resultante destes assaltos e em todos os projetos ANR que escrevi e que não foram selecionados.
Pensei esse projeto ANR franco-alemão, que não teve qualquer crítica negativa, mas cuja avaliação durou tanto tempo que me disseram para reenviá-lo um ano depois, e que “finalmente” foi recusado por falta de fundos.
Pensei no apelo Flash da ANR sobre coronavírus, que acaba de ser publicado.
Eu pensei que poderia parar de escrever projetos ANR.
Mas, então, pensei nas pessoas em condições laborais de precariedade nos trabalhos desses projectos da nossa equipa.
Pensei que, com tudo isto, deixei de ter tempo para fazer pesquisa como queria, aquilo com que me comprometera.
Pensei que tínhamos momentaneamente perdido o jogo.
Perguntei-me se tudo isto era realmente útil para a sociedade, e se eu ainda estava apaixonado por esta profissão?
Perguntei-me, muitas vezes, se iria mudar para um emprego desinteressante ou prejudicial à sociedade, e no qual seria muito bem pago?
Não, na verdade não.
Espero ter feito ouvir, pela minha voz, a cólera legítima que está tão presente no ambiente universitário e na investigação pública em geral.

(tradução - SR.)
"

sábado, março 13, 2021

Reflexões lentas... de cadeira em cadeira


Ontem, foi dia marcado por importante evento destes tempos que vivemos.
Como idoso que sou (ah, pois claro....), fui incluído pela Junta de Freguesia na 2ª leva da 1ª dose de "avassinações".
Foi no Centro de Negócios (que agora será de Exposições... mas nunca deixará de ser de negócios) e a organização, se bem que com algumas pequenas falhas, foi satisfatória, com uma larga equipas de solícitos/as orientadores/as do alongado percurso, pessoal de comprovação e registo (1 de 2 gabinetes médico a rastrear), 2 de 4 cabinas de vacinação na concretização da picadela em braço nu mil e uma vezes vista na televisão (desta feita foi o meu), com atenção e cuidados (quase afectuosos), por fim, mais uma espera de 30 minutos para recuperação pós-pica.

Durante o longo percurso que muitos fizemos, sozinhos ou acompanhados, de cadeiras de rodas ou de cadeira-sem-rodas em cadeira-se-rodas, fui folheando páginas do O papel da violência na História (não mais do 2 ou 3 páginas) e observando e pensando…

A reflexão que me foi suscitada como muito impressiva foi a de que… estávamos em 2021, numa fase de surto epidérmico, nem melhor nem pior que outros por que a Humanidade já passou – aqui e no resto do mundo -, decerto não tão universais como este dado que os aviões e o turismo são recentes… e sobre as respostas que estão a ser dadas, hoje e aqui, em 2021.

A universalidade desta epidemia faz com que se agigantem diferenças, reflexo evidente das situações locais e da sua gritante diversidade. Não só entre situações em que os direitos dos cidadãos à saúde são privilegiados como sempre, e não só apenas quando ataca um vírus, e aqueloutras situações em que, por mais escamoteada que seja (porque tem de ser!), o que prevalece são os interesses do capital sobre os direitos dos cidadãos.

Mas, neste lado do universo, este em que nos encontramos, a prevalência, por via de uma ideologia de mercado, torna visíveis (para quem quiser, ou puder ver) os esforços para conciliar o inconciliável, sob uma capa – ou manto pouco diáfana – de uma democracia (apenas política, representativa, de faz-de-conta), em que há interesses a compatibilizar entre a saúde e a economia (reduzida esta, tal como a democracia, à sua expressão de mercado e financeira, alheia às necessidades, nos seus níveis de direitos do ser humano no tempo e no espaço de hoje e para hoje).

E, ainda neste lado do mundo, nesta situação tão clara (embora por necessidade disfarçada quanto possível) haja gradações, haja diferenças resultantes das locais correlações de forças sociais. Confesso que me deu ganas de falar aquelas "massas" - que eu integrava, inteira e solidariamente - mas, tenho a certeza, seria mal recebido, por incompreensão. Há todo um lastro que há que ter em conta, há - ao fim e ao resto, respeitos reciprocos que são essenciais à condição de humanos.

Não tive reacções físicas desagradáveis. À picadela...

quinta-feira, março 11, 2021

A talhe de foice - Roleta

  • Anabela Fino

 - Edição Nº2467  -  11-3-2021

Roleta

A presidente da direcção da Agência Europeia do Medicamento (EMA), Christa Wirthumer-Hoche, afirmou este domingo que recorrer à utilização da vacina russa Sputnik-V é comparável a «uma roleta russa», pelo que aconselhava os países da União Europeia a não a autorizarem.

A reacção dos criadores da vacina, ligados ao centro de investigação Gamaleia e ao Fundo Soberano Russo, não se fez esperar. Exigindo um pedido de desculpas, fizeram notar que tais comentários, para além de inapropriados, atentam contra a credibilidade da EMA e do processo de avaliação, que está a decorrer, da vacina Sputnik-V, indiciando a existência de «possíveis interferências políticas».

As acusações russas são pertinentes. Com efeito, está por esclarecer por que motivo a EMA adiou durante meses o processo de validação daquela vacina, já reconhecida por 46 países, não obstante o fornecimento das já autorizadas pela UE (BionNTech/Pfizer, AstraZeneca/Oxford e Moderna, às quais se deverá juntar hoje a da Johnson & Johnson) estar longe de corresponder às expectativas.

Se, como dizem, a preocupação é imunizar a população o mais rápido possível; se não se olhou a meios (dos contribuintes) para garantir um lugar na linha da frente dos fornecimentos; se se aceitou os contratos leoninos impostos pelas farmacêuticas (incluindo a desresponsabilização por eventuais efeitos secundários) e o secretismo de muitas das suas cláusulas; se, apesar de tudo isso, os prazos não estão a ser cumpridos, por que razão a EMA retarda a validação da Sputnik-V e nem sequer encara apreciar as quatro vacinas já aprovadas pelas autoridades chinesas (outras oito estão em desenvolvimento)?

Não é de esperar que a Agência Europeia do Medicamento responda a estas questões, mesmo sabendo que a China arrancou com a produção em massa daquelas vacinas no Verão de 2020 e se propõe produzir e entregar 500 milhões de doses a 45 países. Ainda no mês passado o presidente da Sinovac, Yin Weidong, garantiu que a empresa poderá vir a produzir mil milhões de doses por ano, enquanto a Sinopharm anunciou há dias que a sua produção poderá ascender a três mil milhões de doses por ano.

Não sendo admissível propalar que o governo chinês pretende eutanaziar a sua população de cerca de um bilião e meio de habitantes com vacinas de roleta, a crítica aqui é a de que o gigante asiático as usa como «arma» diplomática, já que o país se comprometeu a torná-las «um bem público comum e distribuído de forma justa e equitativamente», como noticiou a agência noticiosa oficial Xinhua.

Pois é. Ficar à mercê de interesses capitalistas não é política, é a ordem natural das coisas. Política é pensar primeiro no interesse dos povos.

Afinal, isto não é uma questão de roleta, é um problema de croupier.

quinta-feira, fevereiro 25, 2021

INFORMAÇÃO (zinha)




A CHINA VAI ENVIAR VACINAS 

PARA MAIS 19 PAÍSES AFRICANOS

A China enviou vacinas para o Zimbabwe e a Guiné Equatorial, e irá ajudar mais 19 países de África como parte do compromisso de tornar as vacinas um bem público mundial, afirmou um funcionário do governo.
Trabalhadores descarregam as vacinas doadas pela China no Aeroporto Internacional Robert Gabriel Mugabe, em Harare, capital do Zimbabwe, no dia 15 de Fevereiro de 2021 CréditosShaun Jusa / Xinhua

Wang Wenbin, representante do Ministério chinês dos Negócios Estrangeiros, disse esta segunda-feira que o seu governo se propõe apoiar o continente africano no menor tempo possível.

Wang referiu-se às doações feitas ao Zimbabwe e à Guiné Equatorial, destacando que, com estas acções, o país asiático quer fazer das suas vacinas um bem público mundial.

Afirmou que se trata de uma clara manifestação da amizade tradicional entre a China e África, acrescentando que o seu país irá continuar a fornecer apoio e assistência dentro das suas capacidades e tendo em conta as necessidades do continente, informa a agência Xinhua.

Além dos países referidos, o responsável governamental disse que a China irá ajudar, concretamente, outros 19 países africanos, doando vacinas àqueles que se encontram em situação de maior desvantagem e apoiando empresas a exportar os seus produtos contra a Covid-19 para países africanos que deles necessitam com urgência e que aprovaram a sua utilização.

CHINA APOIA OS ESFORÇOS DO OCIDENTE 

PARA APOIAR ÁFRICA

Wang reagiu desta forma às declarações proferidas pelo presidente francês, Emmanuel Macron, no contexto da Conferência de Segurança de Munique, em que exortou europeus e norte-americanos a enviar o mais rapidamente possível para África doses suficientes de vacinas contra a Covid-19 para proteger o pessoal da Saúde, defendendo que, assim, «o Ocidente será considerado em África» e que, de outra forma, «os nossos amigos africanos irão comprar doses aos chineses, aos russos».

«A força do Ocidente será um conceito e não uma realidade», disse o chefe de Estado francês, citado pela Prensa Latina.

Ao ser questionado para comentar directamente estas afirmações de Macron, Wang Wenbin disse que a China valoriza e apoia o esforço da França e de outros países europeus e americanos para fornecer vacinas e ajudar África a combater a pandemia.

A China tem actualmente 16 vacinas contra a Covid-19 a ser testadas, sete das quais na terceira fase dos ensaios clínicos, e aplicou as quatro mais avançadas a mais de 40 milhões de pessoas.

O país asiático enviou as suas vacinas contra a Covid-19 para 53 países em desenvolvimento, como forma de ajuda, tem acordos de exportação com mais 22 e entregou dez milhões de doses ao mecanismo Covax, promovido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), indica a Xinhua.

A OMS está a estudar as vacinas produzidas pelas empresas chinesas Sinopharm, Sinovac e CanSino para determinar se cumprem os padrões mundiais de qualidade e segurança, antes de as incluir na sua lista de fármacos aprovados.

Ver original em "AbrilAbril" na seguinte ligação:

https://www.abrilabril.pt/internacional/china-vai-enviar-vacinas-para-mais-19-paises-africanos

sexta-feira, fevereiro 19, 2021

A saga do vaci-negócio

de páginas de um quase-diário:

19.02.2021

Ontem coloquei, em dois posts, intervenções de deputados no Parlamento Europeu, sobre o magno problema das vacinas.

Um, do João Ferreira, que sublinhava aspectos muito relevantes sublinhando a operação público-privada em benefício evidente dos privados, e outro, de deputada francesa, que se dirigia à presidente da Comissão, com grande acutilância, e denunciava a submissão da dita Comissão aos grandes laboratórios privados.

Nesta intervenção, a deputada Manon Aubry mostrou um dos documentos do acordo da Comissão com os laboratórios, a que apenas com muitos esforços os deputados tinham tido acesso… mas em que partes do acordo estavam ocultas, ilegíveis.

O que, sendo estranho, é inaceitável num equilíbrio institucional, os eleitos parecem ter de se submeter a executivos nomeados sabe-se lá (a U.E.) como, embora tenham de passar por um ritual aparentemente democratizante.

Essas partes do contrato mostrado, com tiras a negro em documento dactilografado (melhor se diria computorizado ou digitalizado) seriam evidentemente as que mais interessariam, sobre preços, calendário de entregas (e se isso nos interessa!), cláusulas de responsabilidade…

Hoje, na informação de que me “alimento” ao pequeno-almoço, encontrei, num documento dos promocionais da imagem da U.E., uma informação que considero interessante:

Biontech et Pfizer exigeaient 54 euros par dose de vaccin 

en juin

[Politique] Les sociétés pharmaceutiques Pfizer et Biontech avaient demandé 54,08 euros par dose de vaccin en juin dernier, montant qui a ensuite été ramené à 15,50 euros par dose lors de négociations.

A isto chama-se “marralhar”: o vendedor começa por oferecer a mercadoria, em Junho, por 54,08 euros a dose de vacina e acaba por a contratar por 15,50 euros a dose… em que prazos de entrega, com que cláusulas de responsabilidade em caso de não cumprimento?

E importaria também conhecer qual o investimento público para que o privado tivesse a mercadoria e… a patenteasse como sua propriedade industrial.

E eu a lembrar-me de texto de 1848 sobre a não neutralidade social do aparelho de Estado nacional (ou, actualizando, associação de Estados com apregoadas virtudes públicas mas submetendo-se e beneficiando vícios privados – e vacinas...)   

A U.E. de joelhos perante as transnacionais farmaceuticas...

... e nós, de rastos!
(é preciso fazer um desenho... ou traduzir?!)

sexta-feira, fevereiro 12, 2021

Eles comem tudo...

  - Edição Nº2463  -  11-2-2021


Dependências que a COVID destacou

O Governo continua a gerir a sua intervenção a partir da submissão às imposições da UE mesmo quando isso confronta os interesses nacionais e a resposta rápida e eficaz que muitos dos problemas decorrentes dos impactos da epidemia reclamariam. Há um espécie de dogma com que se responde a quase tudo sempre que essa submissão é questionada: o que seria de Portugal sem a UE? Seguindo-se o cenário apocalíptico que em regra é invocado.

A fórmula gasta e acéfala é repetida até à exaustão. Sem a UE, um país pequeno como o nosso, o acesso de Portugal às vacinas seria uma miragem; sem a UE não se verificariam condições de financiamento nem o acesso aos «mercados» por parte do Estado português; sem a UE não teríamos a famosa «bazuca europeia» para relançar o investimento e responder à crise!!!

Mas o que se apresenta como salvação do País, na verdade, é o reflexo da sua dramática dependência. Dependentes para decidir sobre a TAP. Dependentes para comprar e produzir vacinas. Dependentes, muito dependentes, para decidir sobre o investimento público necessário ao País.

Veja-se, por exemplo, a execução verificada no Orçamento de 2020 e os cerca de 2,4 mil milhões de euros de margem orçamental que ficaram por utilizar em nome das regras do… Euro. Olhe-se para a forma passiva em como se aceitou o encerramento de unidades produtivas como a refinaria de Matosinhos ou a central de Sines passando a importar o que aí se produz. Veja-se como não cessam as mensagens da UE para a contenção salarial e as ditas reformas estruturais.

Nada que importe à elite económica nacional mais interessada em preservar os seus privilégios ainda que na sombra das grandes transnacionais.

Sem uma ruptura com este caminho, no rescaldo da pandemia, quando os seus maiores impactos – sobretudo sanitários - tiverem sido superados, o risco de se acentuar ainda mais o carácter periférico e subalterno do País é enorme. É também no cavar desse fosso que as grandes potências da UE apostam com o triste aplauso e regozijo de todos os que dizendo-se “europeístas” franqueiam as portas a uma dependência que nos rouba o futuro.

Vasco Cardoso



terça-feira, fevereiro 09, 2021

Lê-se e pasma-se...

 Lê-se no Público de hoje:

A Sputnik foi prejudicada
pela propaganda do
Kremlin, mas os ensaios
clínicos parecem justificar
que venha a entrar na UE

... e pasma-se!

"propaganda do Kremlin" ?! Não houve propaganda (relações públicas, lobbies, sei lá mais...) mas sim da parte da Pfizer e outros comparsas desta desavergonhada (para não dizer criminosa, por deshumana) negociata das vacinas?

..."parecem justificar que..." ?! Que reticências são estas?

... "... que venha a entrar na UE." ?! Isto é: que, com ensaios clínicos e tudo o resto, ainda precisarão de passaporte e visto UE para entrar nos "protegidos" Estados-membros?, ao que chegou a des-soberania nacional!

domingo, fevereiro 07, 2021

É mesmo uma questão de prioridades (e de coerência com valores afirmados)

  - Edição Nº2462  -  4-2-2021

«A nossa prioridade é a saúde»

A saga dos contratos entre a Comissão Europeia e as seis multinacionais farmacêuticas com as quais contratualizou o fornecimento de vacinas contra o SARS-COV2 continua. Como sempre o grande capital age em função do lucro. O facto de as grandes farmacêuticas estarem a desrespeitar acordos estabelecidos, porque estão a vender vacinas a preços diferenciados, não nos deve surpreender. É a velha máxima: vender a quem dá mais. Num momento em que Portugal deveria usar de todas as suas «armas» diplomáticas que permitissem o acesso rápido e ao menor custo possível às vacinas, incluindo por acordo para produção no nosso País, aquilo que vemos é um país dependente de entendimentos e desentendimentos da Comissão Europeia com gigantes como a Pfizer ou a AstraZeneca. Dir-se-á que Portugal é um país pequeno, sem capacidade financeira para negociar com os gigantes farmacêuticos. E é exactamente por isso que Portugal deveria ter seguido outros caminhos.

Há um país, com uma população similar à nossa, que irá produzir 100 milhões de doses de uma vacina chamada «Soberana», tendo mais três em fases finais de testes. Não é um país rico e é alvo de um bloqueio económico há mais de 60 anos. Esse país, onde desde o início da pandemia morreram 213 pessoas, é Cuba. Irá não só assegurar a inoculação de toda a sua população, como irá assinar acordos, estatais, com países como o Vietname, Irão, Venezuela, Paquistão e Índia. A vacina será gratuita em Cuba, e será fornecida a outros países. Segundo os responsáveis cubanos «a estratégia de Cuba para comercializar a vacina é uma combinação humanitária e de impacto na saúde, aliada à necessidade de o sistema cubano apoiar (financeiramente) a produção de vacinas e medicamentos para o país»«Não somos uma empresa multinacional na qual o retorno [financeiro] é a razão número um. Trabalhamos diferente, a nossa prioridade é a saúde». Está tudo dito!

Ângelo Alves

quinta-feira, fevereiro 04, 2021

O vaci-negócio (e ilustração)

  - Edição Nº2462  -  4-2-2021


O vaci-negócio

A saga das vacinas COVID está a virar uma «bagunça» (Financial Times, 30.1.21). Em final de Janeiro, «apenas 2% da população adulta da UE recebeu as vacinas» (Guardian 28.1.21) e sucedem-se azedas trocas de acusações sobre responsabilidades. Mas extraordinários são mesmo os contratos entre governos das potências capitalistas e a grande indústria farmacêutica.

O New York Times publicou (28.1.21) um artigo com o título: «Governos assinam acordos secretos de vacinas: eis o que escondem», onde diz: «Os governos têm gasto milhares de milhões de dólares para ajudar as empresas farmacêuticas a desenvolver vacinas e estão a gastar milhares de milhões adicionais para comprar as doses. Mas os pormenores desses acordos permanecem em boa medida secretos». As transferências de fundos públicos são colossais: «A empresa de biotecnologia Moderna não apenas baseou a sua vacina em tecnologia desenvolvida por entidades públicas, como recebeu mil milhões de dólares em financiamentos estatais para desenvolver o fármaco. Em Agosto o governo fez uma encomenda inicial de vacinas no montante de 1,5 mil milhões de dólares. A empresa já disse que o projecto foi integralmente pago pelo Governo Federal. […] Mas apesar dos colossais investimentos do contribuinte, tipicamente as empresas farmacêuticas ficam detentoras da totalidade das patentes»! O artigo relata que os esforços de vários países para que essa «propriedade intelectual» seja levantada «permitindo a produção de vacinas por laboratórios genéricos» está «condenada ao fracasso pela oposição dos EUA e Europa [União Europeia], cujas farmacêuticas afirmam que as patentes, e os lucros que geram, são a seiva vital da inovação». Tese interesseira, contraditada pelo que o próprio artigo relata sobre a origem pública da tecnologia subjacente à vacina da Moderna.

O escândalo não acaba aqui: «Um dos elementos fundamentais dos contratos de vacinas – o preço por dose – é frequentemente censurado nas versões públicas dos contratos governamentais. As empresas consideram-no um segredo comercial. […] Ao insistirem que os preços sejam confidenciais, as farmacêuticas levam vantagem sobre os negociadores governamentais, que desconhecem os montantes que estão a ser pagos por outros países». Da mesma forma, «os tempos de entrega são considerados informação proprietária» e «nos Estados Unidos, as farmacêuticas estão protegidas de praticamente qualquer responsabilidade legal no caso das suas vacinas não funcionarem ou provocarem efeitos secundários sérios».

A ‘bagunça’ é também uma negociata que assegura lucros colossais às grandes farmacêuticas, independentemente da eficácia que as vacinas venham a revelar ou dos seus eventuais efeitos secundários. É no que dá a promiscuidade entre governos e grande capital. Veja-se Durão Barroso, que de Primeiro Ministro passou (pela porta da Cimeira das Lajes) para a Presidência do Conselho Europeu, a Goldman Sachs e agora também a Presidência da Aliança Global pelas Vacinas (GAVI) que o Jornal Económico (29.9.20) descreve como «uma parceria público-privada» de âmbito mundial onde também pontifica a Fundação de Bill Gates. Mas nestas «parcerias» o público paga e o privado lucra, seja qual for o resultado do serviço. É sempre assim quando manda o grande capital.

Jorge Cadima

_____________________________________________________________________



segunda-feira, dezembro 28, 2020

Reflexões lentas - Grito (calado?)!

 GRITO (calado?)!

 “Afinal, quem controla o poder controla o discurso”, li algures[1].

Esse controlo do discurso ganha expressão evidente quando o discurso se torna espectacular, o que quer dizer espectáculo e especulação.

Foi e é o caso do discurso relativo à pandemia que nos (a todos) atacou.

O poder[2] é uma sucessão, ou escada, ou hierarquia, em que o poder económico (dominado pelo poder financeiro, monetário e transnacional), subordina o poder político, apesar da aparência de supremacia deste, por ser dele que se vêem dimanar as decisões… e controlar o(s) discurso(s).

Ora este controlo do discurso, o que se diria ser a informação pública, ou melhor: publicada e/ou publicitada, deu a esta o carácter avassalador, de grande espectáculo, neste período de enorme e algo inesperado surto epidémico. E passou por fases em que se inculcaram sucessivas ou sequentes linhas de força.

Primeiro, alguma desorientação, descoordenação, em que as várias expressões do poder político, cada uma à sua maneira, reagiram aos factos. No entanto, em todas as dominantes aconteceu a clara, ainda que escondida, intenção de aproveitamento de pretexto para ultrapassar, quando não eliminar, constrangimentos que em “situações normais” seriam mais difíceis de contrariar.

O medo!, justificando medidas de excepção, emergência, calamidade, estado de sítio, golpes de Estado à revelia de direitos conquistados e constitucionalizados.

Aos poucos, passo a passo, e sentindo-se a procura de articulação de linhas de força, quase se diria “ajudada” pela não atenuação do surto epidémico ou até do seu agravamento – a segunda vaga, a nova estirpe –, a consolidação e melhor coordenação a partir do real poder. Do poder económico (financeiro, transnacional).

E apregoou-se a luz ao fundo do túnel sob a forma de vacina. Com a afanosa procura de  remédio-remendo que viesse equilibrar o medo e evitar o pânico. Silenciando outras vias, de/em outros hemisférios, ao que parece bem mais rápidas e eficazes para o combate real, verdadeiro, não espectáculo, ao mal que atacou a Humanidade.

Avanços em Cuba, na China, na Rússia, reais passos em frente no ataque ao vírus? Um clamoroso silêncio, acompanhado por uma barulhenta campanha de afirmação das virtudes da investigação científica… em economia livre, “de mercado”. Uma corrida concorrencial que, noutros termos de informação seria, no mínimo, escabrosa. Marketings, jogos de Bolsa, compras às cegas, linguagem em milhões, milhares de milhões, biliões (de quê?, não importa) como carradas de areia para os olhos e os ouvidos, e todos os eventuais outros sentidos dos humanos.

Ainda, os aproveitamentos colaterais dos simultâneos engulhos, mesmo ocasionais, no interior do poder: os Trumps e Boris, o Brexit, a situação dos mais desfavorecidos dos desfavorecidos.

Finalmente, ontem, o grande, o fantástico, o retumbante show das vacinações. O dia D, a hora H, o vacinado V, pela enfermeira E, à vista da ministra M, com comentários dos superiores P e 1º. Aqui, ali, acolá! O dia, o acto que "ficará para sempre na memória"... dos protagonistas. 

Com algumas falhas, alguns deslizes ou prepotências que levaram a traiçoeiras antecipações, é verdade. Mas de pronto silenciados, ou deixados para protestos quando oportunos e inconsequentes, para não estragar o espectáculo de braços nus à espera da espetadela, em várias línguas e cores de pele (ou estou a enganar-me?, e eram apenas peles de rostos pálidos que outras cores, outros paladares, foram antes picados ou ficam para mais tarde).

E aqui, neste parenteses último, salta uma indignação insolente. Que poderia fundamentar uma contra-informação, um contra-poder. Que existe sempre, porque – é vital não esquecer! – nunca o poder se exerce sozinho, resulta de uma correlação de forças em que umas dominam outras, e estas outras constituem o efectivo contra-poder. Que existe!, mesmo quando não será oportuno manifestar-se porque o poder se manifestou com tal força, com tal impacto no sentir e na consciência (adormecida ou mal desperta) dos humanos, que qualquer reserva, ou real, comprovada, informação, vinda desse contra-poder, soaria a despropositada, a ressabiamento, quiçá a terrorismo informativo, no mínimo a estraga-festas

É oportuno, neste choque de informações, opor ao quase delirante, eufórico, espectacular e especulativo episódio histórico, grandioso momento da Humanidade, dia e hora para não esquecer, para fixar em anais e onde mais, é oportuno lembrar o já feito sem pompas nem circunstâncias que tais, em Cuba, na China, na Rússia?  Não provocaria uma reacção generalizada e indignada de repúdio.

Mais: quem se atreverá ou, atrevendo-se, que consequências terá vir lembrar que, nesta corrida demencial para iluminar o fundo do túnel com uns frasquinhos de marca registada (e que já lucros e dividendos de milhares de milhares de milhões proporcionaram), houve quem tivesse sido obrigado a despir (se é que estava vestido) o braço de outra cor, quase esquelético e/ou cheio de doenças ancestrais, para uma universidade ligada a transnacional do capital testar se braços carnudos, redondos, poderiam receber a seringa salvadora, para mais com televisões e outras vias que tais a testemunharem e a transmitir, em directo e em muito repetidos diferidos?

Atrevo-me ou não? Não se trata de saber se me trará, a mim, benefícios ou prejuízos, trata-se de saber se será útil, se dará algum contributo positivo neste momento desta luta insana à pala da saúde pública. Isto é, de TODOS (e neles incluo os sacrificados das reservas peles vermelhas dos Estados Unidos, bem mais sacrificados heróis que os heróis nossos, que, verdade se diga, heróis teriam sido…).

Também com a escassa audiência que este “grito” tem, não vem bem ou mal aos(s) mundos(s). Por isso. publique-se



[1] - li esta frase num outro texto de outro autor e cometo a talvez incorrecção de não dizer onde e de quem porque isso implicaria a exigência de tratar dos pressupostos e ilações que contornam a frase, o que ficará para outra ocasião ou oportunidade… ou, dito de outra forma, não perde pela demora.

[2] - numa/nossa leitura que vem de 1848, e que a realidade sempre diferente/sempre igual vai confirmando,

segunda-feira, novembro 30, 2020

O FMI e a pandemia

 FMI APROVEITA A PANDEMIA

PARA ABRIR CAMINHO A PRIVATIZAÇÕES EM 81 PAÍSES

Alan Macleod *

Para muitos, a pandemia é uma oportunidade de reorientar a economia para um sistema ecologicamente mais sustentável do que o consumo de massas.  Para o FMI, no entanto, está a ser usada para promover mais privatizações e medidas de austeridade que, invariavelmente, enriquecem os mais poderosos e enfraquecem os pobres e desapossados. Tudo indica que, se a organização conseguir o que quer, serão os pobres que pagarão pela pandemia, enquanto os ricos prosperam.

 A enorme desorganização económica causada pela pandemia COVID-19 oferece uma oportunidade única de alterar fundamentalmente a estrutura da sociedade e o Fundo Monetário Internacional (FMI) está a usar a crise para implementar medidas de austeridade quase permanentes em todo o mundo.

76 dos 91 empréstimos que negociou com 81 nações desde o início da pandemia mundial, em março, vêm acompanhados de exigências de que os países adotem medidas como cortes profundos nos serviços públicos e nas pensões – medidas que, sem dúvida, envolverão privatizações, congelamentos ou cortes de salários, ou o despedimento de funcionários do setor público, como médicos, enfermeiros, professores e bombeiros.

Principal apoiante das medidas de austeridade neoliberal em todo o mundo durante décadas, o FMI, recentemente (e discretamente), começou a admitir que essas políticas não funcionaram e geralmente causaram problemas como a pobreza, o desenvolvimento desigual e outras desigualdades ainda maiores.  Que também não conseguiram trazer o crescimento económico prometido para contrariar esses efeitos negativos. Em 2016, o FMI descreveu as suas próprias políticas como “exageradas” e, anteriormente, resumiu as suas experiências na América Latina como “tudo dor, nenhum ganho”. Assim, os seus próprios relatórios declaram explicitamente que as suas políticas não funcionaram.

O FMI alertou para o perigo de um grande aumento das desigualdades, no início da pandemia. No entanto, está a orientar os países no sentido de pagarem os gastos da pandemia fazendo cortes de austeridade que irão alimentar a pobreza e a desigualdade”, disse hoje Chema Vera, Diretor Executivo Interino da Oxfam International.

“Essas medidas podem deixar milhões de pessoas sem acesso a cuidados de saúde ou apoio aos rendimentos, enquanto procuram trabalho, e podem frustrar qualquer esperança de recuperação sustentável. Ao adotar essa abordagem, o FMI está a cometer uma injustiça contra a sua própria pesquisa. A sua cabeça precisa de começar a falar com as suas mãos.

A Oxfam identificou pelo menos 14 países que julga que congelarão ou depressa cortarão os salários e empregos do setor público. A Tunísia, por exemplo, tem apenas 13 médicos para cada 10.000 pessoas. Qualquer corte no seu já escasso sistema de saúde prejudicaria a sua luta contra o coronavírus. “Se as pessoas não puderem pagar os testes e cuidados com a COVID-19 e outras necessidades de saúde, o vírus continuará a espalhar-se sem controle e mais pessoas morrerão. As despesas de saúde pagas pelo bolso de cada um eram uma tragédia antes da pandemia, e agora são uma sentença de morte”, acrescentou Vera.

Um caso de estudo do FMI

O Equador é um exemplo perfeito das consequências das ações do FMI. Governado anteriormente pelo governo radical de Rafael Correa, que priorizou a redução da pobreza, condenou o FMI e a sua organização irmã, o Banco Mundial, e deu asilo a dissidentes ocidentais como Julian Assange, o país é governado por Lenin Moreno desde 2017. Moreno começou imediatamente a desfazer o legado de Correa, e chegou mesmo a tentar processá-lo. Em 2019, por ordem do FMI, Moreno cortou o orçamento de saúde do país em 36 por cento, em troca de um empréstimo de US $ 4,2 mil milhões do FMI, uma medida que provocou protestos em massa em todo o país, ameaçando sabotar a sua administração.

Os resultados foram quase apocalípticos, já que a maior cidade do país, Guayaquil, se tornou o centro mundial do coronavírus, com corpos a apodrecer nas ruas durante vários dias, porque os serviços religiosos estavam sobrecarregados. A cidade sofreu mais mortes do que Nova York no seu pico e com muito menos infraestruturas para lidar com o problema. Embora o número oficial de casos no país seja baixo, a taxa de mortalidade está entre as mais altas do mundo, sugerindo que os serviços estão completamente sobrecarregados.

No início deste mês, Moreno anunciou um novo acordo de US $ 6,5 mil milhões com o FMI, que aconselhou o seu governo a recuar nos aumentos dos gastos de saúde com a emergência, a interromper as transferências de dinheiro para aqueles que não podem trabalhar devido ao vírus e a cortar os subsídios aos combustíveis para os pobres.

Na crise, uma oportunidade

O FMI também interfere diretamente nas políticas internas de nações soberanas. Em março, recusou-se a fazer empréstimos ao governo venezuelano por causa da “falta de clareza” sobre quem mandava, sugerindo que o democraticamente eleito Nicolás Maduro renunciasse, antes de considerar um empréstimo ao país. Ao mesmo tempo, porém, o autoproclamado presidente e figura da oposição, Juan Guaidó, anunciou que tinha garantido um compromisso de US $ 1,2 mil milhões da organização, com a condição de que Maduro renunciasse e permitisse que um “governo de salvação nacional” assumisse o controle do país. Uma sondagem realizada no mesmo mês por um simpático analista revelou que apenas 3% dos venezuelanos apoiaram Guaidó.

Nas crises há sempre oportunidades. Para muitos, a pandemia é uma oportunidade de reorientar a economia para um sistema ecologicamente mais sustentável do que o consumo de massas.  Para o FMI, no entanto, está a ser usada para promover mais privatizações e medidas de austeridade que, invariavelmente, enriquecem os mais poderosos e enfraquecem os pobres e desapossados. Tudo indica que, se a organização conseguir o que quer, serão os pobres que pagarão pela pandemia, enquanto os ricos prosperam.

 * Alan MacLeod é membro do Glasgow University Media Group. É o autor de “Bad News From Venezuela: 20 Years of Fake News and Misreporting” [Más notícias da Venezuela: 20 anos de notícias falsas e reportagens fictícias]. O seu livro mais recente, Propaganda in the Information Age: Still Manufacturing Consent [Propaganda na Era da Informação: Fabricando ainda o consentimento] foi publicado pela Routledge em maio de 2019.

terça-feira, novembro 24, 2020

Vacinas - concorrência empresarial e guerra comercial

Tinha agendado fazer um comentário tão "virulento" quanto me permito, quando recebo este artigo do jornal PÚBLICO. (.. de Espanha!, não o de Portugal). 

Resolvi traduzi-lo e transcrevê-lo: 

 


Era uma vez, em Março, quando estávamos fechados em casa e assustados como Covid e se faziam discursos grandiloquentes no G20, na OMS e nas Nações Unidas, sobre a “universalização" dos tratamentos contra a pandemia... acreditei que o mundo podia ser melhor, que esta emergência sanitária global imporia sageza na gestão internacional da saúde.

Entretanto, passaram-se coisas como estas:

1 – A União Europeia já reconhece ter ter comprado mais de 1800 milhões de doses de vacinas de 5 grandes empresas farmacêuticas, quando somos 450 milhões de europeus. Cabem-nos 4 por cabeça; isto é, longe da gesta estadounidense que já tem pré-compradas 8 vacinas por cada norte-americano!

Que loucura é esta em que se compram vacinas sem saber se vão ser usadas?

(…)

2 – O conselheiro delegado da Pfizer, Albert Bourla, vendeu metade das suas acções no dia seguinte a anunciar, por nota de imprensa, que a sua vacina era, presumivelmente, a escolhida, embolsando mais de 5 milhões de dólares

Mas não está proibido e penalizado que os directivos enriqueçam de maneira fraudulenta? A sério?

3 – Os directores de Moderna, incluído o espanhol Juan Andrés, fizeram o mesmo, depois de anúncio semelhante, e encaixaram 75 milhões, mas prometeram que não voltariam a fazê-lo até que a sua vacina seja comercializada. Moderna lança uma mensagem: fizemos algo de errado, mas não voltaremos a fazê-lo, não somos como a concorrência.

Somos tão cretinos para que conceda valor publicitário a um anúncio como este da Moderna? Que apoio social merece ser espertalhaço e dizer-se morto mas só um bocadinho

4 – Os donos de Remdesivir,  um medicamento que também parecia solução, assinaram um contrato milionário com a UE, de 2000 Euros por paciente, uns dias antes da OMS publicar um estudo que diz que o seu medicamento não cura, nem encurta as hospitalizações. As suas acções subiram e baixaram e, neste processo, alguém se aproveitou deste contrato, e com ele, levou uns quantos milhões para casa.

Poder-se-ão devolver  os Rendemsivir que foram pagos a preço de ouro?; Porque nada se publica sobre isto, mesmo em letra pequena?

5 – AstraZeneca, a farmacêutica britânica por detrás da vacina de Oxford, prometeu não lucrar com a Covid “enquanto durar a pandemia”, mas não terá contra si possíveis questões por responsabilidade civil por efeitos secundários. Desconhecemos quem filtrou este significativo dado. Este acordo, assinado com a UE seria confidencial, mas autoridades europeias justificaram a divulgação deste facto por seu preço ser o mais baixo. Com a soma destes factores, os anti-vacinas já a terão colocado em primeiro lugar na sua lista negra, ainda que quem possa levantar essas hipotéticas questões sejam os Estados. Conclusão: a vacina de Oxford, a menos lucrativa, a mais solidária, foi enlameada antes de começar a partida.

Não é uma pena que o exemplo de AstraZeneca não tenha sido propagado?; Não deveriam os Estados, com o seu financiamento, apoiar mais, ou apenas, iniciativas como esta?

6 – A União Europeia, com a Fundação Bill Gates e outros, assinou um acordo para fazer empréstimos aos países mais pobres, que não possam pagar pelas vacinas o que as farmacêuticas peçam. Os especialistas dizem que se Covax, assim se chama o programa, conseguir cumprir com os seus objectivos logrará levar algumas vacinas aos países mais pobres mas não aos médios.

Onde paga impostos na Europa a Microsoft? Como é possível que, uma vez mais, se procurem e se assinem mecanismos para dar esmolas, em vez de se fazer justiça?

e 7 – A 17 de Dezembro a Organização Mundial do Comércio decidirá se se levantam patentes das vacina de Covid, enquanto dura a pandemia, para facilitar o acesso universal a estes transcendentes medicamentos. Neste momento, India e África do Sul pedem-no e Médicos do Mundo e centenas de associações pela igualdade de direitos sanitários reclamam-no. Espanha posicionou-se com o resto da UE, com Estados Unidos, Japão e outros países ricos estão contra. Todos estes gastaram fortunas pré-comprando vacinas neste salve-se quem puder.

Pode argumentar-se, sem pudor, que o direito a especular prevaleça sobre o direito mais humano de todos: o direito a continuar vivo? Como se justifica a concorrência empresarial e a guerra comercial que existe, numa emergência sanitária mundial? Se não somos capazes de colaborar para isto, como seremos capazes de colaborar em qualquer outra coisa? Como é possível que, no século XXI, as farmacêuticas procurem, sem limites, o seu lucro, com patentes por 20 anos, quando muita da sua investigação é financiada com dinheiro público ou com pré-contratos com os Estados? Para quando uns lucros de não mais de, digamos, 10%? Não é o mais triste desta pandemia que ela não esteja servindo para avançar na guerra mais larga, em que se luta por mais saúde, por menos insultante desigualdade, ainda que seja à custa de menos negócio?

PS: Nem sequer um Governo que se dia de coligação de esquerdas vai ter a valentia de defender publicamente, em organismos internacionais, o que todos sabem que seria justo e necessário?