segunda-feira, dezembro 28, 2020

Reflexões lentas - Grito (calado?)!

 GRITO (calado?)!

 “Afinal, quem controla o poder controla o discurso”, li algures[1].

Esse controlo do discurso ganha expressão evidente quando o discurso se torna espectacular, o que quer dizer espectáculo e especulação.

Foi e é o caso do discurso relativo à pandemia que nos (a todos) atacou.

O poder[2] é uma sucessão, ou escada, ou hierarquia, em que o poder económico (dominado pelo poder financeiro, monetário e transnacional), subordina o poder político, apesar da aparência de supremacia deste, por ser dele que se vêem dimanar as decisões… e controlar o(s) discurso(s).

Ora este controlo do discurso, o que se diria ser a informação pública, ou melhor: publicada e/ou publicitada, deu a esta o carácter avassalador, de grande espectáculo, neste período de enorme e algo inesperado surto epidémico. E passou por fases em que se inculcaram sucessivas ou sequentes linhas de força.

Primeiro, alguma desorientação, descoordenação, em que as várias expressões do poder político, cada uma à sua maneira, reagiram aos factos. No entanto, em todas as dominantes aconteceu a clara, ainda que escondida, intenção de aproveitamento de pretexto para ultrapassar, quando não eliminar, constrangimentos que em “situações normais” seriam mais difíceis de contrariar.

O medo!, justificando medidas de excepção, emergência, calamidade, estado de sítio, golpes de Estado à revelia de direitos conquistados e constitucionalizados.

Aos poucos, passo a passo, e sentindo-se a procura de articulação de linhas de força, quase se diria “ajudada” pela não atenuação do surto epidémico ou até do seu agravamento – a segunda vaga, a nova estirpe –, a consolidação e melhor coordenação a partir do real poder. Do poder económico (financeiro, transnacional).

E apregoou-se a luz ao fundo do túnel sob a forma de vacina. Com a afanosa procura de  remédio-remendo que viesse equilibrar o medo e evitar o pânico. Silenciando outras vias, de/em outros hemisférios, ao que parece bem mais rápidas e eficazes para o combate real, verdadeiro, não espectáculo, ao mal que atacou a Humanidade.

Avanços em Cuba, na China, na Rússia, reais passos em frente no ataque ao vírus? Um clamoroso silêncio, acompanhado por uma barulhenta campanha de afirmação das virtudes da investigação científica… em economia livre, “de mercado”. Uma corrida concorrencial que, noutros termos de informação seria, no mínimo, escabrosa. Marketings, jogos de Bolsa, compras às cegas, linguagem em milhões, milhares de milhões, biliões (de quê?, não importa) como carradas de areia para os olhos e os ouvidos, e todos os eventuais outros sentidos dos humanos.

Ainda, os aproveitamentos colaterais dos simultâneos engulhos, mesmo ocasionais, no interior do poder: os Trumps e Boris, o Brexit, a situação dos mais desfavorecidos dos desfavorecidos.

Finalmente, ontem, o grande, o fantástico, o retumbante show das vacinações. O dia D, a hora H, o vacinado V, pela enfermeira E, à vista da ministra M, com comentários dos superiores P e 1º. Aqui, ali, acolá! O dia, o acto que "ficará para sempre na memória"... dos protagonistas. 

Com algumas falhas, alguns deslizes ou prepotências que levaram a traiçoeiras antecipações, é verdade. Mas de pronto silenciados, ou deixados para protestos quando oportunos e inconsequentes, para não estragar o espectáculo de braços nus à espera da espetadela, em várias línguas e cores de pele (ou estou a enganar-me?, e eram apenas peles de rostos pálidos que outras cores, outros paladares, foram antes picados ou ficam para mais tarde).

E aqui, neste parenteses último, salta uma indignação insolente. Que poderia fundamentar uma contra-informação, um contra-poder. Que existe sempre, porque – é vital não esquecer! – nunca o poder se exerce sozinho, resulta de uma correlação de forças em que umas dominam outras, e estas outras constituem o efectivo contra-poder. Que existe!, mesmo quando não será oportuno manifestar-se porque o poder se manifestou com tal força, com tal impacto no sentir e na consciência (adormecida ou mal desperta) dos humanos, que qualquer reserva, ou real, comprovada, informação, vinda desse contra-poder, soaria a despropositada, a ressabiamento, quiçá a terrorismo informativo, no mínimo a estraga-festas

É oportuno, neste choque de informações, opor ao quase delirante, eufórico, espectacular e especulativo episódio histórico, grandioso momento da Humanidade, dia e hora para não esquecer, para fixar em anais e onde mais, é oportuno lembrar o já feito sem pompas nem circunstâncias que tais, em Cuba, na China, na Rússia?  Não provocaria uma reacção generalizada e indignada de repúdio.

Mais: quem se atreverá ou, atrevendo-se, que consequências terá vir lembrar que, nesta corrida demencial para iluminar o fundo do túnel com uns frasquinhos de marca registada (e que já lucros e dividendos de milhares de milhares de milhões proporcionaram), houve quem tivesse sido obrigado a despir (se é que estava vestido) o braço de outra cor, quase esquelético e/ou cheio de doenças ancestrais, para uma universidade ligada a transnacional do capital testar se braços carnudos, redondos, poderiam receber a seringa salvadora, para mais com televisões e outras vias que tais a testemunharem e a transmitir, em directo e em muito repetidos diferidos?

Atrevo-me ou não? Não se trata de saber se me trará, a mim, benefícios ou prejuízos, trata-se de saber se será útil, se dará algum contributo positivo neste momento desta luta insana à pala da saúde pública. Isto é, de TODOS (e neles incluo os sacrificados das reservas peles vermelhas dos Estados Unidos, bem mais sacrificados heróis que os heróis nossos, que, verdade se diga, heróis teriam sido…).

Também com a escassa audiência que este “grito” tem, não vem bem ou mal aos(s) mundos(s). Por isso. publique-se



[1] - li esta frase num outro texto de outro autor e cometo a talvez incorrecção de não dizer onde e de quem porque isso implicaria a exigência de tratar dos pressupostos e ilações que contornam a frase, o que ficará para outra ocasião ou oportunidade… ou, dito de outra forma, não perde pela demora.

[2] - numa/nossa leitura que vem de 1848, e que a realidade sempre diferente/sempre igual vai confirmando,

1 comentário:

Olinda disse...

Todo este circo,provoca reflexões e indignações.Gostei do que acabo de ler.Um dia...muito circo e pouco pão ,trará surpresas.Bjo