terça-feira, dezembro 29, 2020

Reflexões lentas - Torre Bela a dois tempos

Muito se fala e falará na que já foi célebre (no pós-longínquo 25 de Abril) Herdade da Torre Bela e que parece recuperar celebridade, que não celebração.

Nos idos meados dos anos 70, a Herdade da Torre Bela ficou célebre por ter ilustrado um episódio de revolucionarismo à pressa, de tudo-e-já, que mereceu muito mais revelo no discurso publicado então (esta formulação tem a ver com as últimas reflexões lentas) que os avanços numa reforma agrária, parceladora em unidades e cooperativas de produção no latifúndio, emparceladora no minifúndio.

Pessoalmente, lembro o entusiasmo despertado em jornalistas amigos ou de fresco conhecimento, vindos das Bélgicas e Franças que se acoitavam ou passavam pela casa na Rua do Sol ao Rato… aquilo e assim é que era!(1), e os meus esforços para moderação, e outra ponderação sobre o que se estava a passar.  

Bons tempos, apesar de (e contra) tudo.

Pois agora, ai está a Herdade da Torre Bela de novo na berlinda. Desta feita por um facto que merece geral indignação e repúdio.

No entanto, como também parece generalizar-se, as reacções, as reflexões, os comentários a que se ten acesso, ficam-se pela epiderme, pela veemência, pela espuma (dos dias), não chegando, ou até fugindo de se aproximar do… fundo da questão, das causas do facto.

Haverá (ou haveria) um negócio em trânsito (ao que parece de dimensão apreciável) que se concretizaria na ocupação de um espaço que teria de ser libertado de fauna que o ocupava impertinentemente.

Em vez de uma matança discreta que, sendo discreta, não teria qualquer rentabilidade, encontrou-se, com sentido empreendedor, uma forma de desencadear mais e outros negócios.

Uma transnacional organizou uma batida, um montado, em que o desfrute lúdico de dar ao gatilho e abater seres vivos seria trocado por quantidade vultosa de euros, acrescendo currículos de caçadores eméritos.

Os negócios entretecruzaram-se numa operação de que resultou a limpeza do espaço através da concretização de negócio cinegético.

540 gamos, javalis e veados abatidos?, quantos euros movimentados?

Merecendo todo o espaço que lhe é dedicado, o facto deveria levar a reflexão mais longe, mais fundo, à sociedade “de mercado”, em que o negócio impera imperial e que, por vezes, se desmesura e destapa o que, sem o excesso de ganância, poderia ficar no segredo do negócio... que, ao que parece, é a alma deste.

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E, a propósito, quantos índios navajos e lakotas, das reservas em espaço dos Estados Unidos, foram usados como cobaias humanas, para testes pela Universidade John Hopkins, ao serviço da empresa transnacional Pfizer, quantos morreram, quantos ficaram mais doentes do que já estavam (e, como cobaias; com doenças novas enquanto sobreviventes).

                E não se pode exterminá-lo(s)?...


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(1)- o radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista, como sempre, a ajudar a classe dominante a manter o domínio, sobretudo quando periclita nesse domínio na correlação de forças.

1 comentário:

Olinda disse...

Com o passar do tempo,nada mudou no carácter humano deturpado pela ganância.Entre o exemplo dos índios norte americanos e o exemplo dos animais mortos,só porque sim,pelo prazer de matar,ambos aqui denunciados,o que mudou de lá para cá na consciência da palavra humanidade?E a reflexão,leva-nos sempre ao ponto de partida.Que o mal está no capitalismo.Bjo