quinta-feira, dezembro 10, 2020

As eleições na Venezuela e quem lá esteve

  - Edição Nº2454  -  10-12-2020


Venezuela bolivariana celebra triunfo nas eleições legislativas

VITÓRIA O Grande Pólo Patriótico venceu as eleições legislativas venezuelanas do passado domingo, 6, obtendo ampla maioria no parlamento, que entrará em funções em Janeiro.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, celebrou a vitória do Grande Pólo Patriótico nas eleições realizadas no domingo, 6, para a Assembleia Nacional. Num discurso no Palácio de Miraflores, sede do governo, em Caracas, Maduro qualificou a jornada eleitoral como uma grande vitória da democracia, em que o povo elegeu os seus representantes no órgão legislativo para o período 2021-2026, depois de cinco anos de legislatura dominada por sectores da extrema-direita.

A presidente do Conselho Nacional Eleitoral, Indira Alfonzo, indicou na terça-feira, 8, que, com 98 por cento das actas escrutinadas, o Grande Pólo Patriótico obteve cerca 68 por cento dos votos (quatro milhões, 277 mil e 926 votos). Em segundo lugar ficou a Aliança Democrática, oposicionista, com 17,52 por cento (um milhão, 95 mil e 170 votos). A Alternativa Revolucionária Popular, que integra o Partido Comunista da Venezuela conquistou seis lugares.

PCP solidário

Em nota de dia 7, o PCP destaca que estas eleições, «realizadas sob o impacto de um cruel bloqueio económico e financeiro», constituíram uma afirmação «em defesa do caminho de soberania e independência nacional, de justiça e progresso social, de desenvolvimento e cooperação por parte do povo venezuelano».

Ao mesmo tempo, denuncia operações em curso visando retirar legitimidade ao acto eleitoral, «recuperar a oposição fantoche e persistir na ingerência e violência golpista».

Reafirmando a sua exigência do «fim imediato das criminosas acções de desestabilização, sanções e bloqueio económico e financeiro» contra a Venezuela e o povo venezuelano, o PCP insta ainda o Governo português a adoptar um posicionamento «consentâneo com os princípios da Constituição da República Portuguesa e os interesses do povo português – incluindo a comunidade portuguesa na Venezuela –, dissociando-se da política de ingerência e agressão promovida pelos EUA, com a cumplicidade da UE».

Sandra Pereira: «Estas eleições foram uma grande prova de resistência»

Em que contexto é que a tua deslocação à Venezuela se realizou?

O convite para acompanhar as eleições partiu do Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela e do Comando Nacional de Campanha «Darío Vivas», que congrega os partidos que integram o Grande Pólo Patriótico «Simón Bolívar», nomeadamente o Partido Socialista Unido da Venezuela. Surge na sequência de tentativas das autoridades venezuelanas garantirem a presença de observadores internacionais, incluindo da União Europeia (UE).

Foi como deputada do PCP no PE e como vice-Presidente da Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana (EUROLAT) que o convite foi dirigido, endereçado também a outros deputados no PE, nomeadamente do Grupo Confederal GUE/NGL. Acompanharam as eleições cerca de 300 representantes de forças sociais e políticas, jornalistas, deputados e outras personalidades da América Latina, África e Europa. Numa clara posição de boicote prévio às eleições, a UE decidiu em Setembro não enviar observadores.

Durante a tua estadia na Venezuela que contactos políticos e partidários mantiveste?

Nos vários encontros, expressámos a nossa solidariedade com a luta do povo Venezuelano pela defesa da sua soberania e contra as ingerências e agressões externas de que é alvo.

No plano institucional, destacaria o encontro com o presidente Nicolas Maduro, no dia anterior às eleições, no Palácio de Miraflores, e as reuniões com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jorge Arreaza, que expressaram o reconhecimento pela presença dos acompanhantes internacionais. Ainda no plano institucional, realizámos um encontro com a primeira vice-presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Tania Rodriguez, e creio que é justo destacar, ainda antes da chegada à Venezuela, o apoio e cuidado dos embaixadores da Venezuela em Portugal, e também no México (onde fizemos escala).

No plano partidário, contactámos forças revolucionárias e progressistas venezuelanas. Foi o caso dos encontros realizados – antes e depois das eleições – com Carolus Wimmer, responsável pelas relações internacionais do Partido Comunista da Venezuela, bem como dos encontros com dirigentes do PSUV, nomeadamente Jorge Rodriguez, do comando de campanha «Darío Vivas» e candidato às eleições.

Na segunda-feira após as eleições, participámos na conferência Diálogo entre Civilizações, onde estavam Jorge Arreaza, Evo Morales (Bolívia), Fernando Lugo (Paraguai) e Rafael Correa (Equador), com quem reunimos posteriormente para abordar a situação no Equador e as perspectivas para as próximas eleições, em 2021.

Que balanço fazes do processo eleitoral?

As eleições decorreram normalmente, ainda que num contexto de bloqueio económico e financeiro dos EUA e no quadro da epidemia, que naturalmente cria limitações. Podemos afirmar que as condições para o povo venezuelano se poder expressar livremente estavam garantidas. Isso foi visível nos vários postos eleitorais que visitámos em Caracas, Caraballeda e La Guaira.

Nas várias mesas havia representantes de diferentes forças políticas que também nos foram garantindo que estava tudo a decorrer de forma organizada e democrática. Em alguns postos havia filas e as pessoas falavam connosco, agradecendo a nossa presença e sublinhando a sua importância, nestas eleições. Foram vários os que se nos dirigiram para ligar a realização das eleições à defesa da soberania e independência da Venezuela.

Que consequências terão estes resultados eleitorais no futuro imediato da Venezuela?

Com estes resultados, há uma maioria de deputados na Assembleia Nacional favorável ao processo bolivariano, e isso poderá garantir maior estabilidade. Esta maioria permitirá ao governo desenvolver políticas económicas e sociais, necessárias para fazer face a vários problemas, muitos deles decorrentes das sanções e do bloqueio. E o que acho notável é que apesar de reais dificuldades, continua a haver avanços sociais, como por exemplo o transporte público, que passou a ser gratuito, ou a continuada política de garantia do direito à habitação – ainda recentemente, foram entregues mais habitações, perfazendo já no total três milhões e 300 mil.

Apesar da recusa em enviar observadores, a UE poderá reconhecer os resultados eleitorais?

Logo na segunda-feira, o denominado Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Joseph Borrel, anunciou que a UE não reconhece os resultados desta eleição. A declaração não é surpreendente, uma vez que a recusa em aceitar participar com observadores já previa uma posição destas, a estratégia era essa. O desrespeito pela soberania deste país chegou ao ponto de a UE tentar impor o adiamento das eleições, ou seja, que o governo da Venezuela desrespeitasse a Constituição que jurou cumprir. Também não surpreende a posição do Governo português que, ao pedir a repetição das eleições, confirma a sua inaceitável submissão à cartilha dos EUA e da UE. Posição que, é importante sublinhar, contraria os interesses da comunidade portuguesa na Venezuela.

Com a eleição de uma nova Administração nos EUA, há na Venezuela alguma expectativa de melhoria das relações entre os governos venezuelano e norte-americano?

Não sentimos que os venezuelanos acreditem que a política externa dos EUA vá mudar relativamente ao seu país. Mas o fim do bloqueio e das sanções reafirma-se como uma exigência fundamental, de modo a facilitar o progresso social dos venezuelanos e da comunidade portuguesa.

Daquilo que é conhecido até agora, creio que, infelizmente, o sentimento dos venezuelanos está correcto. A alteração da posição dos EUA, da UE e do Governo português vai depender essencialmente de dois aspectos: a capacidade de resistência daquele povo – e estas eleições foram uma grande prova de resistência – e a nossa solidariedade, que tem de continuar e intensificar-se.

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