- Edição Nº2449 - 5-11-2020
Era canção mas era, afinal, semente – que germinou nos milhares de vozes e guitarras que, em plena praça de Santiago, reivindicavam em Outubro do ano passado uma nova Constituição para o Chile. E é já bandeira também, drapejando sobre a multidão que em vozes a agita, trazida do tempo da Unidade Popular para o século XXI das muitas lutas americanas contra o imperialismo e pela democracia. El derecho de vivir en paz é já o primeiro artigo da Constituição com que os chilenos decidiram eliminar o actual código fascista, respondendo massivamente «apruebo» à pergunta «quiere usted una Nueva Constitucion?» do Plebiscito de 25 de Outubro de 2020.
Victor Jara escreveu El derecho de vivir en paz em 1969, cinquenta anos antes da sua entoação na luta pelo Plebiscito. A canção de protesto contra a agressão dos EUA ao Vietname viria a ser gravada em 1971, dois anos antes do golpe militar fascista de Augusto Pinochet. El derecho de vivir en paz foi manifesto e ponto de encontro de linguagens musicais, da música tradicional chilena à chamada sonoridade pop, juntando no palco fonográfico o tiple latino-americano (cordofone popular) e a guitarra eléctrica, as percussões tradicionais e a bateria, como que traduzindo em sons a perene actualidade da luta pela paz.
El derecho de vivir en paz conheceu várias versões entre o dia da estreia, no Teatro Marconi de Santiago, e as praças da luta pelo Plebiscito, conhecendo, ao longo dos anos, novas instrumentações para a melodia da canção, mantendo sempre as palavras de homenagem à luta de Ho Chi Minh. Mas quando, em Outubro de 2019, o movimento de massas lhe retomou a função mobilizadora, três dezenas de músicos chilenos juntaram aos versos de Victor Jara palavras de ordem da campanha pela Nova Constituição.
No início dos anos de 1960 juntou-se às lutas emancipadoras da América Latina um importante elemento agregador: a canção de protesto (que em Portugal viria a tomar a designação de «canção de intervenção»). Ao alento que a vitoriosa revolução cubana (1959) viria a dar à luta anti-imperialista, juntava-se a descoberta da música popular enquanto traço de identidade e de afirmação progressista, divulgada já por cantores como o argentino Atahualpa Yupanqui e a chilena Violeta Parra.
Palco da música construtora de futuros que marca o nosso tempo, a Festa do Avante! ampliou a voz a alguns dos mais importantes intérpretes da música latino-americana militante. Muitos se recordarão do concerto de Chico Buarque e convidados, um comício oposicionista no tempo da ditadura brasileira; mas ali encontrámos também as vozes dos uruguaios Andrés Stagnaro e Daniel Viglieti, da argentina Mercedes Sosa, dos chilenos Aparcoa, Taller Recabarren e Sérgio Ortega, nomes cimeiros da onda de resistência cultural anti-fascista que viria a marcar a História do nosso tempo. Um deles – Sérgio Ortega – seria o autor do refrão que, no Chile da Unidade Popular, como no Portugal da Revolução de Abril, marcaria a sonoridade da História: o povo unido jamais será vencido!.
3 comentários:
Manuel Pires da Rocha lê-se e ouve-se sempre com muito agrado.Victor Jara não morreu em vão e esteve sempre presente na Plaza de la Dignidad. Bjo
Muito bom este texto do Manel Rocha. Não esperava outra coisa...
Beijo.
Obrigado para o disco de Atahualpa Yupanqui que tu me deste Sergio.Sempre bon a ouvir e ler o texto do Manuel Rocha . Obrigada Dimitri e Véronique
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