segunda-feira, abril 19, 2021

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 - Nº 2472 (2021/04/15)

Lembrar

Argumentos

Foi no passado domingo e num canal pouco frequentado, o AXN, presumivelmente só visitado por uma minoria de telespectadores, para mais a meio da tarde, que foi transmitido «Resistentes», filme de Edward Zwick. Era, mais uma vez, uma estória situada durante a Segunda Guerra Mundial, ficção tristemente verosímil, com a brutalidade nazi a ser contestada por acções de resistência. Nada de novo, dirá quem porventura já esteja saciado de narrativas protagonizadas pelos crimes nazis e pela coragem dos que contra eles se organizaram. Essa eventual saciedade, porém, implica algum risco: não esquecer os crimes é a primeira condição para que eles não se repitam, e quem porventura prefira que «falemos de outras coisas» por este assunto já ter sido suficientemente abordado pode estar à beirinha de lhes facilitar uma reedição. Tem sido lembrado, mas nunca excessivamente, que o nazifascismo foi (ou mais exactamente, é) uma serpente que nunca chegou a ser exterminada de modo a impossibilitar uma indesejável ressurreição. Ou de outro modo: que nunca os ovos dessa serpente foram eficazmente destruídos.


Ajudar a memória

Poderá lembrar-se que os anos entre 33 e 45 do século passado já estão longe, que o actual mundo é outro, que as extremas-direitas de fardas paramilitares e cruzes mais ou menos suásticas estão definitivamente fora de moda. Pois sim. O essencial da questão, porém, será que os nazifascismos, com fardas e botas ou sem elas, sejam os passados ou eventualmente alguns actuais, não correspondem a qualquer delírio militarófilo sem raízes: os nazifascismos, os que a História regista e os que por aí circulem fora de moda mas sempre à espreita e disponíveis, são uma forma da luta de classes e serão sempre uma via possível mesmo se improvável. Por isso é saudável, e até mais que isso, lembrar até onde podem chegar as classes dominantes quando vêm a sua hegemonia em grande risco: não é possível uma compreensão correcta da Segunda Guerra Mundial sem a relacionar com classes, domínio, exploração em crescimento exponencial. Não foi por acaso que os movimentos de resistência antinazi em toda a Europa ocupada tiveram os partidos comunistas como sua espinha dorsal e não é por acaso que os sinais mesmo que ligeiros do regresso nazi em diversos lugares da Europa e do mundo são denunciados pelos comunistas. Não haverá grande pessimismo ou enorme exagero ao dizer-se que a direita no mínimo «compreensiva» para com os neonazis é a modalidade por agora «democrática» de pendores nazificantes. Na dúvida, olhe-se para a actual política interna na democrática Alemanha actual e repare-se em como por lá vai vivendo sem problemas nem visíveis angústias a extrema-direita. Por isso são saudáveis os programas que ajudem a não esquecer. Até porque haverá quem deseje que esqueçamos.

Correia da Fonseca 

2 comentários:

Olinda disse...

Correia da Fonseca é irrepetível.Bjo

Maria João Brito de Sousa disse...

Concordo; irrepetível!

Abraço!