A "guerra dos números", ou do que eles possam representar na economia portuguesa (e na vida dos portugueses), atinge, por vezes, expressões que raiariam o ridículo e provocariam chacota se não fosse o que atrás ficou entre-parenteses (e entre-parenteses está...): a vida dos portugueses.
O desemprego, por exemplo. Publicaram-se os números de Fevereiro e foi a oportunidade da comunicação social ouvir "a oposição", ouvi-la falar do aumento de décimas de percentagem em relação ao mês anterior, e particularmente do número impressionante (e muito grave) do chamado desemprego jovem; foi a altura do governo "meter a viola no saco", interromper o alarido que vinha fazendo sobre a melhoria da situação económica, com uns leves trinados desafinados sobre a sazonalidade e outras palavras criptadas.
Sempre que ouço ou leio coisas destas, sobre emprego e desemprego, salta-me para a cabeça o "chapéu" que há décadas usei na Direcção-Geral do Emprego e me foi abruptamente tirado quando tanto estava na calha para ser concretizado (e, esperava-se, num quadro e com resultados sociais bem melhores que aqueles que confrontámos e estamos a confrontar) e, dado que cabelo não me falta na cabeça (outras coisas faltarão...)arrepelo-me. Até porque foi nessa área que cooperei, a nível da OIT/Nações Unidas e outras entidades, em Guiné-Bissau, Cabo Verde, Moçambique e Angla), e desses trabalhos retirei experiências e ensinamentos que me permitiram doutoramento. Adiante, que as reflexões (estas) não são sobre mim, ora reformado, mas sobre os que desempregados estão e, alguns desesperados e ofendidos, humilhados e emigrantes.
O desemprego é uma doença social, e é urgente tomar-se consciência que a doença - que mais atinge os mais novos, e mais atingirá os que aí vêm a chegar ao mal chamado mercado do trabalho - resulta precisamente do modo como se encara o trabalho, e de como se fez dessa doença uma variável estratégica da capitalismo, enquanto sistema. Enquanto sistema baseado numa relação social de produção que divide os seres humanos em explorados e exploradores (estou a adivinhar sorrisinhos trocistas em alguém que tenha tropeçado, por mero acaso, nesta prosa e nela encontre apenas as frases batidas que, nem por isso - ou por isso mesmo - devem ser repetidas e não se fugir delas por serem por demais ditas e verdadeiras... ou será que só se devem repetir as mentiras para que em verdades se tornem?!).
Nestas reflexões, o que estou a usar é o meu tempo livre, aquele tempo que a Humanidade, no seu processo histórico (neste momento e lugar), nos libertou, aos contemporâneos e vizinhos. Teria sido libertados de ter de usar o tempo de vida para manter organizada a matéria de que somos feitos, procurando comida, roupa, tecto, remédio(s) e ajuda solidária para o que cura já possa ter. E temos de dar o nosso contributo para que essa organização da sociedade nos dê, a todos, tempo livre e não desemprego, mais tempo livre por menos ser necessário tempo de vida dispendido para que, solidariamente, mais seres humanos tenham acesso a mais tempo livre. Para quê? Para conhecer, para aprender, para pensar, para pintar, para fazer e tocar música, para escrever, para trabalhar, por gosto e jeito, a madeira, o ferro, a terra. Para viver humanamente.
Tempo livre versus desemprego, a mesma raíz para dois troncos bem diferentes. Um com as flores do futuro, outro pôdre.
Já disse e já escrevi isto de outras maneiras e feitios? De certo que sim... mas só se podem repetir, sem reparo, os números das estatísticas, mês a mês, com argumentos de sazonalidade e outras palavras terminadas em dade?
Segue a "guerra dos números", destes, no próximo mês. Entretanto, haverá outras. Não faltarão. Temos é de procurar, sempre, a essência das "cousas".