Do (quase) diário:
(...)
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2 no cravo da ferradura
(no ditado popular, ao ferrar uma besta,
o ferrador dá uma martelada no cravo e dá outra na ferradura não acertando no
prego)
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(uma na pata direita do lado interno)
- Edição Nº2305 - 1-2-2018
Dez notas sobre financiamento partidário
DEMOCRACIA Nos
últimos meses, como aliás em momentos anteriores, a Lei do Financiamento dos
Partidos, aprovada em 24 de Abril de 2003 e que o PCP sempre combateu e
combate, serviu uma vez mais para uma violenta campanha antidemocrática contra
«os partidos», mas visando o PCP e a sua independência. Nestas páginas
procura-se contribuir para o esclarecimento acerca do que verdadeiramente
esteve em causa com as alterações introduzidas em Dezembro último na Lei do
Financiamento dos Partidos e do significado profundo desta lei.
1-Desde a primeira hora que o PCP considera
a Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas
Eleitorais antidemocrática e inconstitucional. Esta lei, tal como a Lei
dos Partidos Políticos, foi aprovada em 2003, simbolicamente no dia 24 de
Abril; seguiu-se a lei que instituiu a Entidade das Contas e
Financiamentos Políticos.
Se a Lei dos Partidos pretendia
impor um «modelo único» de funcionamento partidário, decalcado das opções de
PS, PSD e CDS (sem que tivesse havido qualquer problema com a lei anterior que
o justificasse) a Lei do Financiamento aumentava as subvenções
públicas aos partidos que já então viviam sobretudo dessas verbas e ampliava
consideravelmente as despesas eleitorais. Por outro lado, impunha inaceitáveis
limitações à angariação de receitas próprias (quotas, contribuições de
filiados) por parte dos partidos junto dos seus militantes e simpatizantes e em
iniciativas políticas com angariação de fundos, eixos em que assentam a
esmagadora maioria das receitas do PCP.
O Partido votou contra este pacote legislativo e
deu expressão de massas a esta sua oposição por ver nele uma «inaceitável
agressão, pela via da lei, aos valores fundamentais da liberdade de associação
e autonomia dos partidos, até aqui respeitados como princípios fundamentais da
ordem jurídica portuguesa pós-25 de Abril», como na ocasião afirmou na
Assembleia da República. Contra tais leis promoveu, aliás, a Marcha «Liberdade
e Democracia», no dia 1 de Março de 2008, com mais de 50 mil participantes,
exigindo o restabelecimento das liberdades e direitos democráticos consagrados
na Constituição e a revogação das leis antidemocráticas que visam atingir o
PCP.
2-As recentes alterações à lei foram suscitadas
pelo Tribunal Constitucional, que apelou à Assembleia da República que a
clarificasse e eliminasse as inconstitucionalidades. Foram precisos 14 anos
para que o Tribunal Constitucional confirmasse muito daquilo que PCP vinha
dizendo desde 2003 sobre a Lei de Financiamento do Partidos e
sublinhasse a necessidade de corrigir algumas das suas normas mais absurdas,
regulamentadas pela Entidade das Contas. Os processos-crime
instaurados a quem cede espaços públicos para a realização de sessões de
esclarecimento, a proibição de uso de bandeiras de campanhas eleitorais
anteriores, são exemplos deste tipo de normas.
Entre as questões suscitadas pelo TC junto da
Assembleia da República estavam dúvidas de constitucionalidade relacionadas com
o regime jurídico institucional do financiamento político-partidário e as
«disfuncionalidades que tal regime acarretava» e a necessidade de corrigir
arbitrariedades existentes na sua aplicação. De facto, às inaceitáveis normas
de intromissão incluídas na lei somaram-se ao longo dos anos as interpretações
abusivas da Entidade das Contas, fazendo exigências absurdas, comportando-se
ora como legislador ora como uma verdadeira polícia política o que tem
resultado na aplicação de coimas inadmissíveis.
3-Estas alterações não foram feitas «às
escondidas», como determinados sectores procuraram fazer crer. Na sequência da solicitação
do Tribunal Constitucional, o presidente da Comissão Parlamentar de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias – o deputado Bacelar de
Vasconcelos, do PS – solicitou a constituição de um grupo de trabalho informal
com vista a encontrar as soluções legislativas correspondentes. Durante meses,
cada grupo parlamentar representado naquele grupo (PS, PSD, PCP, BE, CDS e PEV)
apreciou o roteiro de sugestões apresentado pelo Tribunal Constitucional,
reuniu com o seu presidente e vice-presidente e elaborou as propostas que
entendeu, sendo depois possível alcançar um consenso alargado das alterações a
introduzir.
O CDS participou no processo desde o início e,
já no final, manifestou discordância com dois artigos, que foram destacados e
votados em separado. O BE participou no grupo, votou favoravelmente todas as
alterações e procurou depois demarcar-se do processo.
O debate realizado no plenário da Assembleia da
República, na data definida pela conferência de líderes parlamentares, pôde ser
acompanhado pelos órgãos de comunicação social, como qualquer outro.
4-As recentes alterações aprovadas por ampla
maioria na Assembleia da República não representam qualquer aumento das
subvenções estatais aos partidos. Abriu-se, pelo contrário, a possibilidade de uma
maior iniciativa própria dos partidos políticos na recolha de fundos junto dos
seus militantes e simpatizantes, sem prejuízo de toda a fiscalização e controlo
existente. Ou seja, os partidos que o entendam podem ser menos dependentes das subvenções
públicas.
O PCP propôs por diversas vezes ao longo dos
anos reduzir as subvenções públicas aos partidos: a última, no final de 2016,
visava a redução de 40 por cento, proposta que foi chumbada por PS, PSD e CDS.
Nos dois últimos orçamentos do Estado, por proposta do PCP, foi congelado o
valor das subvenções públicas aos partidos políticos.
5-Os partidos também não deixariam de pagar IVA
com as alterações à lei. Não esteve em questão, em todo o processo de
alteração à Lei do Financiamento dos Partidos, nem o alargamento do
regime de IVA nem o seu fim. Os partidos pagam e continuam a pagar IVA por toda
a actividade que não seja política – da mesma forma que todo o património
partidário imobiliário não afecto à actividade política paga IMI. Ao que se
procurou pôr cobro foi à «discricionaridade de interpretações que tem existido
por parte da Autoridade Tributária» relativas ao pagamento e devolução deste
imposto e ao que constitui ou não actividade política.
É um absurdo que, por exemplo, um partido que
contrate uma empresa para a montagem de um comício tenha direito a ver o IVA
devolvido, enquanto o PCP viu muitas vezes negada essa restituição pela compra
dos materiais necessários à montagem e organização do comício pelos seus
próprios militantes. Ou que a Autoridade Tributária não considere intervenção
política e afirmação de identidade do PCP iniciativas do Centenário de Álvaro
Cunhal.
6-Não há qualquer incoerência entre a votação
favorável do PCP às alterações aprovadas a 21 de Dezembro e a sua oposição de
sempre à Lei do Financiamento dos Partidos, como a generalidade
dos órgãos da comunicação social procurou fazer crer. Como o PCP
esclareceu no dia 27 desse mês numa nota do seu Gabinete de Imprensa, as
alterações introduzidas não configuram uma nova legislação e mesmo as soluções
propostas pelo TC que tiveram acolhimento nas alterações consensualizadas pelos
partidos não são as que o PCP defende.
A lei, mesmo com as alterações introduzidas,
continua a não ser democrática, pois mantém como objectivos centrais dificultar
ou mesmo impedir a recolha de fundos assente na iniciativa própria e na
contribuição dos militantes e simpatizantes, e a manter o pendor do
financiamento público dos partidos, através das elevadas subvenções estatais. A
lei mantém ainda a limitação da autonomia de financiamento dos Partidos face ao
Estado e às entidades públicas.
7-As receitas em numerário não são sinónimo de
receitas de origem duvidosa. A lei impõe regras de comprovação e justificação
de todas as receitas, sejam elas em numerário ou não. O PCP não é nem nunca foi
contra a prestação de contas e o seu rigor, mas condenou e condena a
ingerência, devassa e condicionamento da actividade e liberdade de organização
política que a lei procura impor. Todos os anos o Partido presta contas ao
Tribunal Constitucional e os documentos sobre as contas de gestão são públicos.
Poderão os bancos que o Estado português «resgatou» dizer o mesmo?
O que os autores e defensores da Lei de
Financiamento dos Partidos realmente pretendem é atacar a
independência do PCP através da limitação da liberdade dos seus militantes e
simpatizantes de contribuírem financeiramente para o seu Partido. A lei actual
não permite, por exemplo, que 358 militantes ou mais paguem uma quota de cinco
euros em numerário, mas aumentou substancialmente as subvenções estatais aos
partidos políticos, beneficiando fundamentalmente os que têm maior expressão
eleitoral.
As moedas de dois euros e as notas de cinco
euros deixadas nas acções do PCP representam contribuições limpas e honestas, o
que não se poderá dizer daqueles cheques ou transferências bancárias de dezenas
de milhares de euros que qualquer um pode fazer a partir de um banco ou off-shore.
Por outro lado, nenhuma norma constitucional impõe às pessoas a obrigatoriedade
de abertura de conta bancária, que só abre quem quiser.
8-As iniciativas de angariação de fundos são
expressão da livre dinâmica de actividade dos partidos, como aliás de quaisquer
outras organizações de cidadãos. Contudo, a Lei de Financiamento dos
Partidos (aprovada em 2003 e entrada em vigor desde 2005) e a Entidade
das Contas têm na Festa do Avante! um dos seus alvos privilegiados.
Particularmente grave é o facto de as «iniciativas de angariação especiais de
fundos que envolvam a oferta de bens e serviços» que pela sua própria natureza
se diferenciam quer dos donativos de pessoas singulares quer das «receitas de
angariação de fundos» às quais a lei actual já impõe limites rígidos e
absurdos, passarem a estar também sujeitas a esses mesmos limites.
Ao longo dos anos, a Entidade das
Contas pautou a sua actividade por interpretações no mínimo
«criativas» da Lei, sobretudo no que à Festa do Avante! diz respeito: quis
definir como produto da actividade de angariação de fundos do PCP toda a
receita efectuada na Festa, como se esta não envolvesse avultadas despesas na
sua construção, e procurou excluir das contas inúmeras despesas relacionadas
com o seu funcionamento.
As contas da Festa do Avante! são apresentadas
anualmente, com o rigor a transparência que caracteriza o PCP.
9-O PCP sempre defendeu que o financiamento dos
partidos deve resultar da sua iniciativa própria e da contribuição dos seus
membros e simpatizantes. Mais do que um simples slogan, trata-se de um
princípio aplicado pelo Partido. Senão veja-se: do total de receitas
arrecadadas pelo PCP só 11 por cento resultam de fundos públicos; os restantes
89 por cento provêm do pagamento de quotizações e contribuições de muitos
milhares de militantes e simpatizantes, da realização de iniciativas e de
donativos devidamente comprovados e justificados perante as autoridades
competentes.
Quanto aos outros partidos, sem excepção, obtêm
a maior parte das suas receitas por via das subvenções estatais e do
financiamento público: o PS 69 por cento; o BE 78,8 por cento; o PSD 82,7 por
cento; e o CDS 96 por cento. Percebe-se assim a verdadeira razão que os leva a
defender exclusivamente o financiamento público dos partidos: porque, por esta
via, têm garantido esse financiamento. Há partidos – os partidos da política de
direita – a quem não faz falta a independência financeira nem sequer os meios
próprios pois o capital fornece-lhes os instrumentos de propaganda de que
precisam. Para o PCP, a independência financeira e os meios próprios são
garantia da capacidade de intervir e de independência político-ideológica.
Assim, ao procurar limitar a recolha de fundos por parte dos partidos a lei
visa acima de tudo o PCP, como desde a primeira hora foi denunciado. Já o
aumento das subvenções estatais beneficia os partidos da política de direita,
que foram os seus autores.
É importante lembrar que foi só em 1999 que PS e
PSD concordaram finalmente com a proposta do PCP de proibir o financiamento dos
partidos por empresas. Como na altura se reafirmou, «o financiamento privado
dos partidos políticos tem como razão última a opção político-partidária e essa
opção é de pessoas e não de empresas». Por outro lado, acrescentava o PCP, «não
se vislumbra que razões altruístas possam levar empresas a financiarem um
partido político, já que, por natureza, o objectivo essencial e a razão de
existência de empresas privadas é a obtenção e maximização do lucro».
As concepções do PCP acerca do financiamento dos
partidos são claras e não podem ser mais transparentes.
10-No PCP, os fundos são colocados inteiramente
ao serviço da luta dos trabalhadores e do povo pela democracia e o
socialismo. Partido independente do Estado e do capital, o PCP procura
assegurar pelos próprios meios o seu funcionamento e a divulgação da sua
mensagem política – como se prova, aliás, pela origem das suas receitas e do
seu património, assegurados na sua grande maioria pelos seus militantes e
simpatizantes. Como princípios de funcionamento consagrados nos Estatutos do
Partido conta-se a não admissão de vantagens e privilégios pessoais pelo
desempenho de tarefas de responsabilidade ou cargos públicos. Também nisto se
comprova que o PCP é um partido diferente dos que «são todos iguais».
2
(segunda, nas quatro patas da besta)
Mordomos NATO
Na véspera da visita a Portugal do
Secretário-Geral da NATO, os Ministros da Defesa e Negócios Estrangeiros
publicaram um artigo no Público (25.1.18): uma lamentável posição de submissão
e seguidismo, contrária à Constituição de Abril. Conseguem, num mesmo
parágrafo, recordar que Portugal é membro fundador da NATO (sem lembrar que foi
no tempo do fascismo) e afirmar que «a
NATO é, pela história e pelo presente, uma parcela marcante da nossa forma de
conceber a Defesa Nacional, integrando o seu código genético». Os genes do
passado andam por aí.
O artigo junta a sigla NATO à palavra
«segurança». Refere com orgulho que «Portugal
é dos maiores contribuintes» para a missão NATO no Afeganistão «com quase 200 militares envolvidos».
Mas o que é o Afeganistão ocupado, após décadas de subversão e 17 anos de
guerra EUA/NATO? No sábado anterior ao artigo, um ataque talibã matou 22
pessoas e no fim-de-semana seguinte um veículo-bomba matou 100. O New York
Times (27.1.18) citando a ONU, diz que ao longo de 2017 morreram em média dez
civis por dia, sem recordar que muitos morreram em ataques aéreos dos EUA/NATO.
A agência da ONU para os Refugiados (UNHCR) fala em cerca de 2,5 milhões de
refugiados afegãos, só no Paquistão e Irão. Segundo outra agência da ONU, a
UNODC, a produção de ópio, quase totalmente erradicada no ano anterior à
invasão, disparou após 2001, tendo em 2017 a área de cultivo de papoilas
aumentado 63% e a produção de ópio 87%. Papoilas afegãs produzem 90% da heroína
mundial e o Afeganistão é o país com a maior percentagem de heroinómanos (BBC,
11.4.13). Nos EUA os utilizadores de heroína aumentaram de 189 mil em 2001 para
4,5 milhões hoje (Chossudovsky, global research.ca, 27.1.18). O jornalista A.
Vltchek mostra campos de papoilas junto à base dos EUA em Bagram
(21stcenturywire.com, 5.8.17). São antigas e bem documentadas as ligações entre
os serviços secretos dos EUA e o tráfico de drogas. Quando o artigo diz que «somos [...] produtores de paz e segurança
[...] em tantas outras partes do globo», citando concretamente o
Afeganistão, é disto que fala.
Todas as guerras NATO geraram tragédias
semelhantes, com um rastro de destruição dos Balcãs à Líbia e Médio Oriente. Os
ministros anunciam que no «futuro
próximo» Portugal irá «reforçar as
capacidades, nomeadamente através da aquisição de novas aeronaves de transporte
médio e do reforço da nossa capacidade naval» no âmbito da NATO.
Entretanto, adia-se investimentos no SNS, transportes públicos ou na prevenção
e combate a incêndios. Defendem «que a NATO
se mostre cada vez mais preparada para a sua vocação a 360 graus», ou seja,
o auto-proclamado ‘direito’ a intervir em toda a parte e sob qualquer pretexto.
Mas a NATO é uma ferramenta criminosa de guerra, destruição, mentira e agressão
imperialista. Que se acha acima da lei. Querem comprometer Portugal em futuras
guerras contra o Irão, a RPD Coreia ou mesmo a Rússia e a China, decididas
pelos EUA/Trump? Com que consequências? Para quê?
Não é apenas em matéria de UE que este governo
não rompe com políticas contrárias aos interesses do povo e do País. Tal como
Tony Blair, há quem no Governo PS queira ser dos mais fiéis mordomos da NATO,
agora sob a tutela Trump. É uma tradição antiga nas nossas classes dirigentes,
trocar a soberania por um prato de lentilhas. Mesmo que seja, como em 1580,
para se submeter a potências em declínio. Em declínio, mas criminosas e
perigosas.
Jorge Cadima