O «ESPÍRITO DO
OCIDENTE», OS EUA, A NATO E A RÚSSIA
Por ALFREDO BARROSO
O que é que resta do famoso «espírito do Ocidente»? A
terrível «guerra química» que os Estados Unidos da América levaram a cabo no
Vietname entre 1965 e 1975, arrasando florestas e sementeiras e matando mais de
um milhão de seres humanos, com «napalm» e o horrível «agente laranja»,
porventura por considerarem que os pequenos asiáticos que acabaram por os
derrotar pertenciam a uma raça inferior? A intervenção da NATO nos Balcãs e o
cobarde bombardeamento de Belgrado, na década de 1990? A invasão e ocupação do
Afeganistão pelas forças da NATO, desde 2001, que já dura há 17 anos? A invasão
e destruição do Iraque, em 2003, por forças dos EUA e do Reino Unido (a mando
de Bush Júnior e Tony Blair), acolitadas e apoiadas por «aliados» (como o
Portugal de Durão Barroso, Paulo Portas e Martins da Cruz), que provocou
seguramente várias centenas de milhares de mortos e desestabilizou por completo
o Médio Oriente? O bombardeamento e destruição da Líbia, a coberto da NATO, em
2011, pelos aviões e os mísseis dos EUA, Reino Unido e França (a mando de Barak
Obama, David Cameron e um Nicholas Sarkozy agora sob suspeita de ter sido corrompido
por Muamar Kadafy)? A intervenção militar das potências ocidentais e incitamento
e apoio à rebelião na Síria, a partir de 2014, que fortaleceu a Al Qaeda e,
sobretudo, deu origem à criação do Estado Islâmico, hoje mais conhecido por
Daesh, (armado até aos dentes, directa ou indirectamente, pelas potências ocidentais
e por Israel)? É isto o que resta do famoso «espírito do Ocidente»?
Vêm todas estas perguntas a propósito daquilo a que a NATO,
a União Europeia e alguns dos seus políticos mais belicistas e reaccionários
consideram ter sido «o primeiro acto de
guerra química em solo europeu desde o final da II Guerra Mundial», a
propósito do atentado contra um espião duplo de nacionalidade russa perpetrado
em Salisbury, no Reino Unido governado pela frenética e atarantada Theresa May,
que era contra o «Brexit» e agora quer defendê-lo nem ela sabe bem como. O
certo é que, independentemente da gravidade incontestável do atentado, a
primeira-ministra britânica agarrou-se a ele como lapa à rocha, fazendo grande
alarido contra Putin e apelando à solidariedade dos EUA, da NATO e dos países
membros da União Europeia, para o que só pode ser uma incrível escalada no
clima de «guerra fria» que o Ocidente pretende instalar de novo nas suas
sociedades em crise.
Veio-me à memória um famoso relatório, hoje esquecido,
apresentado ao público, em meados da década de 1960, pelo economista John
Kenneth Galbraith (1908-2006), intitulado «Report
on the Iron Mountain» («La Paix Indésirable», na versão francesa),
elaborado a pedido do Governo dos EUA, em 1963, por 15 eminentes personalidades
mantidas no anonimato (só Galbraith daria a cara como garantia de
autenticidade) que se reuniram periodicamente nas grandes caves anti-atómicas
do Estado de Nova York . «Iron Mountain» - com o objectivo de «examinar, sob todos os aspectos, os
diferentes problemas que colocaria à sociedade a passagem a um estado de paz
permanente». A conclusão pessimista, revelando uma atroz ironia, indiscrição
monumental ou obra de imaginação, foi construída sobre elementos reais. E cito
já uma das passagens mais significativas desse relatório: «A possibilidade permanente de recorrer à guerra é o fundamento da
estabilidade dos governos; é a guerra que fornece as bases de aceitação, por
todos, da autoridade política. Só ela permite às sociedades manter as
distinções necessárias entre as classes e assegurar a subordinação dos cidadãos
ao Estado, graças aos poderes residuais inerentes ao conceito de Nação. Nenhum
grupo actualmente no Poder jamais conseguiu manter sob controlo os seus
mandantes após se ter revelado incapaz de manter bem viva a credulidade de uma
ameaça de guerra exterior»… Eis uma
análise escandalosamente actual, mais de meio século depois, e que tanto é
válida para Vladimir Putin como para Donald Trump, Theresa May, Emmanuel Macron
e, claro, para os belicistas da União Europeia e da NATO.
Portugal não constitui excepção na «guerra de peitaças»
levada a cabo por políticos e jornalistas de direita profundamente
reaccionários e belicistas (desde que não tenham de pegar em armas), indignados
com aquilo que consideram ser inaceitável «falta de solidariedade» do Governo
português ao não expulsar diplomatas russos, estilo «Maria vai com as outras»,
para agradar a Washington, a Londres e a Bruxelas (onde se situam as sedes da
NATO e da União europeia). Há mesmo, por cá, um historiador que muita gente
julga que é de esquerda, e que faz esta incrível pergunta: «Pode um progressista apoiar Putin? A resposta é não!». Como se o
que está em causa é apoiar ou não o regime autocrático que Vladimir Putin impõe
na Rússia, e não propriamente o inútil e perigosíssimo risco de agravar um
clima de tensão e ameaça de guerra na Europa. A desonestidade intelectual deste
historiador, muito popular entre a direita, é evidente! Só não se sabe é se ele
terá coragem de formular outra pergunta muito semelhante: «Pode um progressista apoiar Trump?». É que o actual Presidente dos
EUA conquistou o Poder por via de um sistema eleitoral profundamente injusto e anti-democrático,
que lhe permitiu ser eleito apesar de ser um perigoso idiota e de ter obtido
quase três milhões de votos menos do que a sua adversária, Hillary Clinton.
Vale a pena citar as significativas opiniões de dois
políticos lusos de direita. Desde logo, o sempre
azougado e fanfarrão Paulo Rangel, eurodeputado do PPD-PSD, que já fez jus á
sua fama de «espirra canivetes» acusando o actual Governo de estar a fazer
«jogo ideológico» por causa dos apoios do BE e do PCP (ambos contra a NATO, tal
como eu) e considerando «totalmente inexplicável» a sua «falta de solidariedade»
anti-Rússia (estilo «Maria vai com as outras»). Também um pequeno «falcão»
muito à direita, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo de Durão
Barroso, o embaixador Martins da Cruz – que foi, aliás, adepto incondicional da
invasão do Iraque concertada na famosa e vergonhosa «Cimeira das Lajes» – já
veio dizer, com aquele ar pomposo que o caracteriza, que «Portugal não pode
singularizar-se. Terá de apresentar fortes justificações para não expulsar
diplomatas russos». Pois, é para já…
E agora só falta mesmo aparecer o Prof.
Doutor João Carlos Espada, de lacinho e paletó à inglesa, vir dizer que
Portugal é governado por um «bando» (a que ele já pertenceu, aliás, e de
pistola à cinta) de perigosos esquerdistas e pacifistas (como Chamberlain e
Daladier em Munique, em Setembro de 1938); e, igualmente, o famoso ex-director
do Público e actual «publisher» do Observador, José Manuel Fernandes (outro
«reaccionário encartado» oriundo do «esquerdalho»), vir acusar Vladimir Putin
de ter «torneiras e puxadores de ouro» nas casas de banho do Kremlin, tal como
Saddam Hussein nos seus palácios em Bagdade, antes da invasão norte-americana e
britânica de 2003 – seguida das intervenções na Líbia, em 2011, e na Síria, em
2014 (armando a Al Qaeda e o Daesh), e dando cabo da estabilidade no Médio
Oriente à custa duma quantidade inacreditável de iraquianos, líbios e sírios
mortos durante 15 anos, e cujos números exactos, curiosamente, nunca foram
contabilizados.
É isto que querem: mais guerras?! Se
gostam tanto, sigam o exemplo do poeta fascista Marinetti, que teve o topete de
juntar os actos às palavras e ir combater de armas na mão pelos seus ideais,
sofrendo, aliás, graves ferimentos. Vão combater para a Síria e para a Líbia!
Ou será que não passam de gabarolas reaccionários, em que abundam a «garganta»
e o «papel», mas falta coragem para ir combater pelo
Ocidente?!
Campo
d’Ourique, 28 de Março de 2018
1 comentário:
O caso à volta dos diplomatas expulsos é revelador do desnorte que se instalou no mundo.Revelam,também,uma ameaça para toda a humanidade.bjo
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