do (quase-)diário:
30.04.2018
Qual aprendiz de feiticeiro incapaz de travar a
avalanche de vassouras que desencadeou, soterro-me em papéis – livros,
recortes, rascunhos, “coisas da arca do velho” – procurados por uma memória que
vem do fundo das décadas.
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Procuro o que um recanto dessa memória me pede e logo
encontro, não o que procurava mas o que desperta o que estaria sossegado no seu
canto, a espera que esta procura outra não viesse perturbar a memória em
aparente repouso…
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… ou trégua.
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E ele é, por exemplo, a lombada de um livro – Viver
para contá-la, de Gabriel Garcia Marquez –, grossa, imponente,
provocadora;
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e todo o trabalho projectado para o dia cai por terra,
adiado.
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Que gráfico escolheu aquela imagem?, que escrevi eu,
ainda a cheirar a Caxias (apesar da barrela), entre a fuga ao Zambujal, as idas
ao aeroporto receber os exilados (tão diferentes!) Cunhal e Chantal (o almoço
oferecido pelo embaixador da Bélgica pelo meio) e tanto mais?
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Tenho de contá-lo... porque foi tão vivido:
COM UM NÓ NA GARGANTA…
E a voz
estrangulada. E as lágrimas nos olhos.
Mas lágrimas
nos olhos que se riem de espanto. Não as velhas lágrimas mordidas de raiva, de
contenção, crescidas no esforço para continuar a luta contra a mordaça, as
algemas, a venda nos olhos, o nó na garganta.
Mas este nó na garganta de hoje. Outro. De
comoção, de fazer sair a voz estrangulada mas a dizer o que quer. Rouca de
saudar e gritar Povo unido jamais será
vencido,
E este
suplemento. Este suplemento onde a camaradagem encheu páginas com material para
aqui encaminhado para que ele continuasse, mas onde ficou um buraco para poder
vir dizer … voz estrangulada, lágrimas nos olhos … que nele continuo, que cá
estou a procurar escrever ECONOMIA. E agora com as oito letras do seu nome.
Para hoje,
pouco mais do que isto. Pouco mais do que vir marcar a presença, deixar a
saudação. Palavras escritas num intervalo de dias de vinte e quatro horas que
todas são poucas para no estreitarmos as mãos e arrancarmos com a construção do
nosso futuro, enquanto temos de ajudar à definitiva impossibilidade de renascer
um passado. A não esquecer como experiência vivida. Sofrida.
Mas o marcar
a presença e deixar a saudação é também um compromisso. A escrever com todas as
letras, vingando-nos de mais de uma centena de vezes que o tentámos escrever
com as letras que a repressão nos deixava – era forçada! – chegar a mensagem.
Uma ECONOMIA com o produtor, o trabalhador, o homem no começo e fim de todas as
prioridades. A satisfação das suas necessidades. A sua promoção. A sua escolha
consciente.
Tudo quanto
hoje se escreve tem o peso de uma enorme responsabilidade. A de termos a
certeza de que o que estamos a escrever será o que vai ser lido, e de sabermos
que somos analfabetos de uma comunicação que deixou de ser codificada, são esse
peso, essa responsabilidade. E assumamo-la substituindo a humilhante mordaça da
censura pela sadia reflexão da autocrítica e de aprendizagem de comunicação
descodificada.
Mas, também,
aceitemos o risco de uma relativa irresponsabilidade que consuma esta euforia e
compense este cansaço que os nervos fazem esquecer. Deixemos que se atirem para
o almofariz de onde devemos tirar o futuro por todos amassado e enformado,
ideias que não transportam maior peso que o de uma enorme vontade de as
exprimir. Já destinadas a se apagarem, como voz débil mas firme, no coral das
ideias colectivamente trabalhadas.
Neste
“primeiro” suplemento, cozinhado à pressa para que saia, não podemos deixar de
avançar uma palavra sobre a inflação. Dos preços temos falado e bem temos
procurado demonstrar o que todos sabemos: que os salários dos trabalhadores não
são, de nenhum modo, responsáveis pela subida dos preços, que os trabalhadores
são as grandes vítimas do que alguns têm aproveitado. Pois afirmemos
claramente, neste suplemento, que a primeira palavra que queremos deixar é
sobre a urgente necessidade de se encontrar a definição – por todos nós – de um
mínimo de salário para um viver digno. Sentimo-lo – hoje, às seis menos um quarto
da madrugada de 29 de Abril – como o mote prioritário sobre todas as
prioridades a deixar num suplemento de economia.
Com a
economia escrita, pela primeira vez, com todas as suas oito letras! Mas,
também, com a exclusiva responsabilidade de uma assinatura, de um grande
cansaço, de uma enorme alegria que (dá) a luta para a construção da
esperança.
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Há 44 anos! Com o Povo Português a acordar, e já com forças
a procurar anestesiá-lo, “barbarituricamente”.
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Hoje, escreveria o mesmo. Decerto não exactamente assim… mas o mesmo!
2 comentários:
Foi uma época ,que ainda hoje a 44 anos de distância,não conseguimos revivẽ-la sem a mesma carga emotiva.Uns mais intervenientes no histórico acontecimento,outros menos,mas a nossa geração foi privilegiada por fazer parte da História de Portugal.Penso que não houve,ao longo da história do nosso país,uma revolução que trouxesse tantos benefícios ao povo,e por isso mesmo :Revolução.Depois...Bjo
Somos a memória que temos!
https://www.youtube.com/watch?time_continue=1&v=sPxrABUFOOE
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