(...)
Tinha a intenção de comentar
o Mundo. Este Mundo em que estamos a viver neste tempo, e que se comprova que
está bem a precisar de ser transformado. Acabei o comentário anterior
escrevendo que não faltam pontas por onde lhe pegar tão bicudo está, apesar da
sua forma arredondada.
Mas acontece que o tema orçamento não se esgota e o regresso da
situação de calamidade ao País, me
impede de sair de aqui nestes meus
comentários. Que, sendo um imperativo pessoal sem qualquer pretensão de chegar
a muitos, se me impõe no meio de tudo o que vejo, ouço e leio. Aliás, são
comentários sobre comentários de comentadores, daqueles que têm a tarefa de
dizer “como vão as coisas”, e que a cumprem com maior ou menor divulgação,
segundo é estimulada ou frenada pelaa correlação de forças.
Aliás, começaria por colocar
essa questão. Ainda ontem, um comentador (dos encartados) chamava a atenção para
a importância de um livro, que a mim me interessa, e que ele apresenta com
entusiasmo que não comungo, logo a partir do título e da obra anterior de
autor. Trata-se de Piketti, o autor de O
Capital no século XXI, que agora publicou Capital e Ideologia. Despertará – já despertou – apologetas, mas em
contrapartida suscita(-me) imediatas reservas.
Tudo tem a sua ideologia
(até a desideologia!), e quando se avança com o título Capital e Ideologia logo se auto-denuncia a ambígua ideologia de apresentar
dois conceitos como se fossem separáveis por uma copulativa. De toda a
ideologia, qualquer ideologia, decorrem preconceitos e, na ideologia que
assumo, capital é, antes de tudo, uma relação
social. Qual o preconceito resultante da ideologia de quem escreve Capital
e Ideologia? É para mim claro que se pressupõe um conceito (ideológico) de
capital que não é o meu e que leva a considerar capital como se não fosse
conceito, isto é, ideológico mas facto.
Tem isto alguma coisa a ver
com o OE 2021 para o Estado português que o governo PS acaba de apresentar, e
sobre o qual a instância parlamentar, na sua diversidade (ideológica), se vai
pronunciar? Tem tudo!
Vejamos alguns exemplos:
como instrumento de um executivo, depois do dilema saúde pública ou economia,
em que se afirmou a prioridade absoluta para a saúde pública, acentua-se a necessidade
da recuperação do estado a que caiu a economia, mas como essa recuperação, em
que condições; há quem clame pelo apoio às empresas, no sub-entendimento que se pretende consensual, que
economia são empresas e que estas são quem as possui, mas há quem considere que
a economia é o que o trabalho for (enquanto trabalho vivo, ou cristalizado em
meios de produção e de distribuição possuído por alguns), nas condições/relações
sociais em que concretiza.
Noutro exemplo mais
terra-a-terra: deverá o orçamento ser instrumento para, ao serviço de uma
classe, aguentar o que tem prevalecido, ocorrendo a desastres económicos em
bancos e serviços que foram públicos e se privatizaram, como bombeiro ou
nadador-salvador, ou deverá contribuir para, pelo menos, corrigir o evidentemente
desastroso fazendo o Estado tomar as rédeas do que desencabrestou, não tem
emenda e é (para usar terminologia oportunista) contagioso.
Ainda mais (procurando ser) claro:
a questão dos salários tem de ser
encarados contra a corrente de serem custos
para as empresas, para estas vencerem ondas alterosas, tem de ser encarada como
rendimentos dos trabalhadores e,
sublinho, procura interna, consumo, a contrabalançar as apostas em
turismo e atracção ao capital como expressão material de uma relação social.
Idêntica abordagem para as pensões.
Neste quadro tão complexo
(que ontem dizia aparentemente simples) incomodam, irritam, quase exasperam, as
argumentações e as públicas (e gritadas), controversas negociações que serão, no
fundo, “jogos de poder”, como se numa mesa de pano verde “dando cartas” para
jogo eleitoral.
Eu sei que esta é confusa
caracterização de uma situação intrincada, caracterização assumidamente ideológica… mas que se
não quer calar porque, ao ser expressa (ou espremida), se procura clarificar. E
ser útil.
1 comentário:
Estamos a viver uma situação deveras complexa,mas foi uma leitura útil.Não tenho dúvidas que este OE será um instrumento do capital e dará continuidade à política ideológica de direita.Bjo
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