quinta-feira, outubro 15, 2020

Comenta dor - ainda o País, orçamento e ideologia

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Tinha a intenção de comentar o Mundo. Este Mundo em que estamos a viver neste tempo, e que se comprova que está bem a precisar de ser transformado. Acabei o comentário anterior escrevendo que não faltam pontas por onde lhe pegar tão bicudo está, apesar da sua forma arredondada.

Mas acontece que o tema orçamento não se esgota e o regresso da situação de calamidade ao País, me impede de sair de aqui nestes meus comentários. Que, sendo um imperativo pessoal sem qualquer pretensão de chegar a muitos, se me impõe no meio de tudo o que vejo, ouço e leio. Aliás, são comentários sobre comentários de comentadores, daqueles que têm a tarefa de dizer “como vão as coisas”, e que a cumprem com maior ou menor divulgação, segundo é estimulada ou frenada pelaa correlação de forças.

Aliás, começaria por colocar essa questão. Ainda ontem, um comentador (dos encartados) chamava a atenção para a importância de um livro, que a mim me interessa, e que ele apresenta com entusiasmo que não comungo, logo a partir do título e da obra anterior de autor. Trata-se de Piketti, o autor de O Capital no século XXI, que agora publicou Capital e Ideologia. Despertará – já despertou – apologetas, mas em contrapartida suscita(-me) imediatas reservas.

Tudo tem a sua ideologia (até a desideologia!), e quando se avança com o título Capital e Ideologia logo se auto-denuncia a ambígua ideologia de apresentar dois conceitos como se fossem separáveis por uma copulativa. De toda a ideologia, qualquer ideologia, decorrem preconceitos e, na ideologia que assumo, capital é, antes de tudo, uma relação social. Qual o preconceito resultante da ideologia de quem escreve Capital e Ideologia? É para mim claro que se pressupõe um conceito (ideológico) de capital que não é o meu e que leva a considerar capital como se não fosse conceito, isto é, ideológico mas facto.

Tem isto alguma coisa a ver com o OE 2021 para o Estado português que o governo PS acaba de apresentar, e sobre o qual a instância parlamentar, na sua diversidade (ideológica), se vai pronunciar? Tem tudo!

Vejamos alguns exemplos: como instrumento de um executivo, depois do dilema saúde pública ou economia, em que se afirmou a prioridade absoluta para a saúde pública, acentua-se a necessidade da recuperação do estado a que caiu a economia, mas como essa recuperação, em que condições; há quem clame pelo apoio às empresas, no sub-entendimento que se pretende consensual, que economia são empresas e que estas são quem as possui, mas há quem considere que a economia é o que o trabalho for (enquanto trabalho vivo, ou cristalizado em meios de produção e de distribuição possuído por alguns), nas condições/relações sociais em que concretiza.

Noutro exemplo mais terra-a-terra: deverá o orçamento ser instrumento para, ao serviço de uma classe, aguentar o que tem prevalecido, ocorrendo a desastres económicos em bancos e serviços que foram públicos e se privatizaram, como bombeiro ou nadador-salvador, ou deverá contribuir para, pelo menos, corrigir o evidentemente desastroso fazendo o Estado tomar as rédeas do que desencabrestou, não tem emenda e é (para usar terminologia oportunista) contagioso.

Ainda mais (procurando ser) claro: a questão dos salários tem de ser encarados contra a corrente de serem custos para as empresas, para estas vencerem ondas alterosas, tem de ser encarada como rendimentos dos trabalhadores e, sublinho, procura interna, consumo, a contrabalançar as apostas em turismo e atracção ao capital como expressão material de uma relação social. Idêntica abordagem para as pensões.

Neste quadro tão complexo (que ontem dizia aparentemente simples) incomodam, irritam, quase exasperam, as argumentações e as públicas (e gritadas), controversas negociações que serão, no fundo, “jogos de poder”, como se numa mesa de pano verde “dando cartas” para jogo eleitoral.

Eu sei que esta é confusa caracterização de uma situação intrincada, caracterização assumidamente ideológica… mas que se não quer calar porque, ao ser expressa (ou espremida), se procura clarificar. E ser útil.     

1 comentário:

Olinda disse...

Estamos a viver uma situação deveras complexa,mas foi uma leitura útil.Não tenho dúvidas que este OE será um instrumento do capital e dará continuidade à política ideológica de direita.Bjo