- Edição Nº2452 - 26-11-2020
Pela televisão, e naturalmente que não apenas por ela, ficámos a saber que há por aí muita gente boa e generosa que se preocupa com a saúde dos comunistas: é que a realização do próximo Congresso do PCP, implicando a presença de muitos delegados numa sala, poderá resultar num acréscimo de contágios do sinistro vírus que anda a passear-se pelo mundo em geral e pelo nosso país. Daí que as tais almas sensíveis e solidárias preconizem tacitamente, se não explicitamente, o cancelamento do Congresso. É um pouco a repetição dos receios e preocupações que a Festa do Avante! já suscitou, e pela repetição dos temores parece poder concluir-se que a saúde dos comunistas e similares é questão que muito inspira cuidados a larga gente, ao contrário do que podia recear-se. Felizmente, uma breve revisita ao passado revelará que os comunistas não são apenas corajosos, como a História ensina, mas são também adequadamente prudentes, como aliás o seu sentido da eficácia recomenda. Pelo que é provável que as inquietações que o Congresso pelos vistos suscita em certas almas resultarão menos de um superlativo apreço pela saúde dos comunistas que de um irreprimível desejo de embirrar com a iniciativa anunciada.
Ou não
A verdade é que, para alguns olhos, isto de um certo número de comunistas se juntarem presumivelmente para partilharem experiências, definirem estratégias e gizarem planos, tem sempre qualquer coisa de inquietante: é que os comunistas têm um projecto que não é tão largamente partilhado quanto seria desejável. Acontece até que esta simpática onda de cuidados com a saúde de comunistas pode suscitar memórias e reflexões: por exemplo, memórias do chamado «verão Quente» de 75 em que a aparente palavra de ordem seguida por alguns recomendava a destruição de instalações do Partido e, de caminho e se as circunstâncias a tanto fossem estimulantes e favoráveis, a eliminação física de militantes. Já lá vai um punhadão de anos sobre esse mau momento, felizmente, mas uma coisa é o tempo que decorre e coisa diferente é o falecimento da memória. De qualquer modo, temos agora que o apreço pelos comunistas é tal que a sua reunião em sala fechada inspira cuidados acerca da sua saúde, o que é bonito. É certo que por vezes acontece que o rosto bonito de alguns factos é enganador, mas não há-de ser este um desses casos. Assim, as preocupações que o Congresso indirectamente desencadeia podem (e, naturalmente, devem) ser autênticas: aliás é óbvio que a presença dos comunistas confirma a autenticidade do regime democrático. Estejam eles em sala fechada ou não.
2 comentários:
A fina ironia de Correia da Fonseca faz-me sempre sorrir...não pelo que tem de sério,mas da forma que sempre encontra para fazer a sua critica.Bjo
Estou a "ouver" o Congresso e já tinha lido este artigo de CF.
Abraço!
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