terça-feira, novembro 24, 2020

Vacinas - concorrência empresarial e guerra comercial

Tinha agendado fazer um comentário tão "virulento" quanto me permito, quando recebo este artigo do jornal PÚBLICO. (.. de Espanha!, não o de Portugal). 

Resolvi traduzi-lo e transcrevê-lo: 

 


Era uma vez, em Março, quando estávamos fechados em casa e assustados como Covid e se faziam discursos grandiloquentes no G20, na OMS e nas Nações Unidas, sobre a “universalização" dos tratamentos contra a pandemia... acreditei que o mundo podia ser melhor, que esta emergência sanitária global imporia sageza na gestão internacional da saúde.

Entretanto, passaram-se coisas como estas:

1 – A União Europeia já reconhece ter ter comprado mais de 1800 milhões de doses de vacinas de 5 grandes empresas farmacêuticas, quando somos 450 milhões de europeus. Cabem-nos 4 por cabeça; isto é, longe da gesta estadounidense que já tem pré-compradas 8 vacinas por cada norte-americano!

Que loucura é esta em que se compram vacinas sem saber se vão ser usadas?

(…)

2 – O conselheiro delegado da Pfizer, Albert Bourla, vendeu metade das suas acções no dia seguinte a anunciar, por nota de imprensa, que a sua vacina era, presumivelmente, a escolhida, embolsando mais de 5 milhões de dólares

Mas não está proibido e penalizado que os directivos enriqueçam de maneira fraudulenta? A sério?

3 – Os directores de Moderna, incluído o espanhol Juan Andrés, fizeram o mesmo, depois de anúncio semelhante, e encaixaram 75 milhões, mas prometeram que não voltariam a fazê-lo até que a sua vacina seja comercializada. Moderna lança uma mensagem: fizemos algo de errado, mas não voltaremos a fazê-lo, não somos como a concorrência.

Somos tão cretinos para que conceda valor publicitário a um anúncio como este da Moderna? Que apoio social merece ser espertalhaço e dizer-se morto mas só um bocadinho

4 – Os donos de Remdesivir,  um medicamento que também parecia solução, assinaram um contrato milionário com a UE, de 2000 Euros por paciente, uns dias antes da OMS publicar um estudo que diz que o seu medicamento não cura, nem encurta as hospitalizações. As suas acções subiram e baixaram e, neste processo, alguém se aproveitou deste contrato, e com ele, levou uns quantos milhões para casa.

Poder-se-ão devolver  os Rendemsivir que foram pagos a preço de ouro?; Porque nada se publica sobre isto, mesmo em letra pequena?

5 – AstraZeneca, a farmacêutica britânica por detrás da vacina de Oxford, prometeu não lucrar com a Covid “enquanto durar a pandemia”, mas não terá contra si possíveis questões por responsabilidade civil por efeitos secundários. Desconhecemos quem filtrou este significativo dado. Este acordo, assinado com a UE seria confidencial, mas autoridades europeias justificaram a divulgação deste facto por seu preço ser o mais baixo. Com a soma destes factores, os anti-vacinas já a terão colocado em primeiro lugar na sua lista negra, ainda que quem possa levantar essas hipotéticas questões sejam os Estados. Conclusão: a vacina de Oxford, a menos lucrativa, a mais solidária, foi enlameada antes de começar a partida.

Não é uma pena que o exemplo de AstraZeneca não tenha sido propagado?; Não deveriam os Estados, com o seu financiamento, apoiar mais, ou apenas, iniciativas como esta?

6 – A União Europeia, com a Fundação Bill Gates e outros, assinou um acordo para fazer empréstimos aos países mais pobres, que não possam pagar pelas vacinas o que as farmacêuticas peçam. Os especialistas dizem que se Covax, assim se chama o programa, conseguir cumprir com os seus objectivos logrará levar algumas vacinas aos países mais pobres mas não aos médios.

Onde paga impostos na Europa a Microsoft? Como é possível que, uma vez mais, se procurem e se assinem mecanismos para dar esmolas, em vez de se fazer justiça?

e 7 – A 17 de Dezembro a Organização Mundial do Comércio decidirá se se levantam patentes das vacina de Covid, enquanto dura a pandemia, para facilitar o acesso universal a estes transcendentes medicamentos. Neste momento, India e África do Sul pedem-no e Médicos do Mundo e centenas de associações pela igualdade de direitos sanitários reclamam-no. Espanha posicionou-se com o resto da UE, com Estados Unidos, Japão e outros países ricos estão contra. Todos estes gastaram fortunas pré-comprando vacinas neste salve-se quem puder.

Pode argumentar-se, sem pudor, que o direito a especular prevaleça sobre o direito mais humano de todos: o direito a continuar vivo? Como se justifica a concorrência empresarial e a guerra comercial que existe, numa emergência sanitária mundial? Se não somos capazes de colaborar para isto, como seremos capazes de colaborar em qualquer outra coisa? Como é possível que, no século XXI, as farmacêuticas procurem, sem limites, o seu lucro, com patentes por 20 anos, quando muita da sua investigação é financiada com dinheiro público ou com pré-contratos com os Estados? Para quando uns lucros de não mais de, digamos, 10%? Não é o mais triste desta pandemia que ela não esteja servindo para avançar na guerra mais larga, em que se luta por mais saúde, por menos insultante desigualdade, ainda que seja à custa de menos negócio?

PS: Nem sequer um Governo que se dia de coligação de esquerdas vai ter a valentia de defender publicamente, em organismos internacionais, o que todos sabem que seria justo e necessário?


3 comentários:

Olinda disse...

Muita intriga,muito caos e ganância.É o capitalismo duro e espúrio .Bjo

Maria João Brito de Sousa disse...

Muito medo para quase todos, muito lucro para meia dúzia...

Emilio Antunes Rodrigues disse...

E o silêncio a que votam vacinas em muito melhor estado de desenvolvimento e com melhores resultados completamente silenciadas e possivelmente muito mais baratas? Os governos desta europa mais uma vez demonstram que servem o alto capital contra o interesse dos povos. E a maioria não acorda.